Um Tempo Antes do Fim do Mundo

A Última Noite das Nossas Vidas


— Não consegue dormir, cara? – A voz de Steve veio baixa, de um jeito hesitante, mas ainda assim fez Eddie se assustar um pouco. Ele andava com os nervos à flor da pele nos últimos dias, estava sendo muito difícil para o Munson, difícil demais.

Eddie maneou a cabeça em negação, seus lábios franzidos como tipicamente fazia quando se sentia ansioso.

— Eu trabalho melhor à noite. – Eddie riu, tentando se aconchegar no banco do trailer roubado, mas não conseguiu, tudo era desconfortável.

Steve apenas abaixou a cabeça em afirmação. sorrindo sem muito humor. Havia uma tensão sorrateira se formando, os corações de ambos haviam acelerado muito desde que Steve se aproximou sozinho do moreno, mas nenhum dos dois sabia que sua ansiedade era mútua. – Como estão os outros?

— … Bem. Digo, não me surpreende, as crianças só desmaiaram e a Robin está dormindo desde que estacionamos, então…

— E a Nancy? – Eddie se arrependeu pela pergunta. Foi rápido demais, quase cortou a fala de Steve, definitivamente soando estranho. Mas o cara dos cabelos perfeitos apenas olhou para dentro do trailer com aquele semblante pesado que sempre tinha quando falavam sobre ela. Eddie sentiu o peito doer novamente e não conseguiu continuar vendo aquela expressão, desviou o rosto para fora do trailer.

— Dormiu, sabe, depois de um bom tempo. – A voz estava baixa e desanimada, Steve finalmente resolveu se sentar e o clima ficou ainda mais pesado depois de Nancy.

— Você não devia ficar assim, um cara bonitão como você… Já viu como ela te olha, eu já te disse, cara, a Wheeler gosta de você. – Doeu dizer aquilo.

— É, então… – Steve franziu os lábios, fitando o chão com um desânimo ainda maior. Aquele tom hesitante chamou a atenção do metaleiro e Eddie virou para Steve já com as sobrancelhas juntas. – Esse que é… o problema. – Juntou os lábios em desconforto. – Sabe, cara, eu posso ser sincero com você? Digo, é provável que a gente morra amanhã, então… – Coçou os cabelos incomodamente, estava começando a se embaralhar nas palavras.

Munson fez uma pequena careta de confusão e virou completamente o corpo em direção a Steve. Sua curiosidade e iludida esperança já estavam lhe deixando irritado pela demora. O que Steve estava tentando dizer?

— Tá tudo bem, abra seu coração, mano, de homem pra homem.

— … Tá… – Steve hesitou, fitando Munson enquanto repensava se deveria mesmo contar para ele, talvez conseguisse passar uma mensagem discreta o suficiente para não se expor, mas sugestiva o suficiente para ele perceber, se fosse esperto. Respirou fundo e recomeçou: – Eu era novo, cara, sabe… Eu amei a Nancy, por muito, muito tempo e… Era de verdade, mas… Eu vi todos os dias, eu via ela e o Jonathan… Sabe como isso pode machucar, Munson? Dói, dói de verdade, cara. Essas coisas mudam você e eu demorei pra… Lidar, pra superar… É, superar é a palavra. – Pontuou enquanto encarava o chão e gesticulava um pouco. Daquele ângulo Steve não podia ver, mas os olhos de Eddie se abriam cada vez mais. Eddie quase ficou melancólico, ele sabia como era e era justamente por isso que a falta de objetividade do outro estava lhe levando a um nível de impaciência cada vez maior. Porra, porque aquele maldito de lábios perfeitos não ia direto ao ponto? Munson jurava que o pegaria pelo colarinho se ele demorasse mais um pouco.

— Uhum. – Apressou com o punho escondendo a boca.

Steve deu de ombros, soltando o peso dos braços sobre o corpo.

— E agora, quando eu finalmente superei ela, agora que eu finalmente segui em frente e estava feliz, e decidi que não ia ter a Nancy na minha vida… – Uma pausa e o olhar de Steve voltou para o interior do trailer novamente. – Sabe, cara, me dói ver ela assim, porque eu não sou mais aquele cara e não sou mais… Capaz de corresponder ela. Ah, e ela tem namorado, cara. – Um silêncio se formou e Eddie engoliu a saliva, balançando a cabeça de um jeito quase compulsivo, ainda com o punho sobre a boca.

— Você… Você tá me dizendo que não tem interesse na Wheeler? – Precisou confirmar para acreditar que não tinha ouvido errado.

Steve se limitou a acenar positivamente com uma breve hesitada e Eddie soltou o ar dos pulmões.

— Jesus Cristo… Foi mal, cara, eu não teria pressionado se soubesse.

— Não, de boas, não tinha como saber.

— Não, Harrington, sério.

— Tá de boas, cara. Não é o fim do mundo… Bom, na verdade é. – Riu sem humor.

Eddie o fitou em silêncio

— Eu só, sei lá… Você é o rei Steve. É idiota, mas o esperado era que você tivesse uma rainha, sabe, não era pra você ficar sozinho. Isso é normal pra aberrações como eu, mas você? O Jason tinha a Chrissy, o Bradley a Anne… O rei Steve deveria ter a princesinha de Hawkins High.

— É, isso é bem idiota. – Steve deu de ombros, encostando-se no assento e ficando em silêncio por alguns instantes. – Por um tempo também achei que queria uma princesa, mas sabe?… eu só queria amor.

O silêncio voltou a se manifestar por alguns segundos enquanto Eddie tentava pensar em algo para dizer.

— E aqui estamos, na última noite das nossas vidas de merda, sem amor. – Eddie sorriu também sem humor, tentando incorporar um tom de graça em sua fala, mas era escasso. Parecia até sadismo do destino Steve lhe contar aquelas coisas, porque agora seu coração se torcia com a fantasia de ser aquele amor que o Harrington tanto precisava. Conto de fadas. Ele era um homem, ele não seria nem mesmo o último candidato na lista de pessoas que poderiam suprir a carência de Steve. Era idiotice demais pensar aquilo, Eddie estava só se machucando.


— Quem me dera ter alguém pra me dar ele…– A voz de Steve veio ainda mais triste, completamente murcha. Seus olhos encaravam os joelhos expostos naquela calça rasgada do metaleiro, e tinham a expressão mais quebrada que Eddie já tinha visto. A melancolia se espalhou pro Munson como uma doença contagiosa e ele se virou para encarar o teto do trailer.

— É, quem me dera também… – Um silêncio realmente longo e pesado se instaurou, enquanto Eddie voltava a mergulhar nos seus pensamentos, perdendo o sorriso que tentou vestir.

Estava sendo difícil. Bom, nunca tinha sido fácil e não contar para ninguém também não ajudava, mas porra, a vida estava de sacanagem consigo. Não se tratava só do fato de ser o repetente, nerd, esquisitão e rechaçado de Hawkins, nem de estar sendo acusado de assassinar aquela garota Chrissy ou ser o líder de um culto satânico. Também não era só por estar sendo perseguido e odiado por toda cidade, ou pelo mundo estar acabando graças a um lich alienígena de outra dimensão. Era sobre tudo isso e sobre Steve Harrington. Sobre como o moreno de cabelos perfeitos foi extremamente inconveniente ao arrombar seu coração.

Estava sendo difícil, estava sendo difícil porque precisava lidar com tudo sendo um cara que estava se apaixonando por outro cara em plenos anos 80. Estava sendo difícil porque, de alguma maneira, ele parecia também sentir algo.

Eddie repetia para si que eram ilusões, uma falsa esperança, que estava entendendo tudo errado porque Steve Harrington gostava de Nancy Wheeler. Mas Steve Harrington não gostava de Nancy Wheeler e Eddie Munson estava quase surtando no banco do motorista.

— Ei, você não devia falar essas merdas sobre você, sobre ser uma aberração e tals. Eu te acho um cara legal, sabe, e você é bonito. – Foi quando a voz de Steve novamente lhe puxou de volta de seus devaneios. Mas Eddie jurou que entendeu errado e prontamente riu, achando que, de alguma forma, ele estava mesmo lhe zoando.

— Ah, é? Você me acha bonito? – Repetiu com um tom de total descrédito, mas Steve apenas levantou as sobrancelhas, torcendo os lábios como se aquela fosse uma conclusão óbvia. Eddie juntou as sobrancelhas.

— É, sabe… Cabelo legal, você tem essas roupas super estilosas e umas tatuagens bem maneiras, eu gosto, cara, sério. Definitivamente nunca usaria nada assim, mas, você sabe, metal pra caralho. – A voz de Steve foi descendo de tom a cada sílaba e as palavras começaram a ter espaços mais longos entre elas, conforme Harrington fazia pausas de meio segundo para pensar. Ele permanecia com os olhos baixos, como se tivesse se distraído do mundo físico e se perdido nas memórias que evocava, havia uma sinceridade verídica naquelas palavras, uma quase infantil. E enquanto ditava sua frase, o sorriso de Munson começou a declinar. Eddie segurou uma mecha de seu cabelo próximo ao rosto enquanto pensava, processando as palavras que faziam seus dedos esfriarem. Não sabia se seu coração tinha direito de palpitar tanto por algo que nem tinha certeza se estava entendendo certo. Não, não queria se iludir, não ia interpretar as coisas errado, mas já estava e isso invocava um enxame de borboletas em seu estômago. Steve não gosta da Wheeler, Steve se sente sozinho e Steve acha Eddie bonito? Afinal de contas, por que ele estava lhe contando todas aquelas coisas e o que elas queriam dizer?

— Então… Steve Harrington gosta de aberrações… – Eddie se esforçou para soar como uma brincadeira, mas parecia muito mais como uma expectativa e Steve ergueu os olhos para encará-lo em silêncio, havia algum tipo de verdade assustadora naquele olhar, que atravessou Eddie forte demais.

— Ei, não precisa ficar bravo, é só uma brincadeira. – O metaleiro ergueu as mãos com desleixo, rindo de forma nervosa, mas Steve o interrompeu, fitando os tênis gastos de Eddie.

— Talvez eu também seja uma aberração... – A voz veio, no mínimo, três tons mais grave e acertou Munson bem no meio do peito, deixando os pelos de seu braço visivelmente arrepiados sob a luz do trailer. Eddie sentiu os dedos esfriarem, as mãos tremerem e o corpo começar a suar frio, conforme também sentiu a iminência de algo que tinha medo de realmente ouvir.

— Por… Me achar bonito? – A voz também veio baixa, meio hesitante enquanto Eddie acariciava seus anéis compulsivamente.

— Por gostar de você.

Este é o último capítulo disponível... por enquanto! A história ainda não acabou.