Um cara mau

Uma noite quase normal


—“Pronta pra ir?”, perguntou Steve, entrando no quarto cuja porta estava entreaberta.

—“Já nasci pronta, Picolé.”, Natasha respondeu.

—“Até você nessa brincadeira? Achei que só Stark gostava de pegar no meu pé com esse apelido.”, ele disse, pegando a bolsa recém organizada que Natasha havia colocado no chão.

—“Achou errado. Vamos embora.”

Ambos saíram rumo a plataforma de lançamento das aeronaves, trocando palavras pelo corredor da grande base.

—“Então, alguma ideia do que Tony está aprontando?”, ela perguntou.

—“Como eu disse mais cedo, que não seja um Ultron versão 2.0.”, Steve respondeu, arrancando risos da parceira.

—“Me admira a rapidez desse cara.”, Natasha comentou. “Só três dias da última luta e ele já tem coisa pra mostrar. Acho que a Pepper tem andado muito ocupada na empresa e pouco tem visto o namorado.”

Steve sorriu.

—“Na verdade, ela esteve na torre até hoje de manhã. Depois voltou para Los Angeles.”, ele explicou.

—“Ah, Los Angeles. Uma bela cidade. Já foi lá?”

—“Talvez. Não me lembro. E você?”

—“Claro, muitas vezes.”, ela disse. “Foi onde conheci Stark, Pepper... A mansão que o Mandarim jogou mar abaixo.”

—“Ouvi dizer que está sendo reconstruída. Cento e vinte milhões de dólares. O preço para reerguê-la. Mesmo se eu tivesse poupado desde os anos 30, nunca alcançaria um valor desse.”, Steve comentou, selecionando o andar no painel eletrônico do elevador.

—“Isso é pechincha pro cabeça de lata. Ainda mais agora que a Stark é líder absoluta no empresariado. O maior conglomerado tecnológico do planeta. E sabe a melhor parte?”, Natasha perguntou.

—“Qual?”

—“Uma mulher no comando.”

—“Isso é incrível.”, disse ele. “Sou um cara de sorte. Desde o século passado cercado por mulheres valentes e determinadas. Minha mãe, Sarah Rogers, uma enfermeira que morreu cuidando dos que lutaram pelo país na guerra. Margareth Peggy Carter... Encarregada de treinar uns idiotas no campo de batalha e fundadora da S.H.I.E.L.D. Natasha Romanoff, uma vingadora.”

—“Tá tentando me bajular, Rogers? Achei que não fazia seu tipo.”, ela provocou.

—“Só gosto de te ver assim, alegre.”, Steve justificou.

Quando as portas do elevador se abriram, Natasha e Steve se encontraram com Rhodes e Visão, que retornavam para o alojamento. Uma breve conversa com os amigos para explicar a saída e, em poucos minutos, o quinjet deixou o complexo. Natasha pilotava, enquanto Steve fazia comunicação com Stark. Chegariam mais cedo que o previsto, já que o clima estava favorável para voo e o tráfego aéreo colaborava para isso.

*****

Torre dos Vingadores, Nova Iorque.

—“Tudo bem. Estou esperando por vocês. Não se atrasem para o jantar. Até logo.”, Tony disse, finalizando a comunicação.

—“Steve?”, perguntou Bruce, carregando uma pequena bolsa com roupas e livros.

—“Sim.”, ele respondeu.

—“Ele virá sozinho?”

—“Er... Não. Alguém está pilotando o quinjet, obviamente...”, respondeu Stark, tentando não revelar que Natasha estava a caminho.

—“Hum. Estou indo lá pra baixo.”, avisou Banner.

—“Tem certeza? Não acho que o Capicolé vai te criticar por estar aqui enquanto deveria estar lá, muito menos te obrigar a voltar. Você sabe, ele é muito educado.”, disse Tony, tentando convencê-lo a permanecer no apartamento.

—“Toda certeza. Não é do Steve que eu tenho medo.”, Bruce retrucou, olhando sugestivamente para Tony.

—“É de aranhas?”, provocou Tony.

—“Deixa de ser criança, Tony...”

—“Sabia que algumas aranhas arrancam a cabeça de seus parceiros depois da reprodução? Eu não. Vi na Discovery Channel outro dia. Como é o nome da espécie... Deixe-me ver... Ah, Viúva negra!”

—“Tchau, Stark. Boa noite.”

Bruce saiu rapidamente do andar, deixando Tony rindo sozinho da piadinha sem-graça. Os números no painel indicativo do elevador decresciam num ritmo extremamente lento, dando a sensação de que quanto mais longe ele ia, mais difícil seria fugir de seus fantasmas. Quando as portas duplas se abriram e as lâmpadas do andar automaticamente iluminaram o recinto, ele caminhou a passos pesarosos em direção ao quarto, jogando sua bolsa sobre um sofá qualquer.

Como em todo canto do edifício, um refrigerador armazenava diversos tipos de bebidas: de chás gelados a vodkas genuinamente russas. Bruce apanhou um copo de cristal da bancada e o encheu com uma dose generosa de uísque, sorvendo o líquido amarelado de uma só vez. Normalmente, não faria tal coisa – bebidas alcoólicas jamais poderiam se tornar seu ponto de fuga. Desta vez, porém, qualquer artifício que lhe fizesse dormir mais rápido seria bem-vindo.

*****

Mesmo em meio aos arranha-céus intimidadores de Midtown Manhattan, a Torre dos Vingadores era de longe o edifício mais glamoroso e imponente do condado; ainda mais quando aeronaves de super potência ou os ostensivos trajes vermelhos e dourados do Homem de ferro paravam sobre a plataforma de pouso localizada no topo do lugar. Trinta minutos de viagem e Natasha aterrissou ali, deixando que o grande sistema robótico projetado por Tony fizesse o trabalho de guardar o quinjet no espaço reservado para ele.

—“E cá estamos!”, disse ela, abrindo o compartimento de bagagens e retirando sua bolsa.

—“De volta ao lar.”, Steve complementou, também apanhando seus pertences. “Podemos entrar?”

—“Claro. Faça as honras por mim. Idosos primeiro.”, Natasha brincou, sorrindo descaradamente.

—“Isso deve ser resultado do tempo de convivência com Tony.”, murmurou Rogers, rindo sem humor.

—“Falando de mim, Picolé de laboratório? Já percebi que sentiu saudades.”, Tony disse, aproximando-se da rampa de acesso da aeronave.

—“Stark.”, cumprimentou Steve, estendendo a mão.

—“Capitão.”, retribuiu Tony, apertando a mão do amigo. “Agente Romanoff.”

Natasha balançou levemente a cabeça em sinal de aprovação. Os três entraram na sala de estar, que já havia sido reformada após o dramático episódio contra os robôs da Legião de ferro sob controle de Ultron.

—“Querem beber alguma coisa?”, perguntou Tony, indo para o pequeno bar que mantinha no cômodo.

—“Eu aceito.”, respondeu Steve, jogando-se sobre o estofado.

—“Quero vodka.”, Natasha pediu, sentando-se num dos bancos à frente do balcão onde as bebidas eram preparadas.

—“Sentindo falta da Rússia, Romanoff?”, provocou Stark, lhe entregando um copo quase cheio da bebida. “Tem muito saudosismo por aqui.”

—“Valeu, latinha.”, ela agradeceu, desviando das gracinhas de Tony.

—“Para nós, legítimos americanos, o bom e velho Bourbon.”, disse ele, enchendo outros dois copos e levando um até Steve.

—“Obrigado.”, agradeceu ele.

—“De nada.”, Tony retrucou. “Então, como vão as coisas no complexo? Eu soube que Rhodes ainda está lá.”

—“Estão indo bem. Treinamos como equipe, mas também ajudamos os novos cadetes. Natasha dá aulas de luta e tiro. Eu auxilio na academia e no treinamento para reforços tático-operacionais. E o resto se preocupa com espionagem, aviação e análise de dados.”, explicou Steve.

—“Resumindo, fazemos o trabalho da S.H.I.E.L.D. Só que em menor escala.”, Natasha concluiu, bebendo outra dose de vodka.

—“E melhor!”, Tony completou. “Sem as toneladas de burocracia que Fury levava na mochila.”

—“Por um instante eu pensei que você gostasse de segredos, Stark.”, ela alfinetou, lançando um olhar sarcástico para ele. Steve apenas observava, sorrindo discretamente.

—“Mudando de assunto. Alguma notícia do Banner?”, perguntou Stark, como se não soubesse de nada, como se não lembrasse que Bruce estava há apenas alguns metros abaixo deles.

Natasha pediu licença e caminhou às pressas para o toalete, deixando-os sozinhos.

—“A vodka não fez bem pra ruivinha... Ou é o Banner?”

Steve assentiu.

—“Você a conhece o suficiente pra saber que ela não engoliu o sumiço do Bruce.”, Steve falou. “Romanoff mantém as aparências, finge que é inabalável. Nós sabemos que não é bem assim.”

—“Evidentemente.”, Tony concordou. “Se até eu tenho um coração...”

*****

O reflexo no amplo espelho do banheiro se tornou embaçado pelo considerável tempo em que Natasha passou se observando; também por causa das lágrimas pesadas que rolaram sobre seu rosto pálido, seguidas de soluços incontroláveis. Qual seria o seu problema ali? Talvez a sensação de que sempre apareceria alguém para tocar no assunto e fazê-la relembrar do que mais gostaria de esquecer. Uma pergunta inocente, até mesmo bem intencionada e seu bom humor caiu por terra, destruindo a aparente firme fachada que ela havia edificado sobre si há apenas quarenta e oito horas.

—“Não é hora para isso, Natasha!”, ela pensava, repreendendo a si mesma pela reação extremamente sensibilizada que estava tendo por conta da infeliz pergunta de Stark. “Siga em frente. Enfrente!”

—“Toc, Toc!”, disse Steve, batendo gentilmente na porta. “Está tudo bem, Nat?”

—“Steve... Er, está tudo certo aqui. Acho que a bebida não me fez bem.”, Natasha respondeu com firmeza, disfarçando a voz chorosa.

—“O jantar está pronto. Quem sabe se comer alguma coisa não se sentirá melhor.”, sugeriu ele. “Vamos?”

A porta se abriu, revelando olhos avermelhados e um sorriso forçado.

—“Podemos ir.”, ela disse. “O cheiro está delicioso.”

Steve protetoramente passou a mão pelos ombros dela, conduzindo-a até a sala de jantar. Tony os aguardava curioso e, para a felicidade de todos, não fez nenhum comentário relacionado à Sokóvia ou a Banner. Durante toda a refeição, os três conversaram sobre diversos assuntos cotidianos: começando com o placar da liga Nova iorquina de Baseball, passando pela previsão do tempo e, por alto, pelos últimos lançamento de Hollywood.

Até o momento em que se aconchegaram em seus devidos quartos, após duas ou três doses de uísque e baboseiras sem medida, nem um pensamento sequer sobre o assunto; somente conversas normais, entre pessoas normais, numa noite quase normal.