“Mas como?! Veronica!” ela abraçou a mulher “Como você chegou até aqui?” disse emocionada.

“Seu noivo. Ele que armou toda essa surpresa” Veronica não parava de sorrir.

“Eu não acredito que John foi capaz disso. Mas como? Eu aceitei o pedido de casamento há poucas semanas, não havia tempo suficiente para você chegar”.

“Roxton ajeitou nossa vinda desde quando estava na América. Acho que ele tinha certeza de que você aceitaria o pedido” ela riu da careta que Marguerite fez.

“Lembre-me de ser mais resistente da próxima vez” as duas gargalharam “Mas... Você disse ‘nossa vinda’... Não me diga que...”

“Sim! Malone retornou a casa da árvore alguns dias depois que vocês partiram. Estamos juntos desde então” disse envergonhada.

Marguerite abraçou novamente a amiga, parecia um sonho, todos ali juntos dela. O que mais poderia acontecer naquele dia para melhorá-lo?

“Mas... teremos muito tempo para colocar os assuntos em dia, agora, precisamos terminar de arrumá-la. Existe um noivo aflito no jardim achando que você desistiu do casamento” ela brincou.

“Você tem razão” Marguerite concordou feliz.

A mansão Roxton estava elegantemente decorada para o enlace matrimonial de John e Marguerite. Lady Elizabeth cuidou com alegria para que todos os detalhes estivessem impecáveis. Nunca pensou que organizaria novamente um evento como aquele, e estava realmente feliz por isso. Logo viriam o batizado e os aniversários dos netos, finalmente, felicidade parecia retornar aquela residência. Intimamente ela preferia que o casamento ocorresse em Avebury, mas, em virtude da adiantada gestação de Marguerite, por segurança, o casal optou por uma cerimônia pequena e em Londres. Lady Roxton também não discordava disso, afinal, o jardim da mansão ficou perfeito com um lindo altar montado de frente para os convidados. Toda a imagem parecia saída de um sonho, as cores, o céu azul, o cantar dos pássaros e a temperatura agradável do dia colaboravam para a magnitude do momento. Esta era uma união abençoada, ela pensou.

Challenger e Jesse aceitaram prontamente o convite para serem padrinhos do casal, e Veronica ocupou o lugar que lhe era de direito: o de dama de honra de sua amiga, ou melhor, de sua irmã de alma, pois era assim que ela considerava Marguerite.

John aguardava a noiva com ansiedade. Era tão típico de Marguerite se atrasar só para deixá-lo irritado, será que pelo menos no dia do casamento ela não podia esquecer esse odioso hábito. Malone tentava acalmar o amigo como podia.

“Roxton, você as conhece, devem estar colocando o assunto em dia, ela logo virá”.

“Elas podiam fazer isso em outro momento, não? Justo agora?” num ímpeto ele se virou “Eu vou buscá-la!”. Malone segurou o braço de John a tempo de ouvirem os primeiros acordes da marcha nupcial.

Tudo desapareceu da mente do caçador, até mesmo a irritação que ele havia sentido minutos antes. Ele estava completamente hipnotizado pela imagem da linda mulher que se aproximava, trazida pelos braços de Summerlee. Não havia dúvida que este era o momento pelo qual ele esperou e desejou desesperadamente desde que a viu, primeira vez, cheia de arrogância, no salão da sociedade de zoologia. Ele a amava com loucura, as batidas aceleradas do seu coração pareciam gritar ritmadas... eu te amo, eu te amo. Marguerite sorria para ele, sem desviar do olhar nem por um segundo, e ele sabia que ela sentia o mesmo. Quando Arthur a entregou aos seus braços ele não pôde segurar um sussurro emocionado.

“Você está linda!”

“Você também, Lorde Roxton” sorriu.

Após todos os juramentos e bênçãos, John a beijou com ternura. Por quanto tempo esperaram por isso, enfim, era realidade. Oficialmente Lady Roxton, como no papelzinho que ela uma vez rabiscou escondida o seu desejo mais secreto. Por muitas vezes ela acreditou que este era um sonho impossível, apenas um devaneio apaixonado que ela tentou com todas as forças suprimir, mas, agora, depois dos obstáculos que enfrentaram estarem juntos tinha certeza era a coisa mais correta a acontecer.

As comemorações seguiram por toda à tarde, embora terrivelmente cansada, Marguerite se negou a se recolher até que o último convidado se fosse. O marido tentou persuadi-la muitas vezes para que ela se retirasse por alguns minutos, mas ela foi obstinada. Queria aproveitar a magia daquele dia como se fosse o último de sua vida. Enquanto conversava com Veronica ela observava os demais amigos. Parou seus pensamentos para registrar como todos a quem amava estavam felizes. Ela riu das disputas científicas que Challenger e Arthur travavam a cerca de teorias distintas; sorriu ao ver como sua sogra mostrava entusiasmada a Jesse os álbuns antigos onde estavam guardadas as fotos dos filhos pequenos; de longe notava com carinho, John orgulhoso contando a Malone sobre como os bebês se agitavam ao som de sua voz, enquanto bebia seu precioso whisky e tragava um charuto. A herdeira queria que aquele momento fosse eterno, nunca se sentiu tão feliz e em seu coração uma plenitude se instalou. Não podia esperar mais nada da vida. Estava completa.

Quando finalmente o último convidado se foi, Roxton se aproximou da esposa e a colocou em seu colo, levando para o quarto como manda as tradições dos recém-casados. Sem dizer uma só palavra o lorde a colocou gentilmente na cama e se ocupou de preparar um relaxante banho quente na luxuosa banheira que tinha em seu quarto. Nus, ambos entraram na água, Marguerite sentou-se na frente do marido, de costas para seu peito. Enquanto o caçador esfregava com delicadeza o corpo da mulher que amava, ele depositava beijos apaixonados na pele delicada do seu pescoço. A mulher sibilava diante da deliciosa sensação de prazer. Ela não podia mais conter seu desejo, e sob a água também podia sentir a excitação do marido que sussurrava, com a voz rouca, juras de amor em seu ouvido. Enfim se amaram ali mesmo, pela primeira vez como marido e mulher.

Já vestidos com suas elegantes roupas de dormir, feitas com a mais fina seda, Marguerite sorriu e passou a mão com carinho sobre as iniciais MR bordadas em seu novo robe. John percebendo o motivo do sorriso da esposa, respondeu:

“Não subestime Lady Elizabeth Roxton, ela pensa em todos os detalhes” ele piscou para a mulher.

A herdeira ia falar algo, mas, desistiu quando viu o marido se levantar e caminhar silenciosamente até a escrivaninha. Observou que ele abriu uma das gavetas e tirou de lá uma pequena caixa de joias. Ele voltou para a cama e se sentou ao lado dela.

“Agora chegou a hora de eu lhe entregar o seu presente de casamento”.

“Ora John, eu não esperava por isso... não preparei nada” disse envergonhada. Embora tenham ganhado inúmeros presentes dos convidados, não era comum os casais trocarem mimos entre si logo após o casamento.

“Não se preocupe, querida. Não há presente maior que estar casado com você. Agora abra, espero que goste”.

A mulher se emocionou com a linda declaração do caçador, em seguida obedeceu ao que ele lhe sugeriu. Desfez rapidamente o laço e abriu a embalagem. Com surpresa notou que era o seu relicário em formato de coração. Ela não havia se dado conta de que não estava em posse da peça. Por muito tempo àquela corrente tinha sido seu amuleto inseparável, a única recordação que a conectava com seu ser de verdade. Aquele objeto significou durante anos o motivo que regia sua existência: saber quem realmente ela era. Contudo, depois que embarcou na expedição Challenger e conheceu as pessoas que passou a considerar sua família, a obsessão por saber suas origens perdeu importância. John e seus amigos a fizeram perceber que mais importante do que saber quem ela foi era saber quem ela se tornou. Diante disso, o relicário ficou esquecido em um dos seus porta-joias, até aquela noite.

“Eu não entendo” disse confusa ao desviar olhar da joia para o caçador.

“Olhe na tampa” ele indicou com o dedo.

Ela o fez, e viu uma fotografia antiga. Nela um casal, bem vestido, ao lado deles dois enormes elefantes. Apesar de Marguerite perceber, pela paisagem exótica, que a foto não havia sido tirada na Inglaterra, o casal lhe parecia muito britânico. A principio isso não lhe sugeriu nada, mas, quando ela olhou a mulher com mais atenção, viu que os traços marcantes e os olhos acinzentados assemelhavam-se muito a ela mesma. Com mais cuidado ao examinar a imagem ela pode notar que a elegante dama usava seu relicário.

“O que significa isso?” falou com um nervosismo e os olhos já estavam enchendo d’água quando os fatos começavam a se encaixar em sua cabeça. “Quem são essas pessoas, diga-me, John?”

“Estes são Sir Robert Christopher Rothemere e sua esposa Lady Marguerite Olivia Howard Rothemere, eles são seus pais” John respondeu sem rodeios.

As lágrimas brotavam incontroláveis nos olhos da herdeira e ela era incapaz de contê-las.

“Você nasceu no dia 12 de junho de 1897, na província de Assam na Índia, logo após o terremoto arrasador que assolou o país*. Seu pai era um diplomata, uma pessoa da confiança pessoal do rei George V, ele foi condecorado cavalheiro e era o emissário da coroa britânica no British Raj**. Por isso, seus pais estavam lá quando a tragédia ocorreu. Seu pai morreu soterrado sob os escombros e por um milagre sua mãe sobreviveu por tempo suficiente para lhe dar a luz. Antes de sucumbir ela pediu que as enfermeiras colocassem esta joia com você, para que não a perdessem e pra que você conseguisse encontrar suas origens. As crianças inglesas órfãs foram colocadas num navio e trazidas para seus responsáveis na Inglaterra. Mas, por algum motivo, você foi declarada morta junto com sua família. Quando ninguém reclamou sua custódia, você foi enviada a um orfanato” o homem sabia quão impactante aquelas palavras eram para a esposa, mas, precisava ser honesto com ela, por muito tempo ela esperou a verdade e ele agradecia por poder revelá-la.

Marguerite ouvia incrédula tudo o que Roxton a contava. Ela só conseguia pensar que seus pais não a haviam abandonado. Que a amaram e que não tiveram a oportunidade de criá-la. Mesmo lamentando que não pudesse os abraçar, ela sentia seu coração aquecido pelo fato de não ter sido renegada como sempre imaginou. Como num quebra-cabeça as peças começaram a fazer sentido. O marido a abraçava tentando lhe passar conforto e apoio.

“Como você descobriu?” perguntou emocionada entre um soluço e outro.

“Eu sempre desconfiei que seu relicário fosse uma peça única, e esta seria achava para tudo. Há algumas semanas estive em sua casa para buscar uns objetos que você me pediu. Encontrei a corrente em uma caixa na sua penteadeira, a peguei e entreguei a um amigo da inteligência britânica. Pedi a ele o favor de encontrar o joalheiro que a havia fabricado. Mas, me enganei. Não era uma joia única”.

“O que quer dizer?” ela se afastou do abraço para poder olhá-lo.

“Existem dois destes relicários. Foram encomendados por Sir Edward Howard para presentear suas filhas gêmeas, Marguerite e Amélia, em seu aniversário de 15 anos”.

“John, você está querendo dizer que eu tenho uma tia?” ela sorriu lindamente diante da possibilidade de encontrar alguém de sua família.

“Sim, querida. Lady Amélia Howard, nunca se casou, vive em Lancashire, na mesma propriedade em que sua mãe cresceu”.

“Que coincidência... Arthur também nasceu em Lancashire. Será que ele conheceu meus pais?”

“Challenger diria que coincidências não existem, mas, a Inglaterra não é um país tão grande e seu pai era uma pessoa muito conhecida. Provavelmente Arthur os encontrou em alguma oportunidade”.

“Muito obrigada, John. Você me deu de presente o meu passado. Eu não sei se um dia poderei recompensá-lo por isso”.

“Você já o fez. Você me devolveu a vontade de viver, me deu uma família, trouxe cor à vida de todos nós”.

Marguerite beijou o marido apaixonadamente, mas, interrompeu o beijo quando uma forte sensação de angustia tomou conta de seu coração. Ela sentiu seus pulmões se contraírem em busca de ar. De repente não conseguia respirar. O caçador percebeu que o corpo da mulher retesou em seus braços e quando olhou seu rosto viu sua expressão de medo.

“John, sinto falta de ar” ela conseguiu dizer.

“Acalme-se, por favor, pedirei ajuda”. Roxton saiu correndo do quarto, gritando com os empregados para preparar seu automóvel.

Quando retornou ao aposento encontrou a mulher desmaiada. Uma onda de desespero tomou conta dele. Notou que suas pernas e pés estavam mais inchados do que na hora em que se banharam. A ergueu nos braços e desceu quase correndo as escadas. Lady Roxton ouvindo os gritos vinha logo atrás.

“John, o que aconteceu?”

“Eu não sei. Ela se sentiu mal e enquanto fui buscar ajuda ela ficou inconsciente. A levarei ao hospital”.

“Faça isso, eu irei logo em seguida” ela pegou o antebraço do filho “ficará tudo bem, querido”.

A tentativa era acalmar o filho, mas a mulher também estava muito preocupada com a nora. Sabia que tais sinais não eram bem vindos, ainda mais com o histórico de Marguerite.

O motorista conduziu o carro o mais rápido que podia. Por sorte aquela hora da noite havia pouco movimento. No banco de trás, John apoiava o corpo da mulher contra o seu enquanto acariciava seus cabelos. Durante o percurso Marguerite recobrou a consciência por um momento.

“John...” se esforçou para dizer ofegante.

“Marguerite, eu estou aqui. Fique tranquila, não se esforce. Estamos a caminho do hospital” Roxton não sabia se as palavras eram para acalmar a esposa, ou para convencer a si próprio de que tudo ficaria bem. Ele não se lembrava de ter sentido tanto medo quanto agora.

“John... me prometa... apenas...prometa”

“Querida, não se esforce. Já estamos chegando. Tudo ficará bem.” ele realmente não queria ouvir o que Marguerite o pediria. Ele já imaginava o que seria e não estava disposto a fazer tal promessa.

“Você sabe... não ficará...salve os bebês... prometa... que os salvará”.

“Claro, meu amor. Você e os bebês ficaram bem. Eu prometo”.

“Se... precisar escolher... os escolha...”

“Pare imediatamente! Eu não precisarei fazer tal escolha!”

Marguerite perdeu a consciência novamente. John não suportava a ideia de perdê-la, tampouco aos filhos. Deus não poderia ser tão cruel a ponto de deixá-lo experimentar a felicidade e tirá-la em seguida.