Um Novo Aluno

Cap. 01 Amizade Miojo, instantânea!


A cantina estava apinhada de alunos, muitos já sentados nas mesas almoçando, outros ainda nas filas com os pratos vazios em mãos. Por sorte, a turma em que Marshall Abadeer estudava fora à primeira, afinal, era segunda- feira.

— Ah, frango, de novo. — resmungou revirando o pedaço ridiculamente pequeno de frango em seu prato.

— É melhor que a carne de porco. — alguém disse ocupando a cadeira ao seu lado.

— Tem razão, Jujuba. — ele concordou ao lembrar-se do cardápio de quarta-feira.

— Bem, ela sempre tem, não é? — disse Marceline, sua irmã, rabugenta, sentando-se de frente a Marshall.

Jujuba a ignorou e o vampiro deu uma risadinha. Sabia que as duas não se suportavam; também, eram o completo oposto uma da outra. Sua irmã só era esperta quando o assunto era arrumar confusão, seu boletim sempre vinha recheado de vermelhos ou a média limpa e seca. Já Bonnibel Bubblegum — ou simplesmente Jujuba —, sua amiga desde o primeiro ano, era uma aluna exemplar, aplicada, e raramente tirava uma nota menor do que dez.

Uma o perfeito caos, a outra um exemplo de ordem. Marshall amava as duas por ficarem junto dele, mesmo que isso significasse interagir entre si mais do que achavam necessário.

— Ei, vocês sabem da nova? — uma cabeça ruiva apareceu sobre o ombro de Jujuba, chamando a atenção dos três.

— Não, Flame. — responderam em uníssono.

Os olhos verdes do garoto brilharam de animação, adorava ser o bem informado.

— Um aluno estrangeiro se transferiu para a nossa sala, parece que ele vai vir hoje à tarde.

— Espero que ele não seja um príncipe metido a besta, aqui já tem bastante. — Marshall comentou, tirando a franja negra da frente dos olhos.

O que era verdade, no Colégio Ooo para Príncipes e Princesas e Damas e Cavalheiros, o que não faltava era gente de nariz em pé.

— Pois eu já estou rezando para que saiba português, não quero que o diretor me faça arrasta-lo para cima e para baixo como tradutora. — Jujuba falou energética.

— Sinto pena dele caso isso aconteça. — retorquiu Marceline, bebericando de seu suco aguado.

Marshall notou as bochechas da amiga corarem, se de raiva ou de vergonha, ele não sabia dizer. Observou que Flame também olhava para a Princesa doce, um tanto abobado, o que achou particularmente interessante.

— Não vai almoçar, Flame? — a Abadeer perguntou, prendendo os olhos de um intenso castanho no Príncipe de fogo depois de alguns segundos em que o burburinho da cantina prevaleceu.

— Ah, é, eu... Bem, já vou indo então, nos vemos na aula. — o ruivo se despediu atrapalhado, seu corpo exalando uma quentura anormal.

Os três almoçaram tranquilamente, cada um longe demais em pensamentos para puxarem conversa. Só foram distraídos quando um silêncio incomum tomou conta da cantina. Eles ergueram a cabeça dos pratos quase vazios e seguiram a direção em que todos os outros estudantes olhavam.

Na entrada da cantina, um garoto baixo extremamente loiro estava parado, uma mochila verde musgo sobre um dos ombros. Sua pele era incrivelmente branca, quase dava para competir com a palidez excessiva dos irmãos Abadeer. Ele trazia no rosto bonito uma expressão clara de nervosismo. Vestia uma camisa azul simples, uma calça jeans rasgada e um all-star brilhando de novo.

— Caralho! — Marshall ouviu sua irmã xingar baixinho e ele sabia o porquê.

O cheiro do garoto chegava até o seu nariz, graças ao olfato mais sensível de vampiro. E ele tinha um odor delicioso.

— O que foi? — Jujuba perguntou nervosa ao perceber o olhar vidrado do amigo.

— Ele é um humano puro. — Marshall sussurrou, ainda fitando o loiro.

— Puro?! Minha nossa, ele só pode ser o aluno novo! — a amiga doce exclamou com a informação, humanos puros eram uma espécie em extinção na Era pós-Cogumelos.

***

— Gostei do estilo. — uma voz rouca surgiu ao seu lado.

Finn se sobressaltou, estava tão ocupado mirando o chão para ignorar os olhares que nem mesmo reparou que alguém se aproximara. Era um cara alto, pálido, de cabelos e olhos negros, e vestia uma calça jeans velha surrada e uma regata preta; nos pés, trazia um all–star desbotado.

O loiro sacou, na primeira olhada, que o cara que falara com ele era muito popular com as garotas. E percebeu, um pouco mais tarde, que no sorriso amigável dele destacavam-se duas presas perfeitamente afiadas.

— Eh... — hesitou, nunca tinha visto um vampiro antes, mas sabia, por intermédio de Jake, seu irmão mais velho, que era uma raça bastante forte — Valeu.

— É o aluno novo, certo? — perguntou mantendo um olhar enigmático em Finn.

— Bem, sim, acabei de chegar e... — falou inseguro, mas logo deu um pigarro e estabilizou sua voz — Sou sim o aluno transferido.

— Eu sou Marshall Abadeer. — ele se apresentou estendendo uma mão.

— Finn Mertens. — disse mantendo o timbre firme e apertando decididamente a mão do outro, por algum motivo, não queria demonstrar fraqueza para o vampiro.

Ele parecia tão descontraído e confiante, que o humano queria mostrar imediatamente que podia ser igual. Finn relaxou os ombros, soltando um suspiro baixo.

O gesto pareceu despertar um sorrisinho de lado em Marshall, que não tirava o olhar do aluno novo.

— Alguma coisa o diverte? — Finn perguntou, o rosto corado e o maxilar contraído de uma repentina irritação, “ele está rindo de mim?!”.

— Não, alguma coisa me fascina. — o vampiro respondeu baixo.

Finn, sem saber o porquê, sentiu o estômago dar um salto com a resposta de Marshall. O moreno desviou os olhos para uma das mesas, o humano imitou seu gesto e avistou duas garotas que acenavam para o vampiro, uma incrivelmente parecida com ele e outra delicada e de pele rosada.

— O que acha de fazer algumas amizades novas? — Marshall sugeriu, e antes de Finn responder ele emendou rapidamente — Já almoçou?

O loiro observou-o um pouco espantado e um tanto encabulado com a gentileza do moreno. Ele não se parecia nada com os vampiros que Jake pintara. Não demonstrava nada de sanguinário e perigoso.

Sem o consentimento de Finn, Marshall preparou um prato e o encheu de comida, entregando-o ao humano e o guiando pelas mesas da cantina. Finn baixou a cabeça sob os olhares que recebia dos alunos.

— Não liga, não. Só estão curiosos, faz tempo que não aparece carne nova.

O loiro encarou as costas do rapaz alto que o guiava, tentando extrair dali a resposta para tamanha amabilidade. Ele ainda se lembrava de como era na sua antiga escola, as garotas e garotos não costumavam trata-lo daquela forma, faziam exatamente o oposto, ora o ignorando, ora o agredindo (ou pelo menos tentando).

— Essa aqui é Marceline, minha irmã azeda. — Marshall apresentou a garota de longos cabelos negros idênticos aos seus.

Finn deu um sorriso sem jeito, não tinha reparado que haviam chegado até as duas garotas.

— E aí, loirinho? — ela o cumprimentou com um aceno e um sorriso familiar ao de Marshall, não parecendo ligar para o “azeda” dito pelo irmão.

— O nome dele é Finn, Finn Mertens. — Marshall corrigiu a irmã, parecia ter percebido que o humano não gostara do apelido.

— O que? Gato Mertens, é esse o seu nome? — a Abadeer perguntou com um sorriso sacana que fez Finn corar.

Mas ele não pôde deixar de sorrir, sem dúvida as pessoas do Colégio Ooo eram diferentes de seus antigos colegas.

— Deixa de ser idiota. — uma voz disse rispidamente para a vampira, que fechou a cara imediatamente.

— Ah, essa é Bonnibel Bubblegum, minha amiga. — Marshall disse indicando a garota rosada.

— Prazer em conhecê-lo Finn. — ela o cumprimentou com um sorriso doce que em nada denunciava a rudeza com que falara com Marceline — Pode me chamar de Jujuba.

— Ou de Grudenta, é assim que eu a chamo. — a vampira emendou, os olhos faiscantes mirando a rosada.

Finn não soube como reagir à agressividade das duas e lançou um olhar confuso a Marshall.

— Elas são sempre assim. — disse Marshall largando-se na cadeira ao lado da rosada e indicando a do lado da irmã com um gesto de mão — senta aí.

Finn sentou perto da vampira, sentindo os olhos negros do irmão presos nele. Aquilo era estranho, mas talvez só achasse isso porque nunca fora tão bem tratado por um colega antes no antigo colégio.

— E então Finn, de onde você vem? — Jujuba iniciou a conversa, com genuína curiosidade.

Finn engoliu rapidamente a comida que mastigava para responder, com uma animação repentina aquecendo seu peito. Talvez seu pedido de fazer amigos em Ooo estivesse se realizando.

— Eu sou...

— Espera, não diga nada! — Marshall falou lançando um olhar risonho para o loiro — Parece que você é daqueles que amam chá.

O palpite do vampiro causou outro solavanco em seu estômago. Finn pensou que não conseguiria comer mais nada depois disso, o moreno acertara em cheio. Seus olhos azuis prenderam-se nos negros de Marshall e o humano tentou decifrar o vampiro que lhe sorria, enigmático.

— Então você é o que chamavam antigamente de britânico? — Jujuba despertou os dois de uma espécie de transe.

— S-sim, mas eu e meu irmão mais velho nos mudamos para essas bandas de Ooo há uma semana, por causa da faculdade dele.

— Tem um irmão mais velho? Espero que não seja igual o meu. — Marceline comentou batendo com o garfo em seu prato vazio.

— Ela é um doce. — Marshall disse dando uma risadinha, sendo acompanhado por Finn, que entendia a forma estranha como irmãos interagiam.

— Não insulte meu povo dessa maneira! — Jujuba sibilou para o vampiro com uma indignação nem um pouco fingida.

— Povo? — o loiro indagou, interrompendo a vampira, que começava a insultar a rosada, mas não precisou de mais do que uns segundos para compreender — A senhorita é uma Princesa?

Os três olharam para Finn, confusos e surpresos pela admiração com que o garoto agora encarava Jujuba.

— Sou, do Reino Doce. — ela respondeu, as bochechas coradas pelo olhar do loiro e com um sorriso orgulhoso no rosto delicado.

— Você não é um Príncipe? — Marshall fez Finn desviar os olhos de Jujuba com a pergunta.

— Eh... Não. —Finn murmurou baixando a cabeça, sentindo o ar escapar-lhe dos pulmões, será que não iriam mais querer ser seus amigos por causa disso?

— Então é um Cavalheiro? Maneiro, aposto que sabe manejar uma espada! — a voz animada da Abadeer o fez erguer os olhos.

A vampira e Jujuba o olhavam de uma forma semelhante a que o loiro tinha fitado a Princesa doce. Já Marshall tinha um sorrisinho de canto, o que pareceu trazer a animação de volta para o loiro.

— Mas do que isso! Eu fui treinado desde os cinco anos de idade em várias artes marciais. — ele disse entusiasmado, sem um pingo de arrogância em seus olhos.

Daí Marshall, Finn e Marceline começaram a conversar animadamente sobre lutas, enquanto Jujuba acompanhava atenta, fazendo uma pergunta ou outra quando não entendia o nome de um golpe, recebendo sempre uma resposta irônica da vampira, o que as faziam discutir por algum tempo antes de Marshall as puxar de volta para o foco inicial da conversa.

Com o tempo, a cantina foi esvaziando conforme os alunos terminavam de almoçar e Finn percebeu que mal tocara em seu prato. O fato de estar conversando com colegas daquela forma o deixara sem apetite, o que era realmente surpreendente.

— Ah, — ele notou algo que ainda não sabia e perguntou — vocês são da realeza também?

Os irmãos Abadeer responderam com um muxoxo.

— Infelizmente sim. — disseram juntos.

Jujuba soltou uma risadinha com a expressão do loiro e explicou:

— Eles não estão muito animados com a ideia de ficarem “presos” por um reino. — ela fez aspas com os dedos.

— Mas por quê?

— Acontece que eu sou o Príncipe da Noitosfera.

Finn não conseguiu impedir seu queixo de cair, Noitosfera não era o Reino dos mortos? Quer dizer que estava conversando amigavelmente com os herdeiros do submundo?

— Ah, e também Rei dos Vampiros. — Jujuba completou com cara de quem se divertia muito à custa do amigo.

— Isso... Bem, não precisa, sabe, ter medo... — Marceline começou a falar desajeitadamente, coçando a cabeça enquanto observava a reação do garoto.

— Medo? Tá brincando?! Isso é tão... Eu nem consigo imaginar a cara de Jake quando eu o contar! — Finn retrucou com um grande sorriso.

Os quatro riram e os olhos azuis de Finn pousaram instintivamente nos do vampiro, que também o fitava. Seu coração perdeu um compasso, que sensação estranha era aquela?

O sinal que indicava o fim do horário de almoço tocou e Finn deixou seu sorriso morrer, porém, Marceline disse com aquele jeito implicante dela:

— Não precisa ficar tristinho, estamos na mesma turma, um palerma colega nosso disse mais cedo.

— Vamos rápido ou nos atrasaremos! — Marshall levantou-se, cortando a resposta que Jujuba preparava para a vampira.