“Ajuda! Por favor, alguém me ajude!” John entrou desesperado na emergência do hospital com a mulher inconsciente em seus braços.

Benjamin Summerlee era o médico de plantão naquela noite. Ele tinha trocado o turno propositalmente com outro obstetra para ter uma desculpa e não comparecer ao casamento da mulher por quem estava apaixonado. Ouvindo os gritos e vendo o tumulto ele se aproximou. Reconheceu de imediato Roxton e sentiu um mal estar ao perceber o estado de Marguerite no colo do homem. Ele sabia exatamente o que aquilo significava. Durante meses o jovem médico se debruçou exaustivamente sobre os prontuários da gestante, buscando a melhor condução de sua gravidez. Mas, nas últimas semanas ela sequer o procurou, afastou-se completamente dele e por mais que ele se sentisse preocupado, não queria forçá–la a nada, nem impor sua presença. Entretanto, aquele não era o momento para sermões ou lamentações, ele precisava agir e rápido, ou a vida de Marguerite e das crianças correria perigo e esta não era uma alternativa para ele.

“Roxton, o que aconteceu?”

“Benjamin” o caçador hesitou, mas, logo se deu conta que não era hora para ciúmes, salvar a vida da esposa era a prioridade e o médico era quem poderia ajudar “Ela começou a ficar ofegante, disse que sentia faltar o ar e seus pés incharam muito, em seguida, ela desmaiou. Recobrou a consciência no caminho, mas, logo desfaleceu novamente”.

“Traga ela e a coloque na maca”.

O homem obedeceu e ficou atento aos exames que Benjamin fazia na sua esposa.

“É grave? Diga-me algo, por favor.”

“Eu preciso auscultar os batimentos cardiofetais. Fique na sala de espera, logo lhe levarei notícias”.

Roxton não cofiava plenamente em Benjamin, ainda mais depois dos últimos encontros que tiveram, porém, o caçador se deixou se levar pela sensatez e não se impôs a recomendação do médico. Ele sabia que o jovem Summerlee era a melhor pessoa a assisti-la, e este era o momento de engolir o orgulho e unir forças a ele para salvar a vida de sua família.

“Tudo bem, mas não demore, por favor.”

O tempo que Benjamin gastou para realizar os exames em Marguerite foi o suficiente para a chegada de Lady Elizabeth e do professor Arthur ao hospital. A mulher mais velha sabia o quanto a nora importava ao botânico e achou justo avisá-lo para que ele a acompanhasse. Na sala de espera, John ainda se encontrava de pijamas e chinelos, mas, isso não o incomodava ou constrangia. Ele estava anestesiado pela preocupação. Lady Roxton se aproximou com uma bolsa de couro onde havia uma muda de roupa para o John e para a Marguerite.

“Querido, como ela está?” a mulher colocou a mão no ombro direito do filho que estava sentado em uma poltrona, com a cabeça baixa, nem percebendo sua chegada. Ela pode sentir a tensão de seus músculos e sabia que as notícias não eram boas.

Roxton ergueu o rosto e a mãe pode ver seus olhos vermelhos com o medo estampado neles. Ela nunca o viu assim. Nem mesmo quando a dor e a culpa pela morte de William o destruíam. Num impulso o abraçou como ela deveria ter feito tantas vezes e nunca o fez. Ele retribuiu e permitindo-a sentir os soluços abafados em seu peito.

“Benjamin a levou para alguns exames, e eu não soube mais nada... estou com medo, mãe”.

“Eu sei, meu filho, mas confie nos médicos e em Deus. Marguerite é a mulher mais forte que eu conheço, vai ficar tudo bem” ela queria encontrar outras palavras para garantir ao filho que sua família ficaria bem, mas, que palavras dizer, se nem mesmo ela tinha certeza disso?

Summerlee observava preocupado e com uma estranha sensação de angústia. Ele tentava entender o porquê disto. Ele sabia que se atentavapela vida de Marguerite, das crianças, de John e do próprio neto, que sofreria terrivelmente se algo acontecesse a ela, mas seu sentimento de medo vinha de algum lugar ainda mais profundo e visceral.

Minutos depois Benjamin retornou e trazia uma preocupação em sua expressão.

“Roxton, eu preciso lhe ser franco, a situação é grave. Marguerite tem uma predisposição, provavelmente congênita, a formação de coágulos sanguíneos. Chamamos esta condição de trombofilia*. Durante a gravidez este problema frequentemente se agrava, em virtude do aumento no volume e fluxo de sangue no corpo da gestante. Como seu médico, eu recomendei o uso preventivo de ácido acetilsalicílico. Este medicamento diminuiu a viscosidade do sangue e assim as chances de complicações no terceiro trimestre de gravidez, quando seu uso precisa ser suspenso para evitar hemorragias durante o parto. Mencionei isso a ela, e certamente ela interrompeu o tratamento por conta própria quando completou 28 semanas” explicou o médico.

“E agora, o que pode ser feito?” perguntou o caçador aflito, embora Benjamin não tenha lhe dito em palavras, ele sabia que a esposa e os filhos corriam risco.

“Eu farei um parto cesáreo de emergência, para a retirada dos bebês. Marguerite se encontra na trigésima terceira semana de gestação, os fetos já são viáveis. A interrupção da gravidez é uma medida extrema, se um dos coágulos interromperem o fluxo de sangue e oxigênio, as crianças podem morrer”.

“E quanto a Marguerite? Ela ficará bem?” Roxton não parava de pensar na esposa e no que ela havia lhe dito no carro. A herdeira sempre foi uma pessoa intuitiva e seus presságios muitas vezes o assustavam. Ele não queria acreditar que desta vez ela tivesse razão.

“Eu sinto muito. Marguerite está desenvolvendo um quadro de embolia pulmonar. Isso acontece quando um dos trombos bloqueia total ou parcialmente o fluxo de sangue para os pulmões. Não há muito que eu possa fazer a respeito. Se ao menos ela tivesse tido acompanhamento médico durante as últimas semanas...” havia crítica na voz do médico, e Roxton percebeu que ele o culpava pelo quadro da mulher.

“O que você está querendo dizer? Acha que eu sou o responsável pelo estado de Marguerite? Acha que eu seria capaz de por em risco a mulher que eu amo? Ou você esta me culpando porque é tão incompetente que não pode fazer nada para salvá-la? Pois saiba, Dr. Benjamin Summerlee, que neste momento, eu trocaria de lugar com ela sem nem pestanejar. Embora eu o ache um oportunista atrevido, eu não a proibi de vê-lo. Se ela o fez, foi por que quis, ou por que achou que seus cuidados não eram necessários” John estava possuído pela raiva de ser impotente naquela situação, e o médico parecia o alvo perfeito a quem descarregá-la.

“Fui eu o responsável” Summerlee interrompeu a briga antes que tomasse novamente proporções incontroláveis. Tudo que menos precisavam no momento era que Roxton e Benjamin se engalfinhassem mais uma vez. Estavam correndo contra o tempo, e os dois homens estavam agindo mais uma vez como crianças. “Eu pedi que Marguerite se afastasse de você, pois, percebi que seu sentimento por ela o estava envenenando. Nunca imaginei que esta atitude a colocaria em risco” lamentou.

“Vovô, como você pôde fazer algo assim?” o neto estava decepcionado pela atitude imprudente do avô.

“Desculpe interromper vocês três, cavalheiros. Mas não é hora para cobranças ou lamentações. Minha nora e meus netos estão lutando pela vida e não tempos tempo para achar o culpado por isso, se preferirem depois podemos até levar à suprema corte a questão, mas, agora, Dr. Summerlee, nos diga o que você pode fazer para salvá-los?” Lady Roxton foi categórica.

O médico refletiu com seriedade em seguida explicou.

“Existe um medicamento. Um anticoagulante chamado heparina**. Ele foi descoberto em 1916, por pesquisadores americanos, mas, os teste clínicos com humanos ainda não foram realizados. Essa droga tem resultados promissores em cobaias, e eu fiz estimativas de dosagem para humanos. Quando eu descobri a condição de Marguerite me ofereci como colaborador na pesquisa e deste modo eu tive acesso a uma amostra” ele fez uma pausa e se dirigiu imediatamente a Roxton “O que eu vou lhe propor agora, coloca em risco a minha carreira como médico, mas, pode ser a única chance que temos de salvá-la. A aplicação de heparina seria experimental, como ela não está em condição de autorizar, eu preciso que você, como marido, o faça”.

O caçador ponderou o que o médico acabara de sugerir. Ele precisava tomar a decisão mais difícil de sua vida e da qual talvez se arrependesse pelo resto de sua existência. Optar pela morte de sua amada esposa não era pra ele uma das opções. Marguerite o trouxe novamente a vida, o retirou do luto que o amargava até a alma, o fez recuperar o carinho e confiança de sua mãe e ele não imaginava seguir sem ela ao seu lado.

“Não a deixe morrer. Faça o que for preciso” ele precisava tentar até as últimas consequências. Não a deixaria escapar dele assim tão fácil.

O médico assentiu com a cabeça e caminhou em direção ao centro cirúrgico. John ficou amparado no abraço de sua mãe e ela, pela primeira vez em anos, ofereceu uma oração silenciosa a Deus, para que os anjos e os seres de luz protegesse a nora e seus netos.

A sala de cirurgia estava completamente paramentada para a realização do procedimento. O grande foco de luz iluminava uma Marguerite inerte,anestesiada e com uma máscara de oxigênio que facilitava sua respiração. Benjamin se atrevia a dizer que mesmo diante da morte ela ainda era a mulher mais linda que ele já viu. Como médico, ele já havia feito algumas dezenas de cirurgias daquelas, mas, por nenhuma das pacientes tinha o envolvimento emocional que nutria pela herdeira e ele esperava ser profissional o suficiente para que seus sentimentos não atrapalhassem suas tomadas de decisões. Recordou-se de quando conheceu a linda morena, de como seu amor foi quase espontâneo e de como ela era extraordinária como seu avô lhe contou. Ela sempre foi tão honesta com ele e clara em relação aos seus sentimentos por Roxton. Ela nunca o deu esperanças. E agora, olhando-a tão vulnerável, o médico foi capaz de enxergar que seu sentimento foi egoísta, ele jamais deveria ter tentado medir forças com o amor que ela sentia por John, isso só contribuiu para que se afastasse de seus cuidados. Se ele tivesse sido leal aos seus sentimentos, preferiria que fosse feliz com quem ela elegeu. Mas, agora, estavam em suas precisas mãos cirúrgicas a oportunidade de corrigir seu erro, prometeu a si mesmo que se Marguerite sobrevivesse ele daria lado e faria o possível para que ela fosse plenamente feliz junto ao homem que amava.

“Por favor, administre a medicação” orientou a enfermeira.

Em seguida, com o bisturi nº23, o obstetra começou a fazer a incisão no baixo ventre da herdeira. Após a lâmina atravessar as sete camadas de tecido que separavam a pele do interior do útero, o médico conseguiu visualizar a bolsa de liquido amniótico que protegeu os tranquilos bebês por quase 34 semanas. Com auxilio do afastador Benjamin conseguiu alcançá–los e retirou as crianças ainda empelicadas***. O médico recordou que em algumas tradições, crianças que vem ao mundo sem romper a fina membrana da bolsa amniótica é um sinal de boa sorte, e que estas são agraciadas com muitas bênçãos. O pediatra e as enfermeiras comemoraram um acontecimento tão raro e interessante. Após o rompimento da membrana o especialista neonatal aspirou às vias aéreas dos bebês e Benjamin pôde ouvir o duplo choro forte, respirou aliviado por saber que isto era um ótimo sinal.

“São duas meninas” disse a enfermeira “Duas lindas e fortes menininhas, apesar de pequenas elas ficaram bem, são saudáveis”.

O médico sorriu por trás da máscara e sentiu que seus olhos estavam rasos d’água. Ele sequer se virou para olhá-las, precisava de toda a concentração para suturar Marguerite o mais rápido possível. Ele não sabia o quais os efeitos colaterais da heparina e o risco de hemorragia era uma variável a se considerar. De repente uma voz alarmada o tirou a concentração.

“Dr. Summerlee, estamos perdendo-a” o anestesista indicou o aparelho rudimentar que media os batimentos cardíacos cada vez mais fracos.

Benjamin congelou, estava próximo de terminar a sutura, mas não a tempo de conseguir evitar que Marguerite fizesse uma parada cardiovascular.

“Rápido! Massagem Cardíaca!” ordenou.