Um Título vazio

Capítulo 2- O médico


Sentado confortavelmente em uma poltrona próxima a escotilha da cabine, um homem loiro de olhos gentis tentava pela décima vez ler o mesmo parágrafo de um livro do qual ele nem se lembrava do assunto. Na verdade seus pensamentos estavam esquadrinhando os acontecimentos das últimas semanas.

Desde que seu avô, Arthur Summerlee, retornou da América do Sul muito debilitado e falando coisas que pareciam sem sentido, o médico Benjamin Summerlee se dedicou a achar razão nas narrativas do bondoso senhor. Arthur sabia que não poderia confiar em ninguém além do seu neto para revelar os segredos descobertos no platô perdido na selva Amazônica. A ambição do homem civilizado era o maior risco que aquele paraíso corria, mas, ao mesmo tempo, o botânico não poderia deixar seus amigos esquecidos para sempre. Por isso, quando chegou a Londres decidiu manter seu retorno em segredo, contou apenas para Benjamim o que tinha encontrado enquanto foi membro da expedição Challenger e como conseguiu sair daquele lugar.

Quando caiu na corredeira Arthur encontrou uma caverna escondida atrás da queda d’agua. Caminhou dias por túneis que pareciam intermináveis até finalmente conseguir sair à superfície. Muito fraco o botânico foi resgatado por uma tribo nativa da Amazônia, não sabe por quanto tempo ficou desacordado, mas se restabeleceu a ponto de ter condições de viajar e seguiu para Manaus. Assim que contou todos os detalhes a Benjamin, o jovem se prontificou em liderar uma expedição de busca e resgate dos demais membros perdidos. E o fez, partindo em um navio com destino ao Rio de Janeiro. Chegando ao Brasil, fretou um avião que o levou a Manaus e de lá seguiu viagem pelo rio Amazonas até a localização indicada pelo avô. Os nativos o conduziram pela rede de túneis nos quais resgataram Summerlee, e em poucos dias Benjamin finalmente encontrou a tão descrita casa da árvore.

Inicialmente, os exploradores duvidaram das intenções do desconhecido, exceto por Marguerite. Desde o primeiro instante ela reconheceu a gentileza e bondade de Summerlee nos olhos de seu neto. Depois de alguns detalhes que apenas Arthur poderia saber os demais se convenceram de que Benjamin era a ajuda enviada por seu amigo botânico e aceitaram de boa vontade o que o médico lhe oferecia, a saída do platô.

Veronica decidiu não seguir viagem com os amigos, o que causou grande comoção. Ela alegou que seu lugar era na casa da árvore, depois que descobriu sua descendência da linhagem de protetoras ela tinha um compromisso com a proteção do planalto, porém, todos sabiam que ela seria incapaz de sair do platô deixando Malone para trás. Ele ainda não tinha retornado de sua viagem de autoconhecimento, talvez nunca voltasse, mas ela não iria carregar essa dúvida, estaria ali esperando por ele.

Não demorou muitos dias para que Challenger, Roxton, Marguerite e Benjamin fizessem o caminho de volta à civilização. Parecia que tudo estava saindo como o planejado, mas, algo incomodava o jovem médico. Benjamin se preparou para encontrar nesta aventura dinossauros e caçadores de cabeça, no entanto, encontrou uma coisa tão perigosa quanto, mas para a qual ele não estava preparado. Desde o momento em que ele a avistou sabia que era ela, a linda morena de olhos acinzentados graciosamente estendo as roupas recém-lavadas no varal improvisado na base da casa da arvore era Marguerite Krux. Sua curiosidade em conhecê-la vinha desde quando seu avô narrava com tanto carinho e admiração à bela e corajosa jovem que financiou a expedição, mas agora tinha certeza que sua curiosidade se transformou facilmente em encantamento. O que o incomodava, era o fato de que seus sentimentos deveriam se conformar em serem apenas de amizade. Ela estava comprometida com Lorde John Roxton, seu avô também lhe falou sobre ele, mencionou como era um homem nobre, honesto e leal. Também falou a respeito dos sentimentos não admitidos entre Lorde Roxton e a senhorita Krux. Por mais que a realidade o machucasse, não chegou a ser uma surpresa encontrá-los casados. Seus pensamentos foram interrompidos por batidas frenéticas na porta.

“Roxton?!” perguntou com surpresa.

“Benjamin, preciso que você verifique Marguerite, ela sofreu um desmaio.” Havia aflição na voz de Roxton.

Não precisou nenhuma informação a mais, Benjamin pegou sua maleta e em poucos segundos estava na cabine de Marguerite e Roxton. Challenger percebendo a movimentação seguiu os amigos. O cientista chegou a tempo de vê-la acordando um pouco confusa.

“O que aconteceu?”

Benjamin sorriu ao confirmar que ela estava bem. “você teve uma queda de pressão e desmaiou”. Disse com tranquilidade.

“Devem ter sido as náuseas. Este desconforto tem sido constante durante essa viagem.” Marguerite respondeu tentando se levantar.

“Nada disso, mocinha.” O médico a impediu. “Recomendo que pelo menos hoje você faça repouso para que esse mal-estar não se repita”.

“Você tem certeza que não é nada mais grave?” Roxton fez questão de participar do diálogo.

“Acredito que não, ela está desidratada por conta das náuseas, mas, quando chegarmos a Londres em poucos dias, faremos alguns exames para descartar qualquer outra moléstia”. Respondeu sorrindo para Marguerite.

“Obrigada Benjamin.” Ela retribuiu o sorriso.

Roxton sentiu uma onda de desconforto ao ouvir Marguerite chamar o médico pelo seu primeiro nome. Mas logo fez questão de dissipar essa insegurança, não havia motivos para isso, ele mesmo estava grato ao novo amigo pela atenção dedicada a sua amada. O caçador tinha ciência que a amizade entre ela e o médico foi inevitável desde o primeiro momento. O Benjamin lembrava muito o avô em vários aspectos, e, Marguerite nutria um carinho genuíno pelo professor. Saber que ele estava vivo e bem deixou a todos muito felizes, mas a herdeira em especial, atribuiu ao mensageiro a felicidade da mensagem. Até aquele instante isso não incomodava Roxton, mas, talvez pelo conteúdo da última conversa teve com ela, uma luz amarela acendeu em sua mente.

O Challenger e o médico estavam se preparando para sair da cabine quando Marguerite os impediu.

“Por favor, esperem!” O caçador e os outros se olharam sem saber o que ela queria. “Aproveitando que estamos todos aqui reunidos, eu e Lorde Roxton temos um anúncio”. Ela fez uma pequena pausa tentando encontrara as palavras certas, mas resolveu em um ímpeto falar da forma mais rápida possível. “Eu e Roxton não estaremos juntos quando chegarmos a Londres”.

Os dois homens se olharam sem entender. Benjamin sentiu uma fagulha de esperança ascender dentro de seu peito. Roxton ainda estava processando o porquê de Marguerite ter se referido a ele de maneira tão formal por duas vezes consecutivas quando Challenger quebrou o silêncio.

“O que você quer dizer com isso, minha querida?”

“Não é de verdade!” Roxton se apressou em dizer. “Marguerite e eu decidimos que por um tempo manteremos nossa relação em segredo.”

Eu não consigo encontrar razão para isso”. Challenger não gostou da forma como os amigos colocaram de lado a sua felicidade.

Será apenas enquanto a imprensa estiver com os holofotes sobre nós. Entenda como uma estratégia de autopreservação.” Assegurou o caçador.

Ainda sim não me parece justo com os sentimentos de vocês. Não há motivos para se esconderem. Vocês são adultos, saudáveis e sem compromissos... passamos tantas vezes por experiências de quase morte, será que isso não foi o suficiente para perceberem que conveniências são apenas regras impostas por pessoas que nunca viveram de verdade?!” Havia muita reprovação nas palavras do cientista.

Roxton ponderava o que o amigo acabara de dizer quando ouviu uma Marguerite se manifestar categoricamente.

Isto não está em negociação, George. Não estamos pedindo a sua benção. Esperamos apenas que você e Benjamin compactuem com nossa atuação. O tempo avaliará se fizemos ou não as escolhas corretas”.

Os homens se assustaram com a determinação da mulher que a pouco estava debilmente desfalecida na cama. Por uma fração de segundo John e Challenger vislumbraram a herdeira que conheceram há alguns anos. Roxton sentiu um arrepio na nuca após Marguerite mencionar a ultima frase. Antes que qualquer um pudesse fazer uma réplica, Benjamin, até então em silencio, se pronunciou.

Vocês podem contar com a minha discrição.” O médico fez uma pausa e continuou dirigindo-se imediatamente a Marguerite. “Se preferir não ficar sozinha pode considerar ser nossa hóspede. Tenho certeza que meu avô apreciará muito a sua companhia“.

Marguerite pode ver lampejos de ódio crepitando nos olhos de Roxton diante da proposta oferecida pelo jovem Summerlee. Temendo por uma reação desnecessária do caçador, a herdeira foi rápida em responder.

Agradeço o convite, também aprecio a companhia de Arthur e sei que teremos oportunidade para conversamos sempre que quisermos, mas, por hora prefiro ficar com as recordações impregnadas nas paredes da minha casa”.

John respirou com alívio. Poderia ser egoísmo da parte dele pedir que ela fique sozinha esperando enquanto ele disfruta da companhia da família e amigos, entretanto, a ideia de Marguerite dividindo o mesmo teto que Benjamin nublava a sua racionalidade. Além disso, ele não pretendia manter aquela situação por muito tempo. O mais rápido possível encontraria uma maneira de vê-la mesmo que furtivamente.

Mais tarde naquele mesmo dia Roxton tentou retomar o assunto com ela, porém, Marguerite definitivamente não estava com humores para tratar de algo que estava a desagradando tanto. Dizendo que estava cansada ela encerrou a conversa. Os dias que se seguiram foram de distanciamento entre os dois. A herdeira estava determinada a tratar com Roxton apenas o essencial e ele não conseguia entender porque ela assumiu aquela postura. Não passou pela sua cabeça que Marguerite estava arrependida do que havia proposto e sentindo medo de ficar sozinha novamente.