Meu celular despertou uma música gritante. Resmunguei um pouco até criar coragem para levantar.

Já era segunda?

–– Bom dia. – Claudia disse saindo do banheiro.

–– Bom dia. – disse sem vontade nenhuma de ir para o trabalho. – Que dia é hoje? Perguntei.

–– Dia de saber o sexo do meu afilhado. – ela sorriu.

Pisquei algumas vezes confusa. Era dia de ir ao médico.

–– Eu não quero saber o sexo. – disse voltando a me deitar.

Claudia me olhou torto.

–– Mas, EU quero. E como madrinha eu tenho todo o direito de saber. – disse um pouco irritada.

–– E eu como mãe tenho o direito de não saber. – disse por fim.

Claudia puxou meu cobertor.

–– Levanta logo e vai tomar um banho. Vou acordar minha mãe.

–– Claudia. – reclamei.

Me arrastei até o banheiro com minhas coisas e abri o chuveiro. A água estava tão gostosa que eu poderia ficar ali para sempre.

–– Ande logo Nanda. – Claudia bateu na porta depois de 10 minutos.

–– Já vou, já vou. – disse desligando o chuveiro.

Não estava nem frio e nem calor. Coloquei uma camiseta folgada e uma calça jeans.

Eu estava virando uma bola. Minhas roupas já estavam ficando apertadas.

–– O café está na mesa meninas. – Dona Ana chamou da cozinha.

Vesti minha rasteirinha e acompanhei Claudia até a cozinha.

–– Eu vou com vocês. – disse se sentando ao meu lado.

–– Mas e a escola? Perguntei me servindo com um copo de leite e uma fatia de bolo.

Me perguntei quando Ana teve tempo para fazer bolo. Talvez ela tenha feito ontem quando eu estava dormindo.

Claudia se levantou e pegou uma tigela e o cereal.

–– Não vai ter nada de interessante hoje. Então não tem problema eu faltar.

–– Não quer um pedaço de bolo filha? Ana perguntou. Ela estava bebendo só uma xícara de café preto.

–– Eu odeio bolo de inhame. – ela fez careta.

Mentira. Era um de seus bolos favoritos.

Eu a observei atentamente. Seu rosto estava pálido. Ela parecia cansada. As olheiras em baixo de seus olhos estavam ficando mais fundas.

Ela foi até a pia se servir de leite e cereal.

Ela podia ter feito isso na mesa.

Fiquei com vontade de pegar o pedaço de bolo que estava em minha mão e lhe enfiar goela abaixo.

–– Claudia sente-se na cadeira e termine o seu café. – disse um tanto ríspida.

–– Eu só estava pegando uma colher. – Ela encolheu os ombros.

Dona Ana me olhou sem entender.

Como ela não via o que sua filha estava fazendo?

Ela estava trapaceando, estava mentindo outra vez.

–– Vou terminar de me arrumar. – disse terminando de beber meu leite.

Penteei o cabelo e escovei os dentes.

Teria uma conversa séria com ela mais tarde.

Minha consulta com o meu médico era as 9 horas, chegamos lá um pouco antes.

Estava um pouco distraída quando o meu nome foi chamado.

–– Nanda. – Claudia me cutucou. – sua vez.

Fomos até a sala onde o médico me fez deitar em uma maca coberta com um papel e depois passou aquele gel na minha barriga.

–– E então Fernanda, está ansiosa para saber o sexo?

–– Sim. – Claudia respondeu antes de mim.

–– Na verdade Doutor, eu prefiro não saber. – disse olhando para Claudia.

Ele riu uma risada curta e gostosa.

–– Tem certeza? Perguntou. – Saber o sexo pode facilitar muito na hora de comprar as roupinhas dele.

–– Tenho sim. Prefiro que seja surpresa. – disse sorrindo um pouco.

Claudia apertou minha mão.

–– Mas eu quero saber. – resmungou.

O médico riu mais uma vez.

–– Pelo visto a mocinha vai ter que esperar mais alguns meses para saber. – disse.

–– Mas o senhor pode contar só para mim. Eu juro que não conto nada para ela. – disse.

–– Claudia. – Dona Ana a repreendeu.

–– Muito bem, está tudo ótimo com o bebe. – ele me entregou um lenço para limpar a barriga.

Saindo do hospital, Dona Ana me deixou na porta do meu trabalho.

Entreguei o atestado para minha supervisora e fui direito para a minha mesa.

Passei a maior parte do tempo pensandoem como abordar Claudia naquela noite.

Ela estava enrolando a mãe outra vez. Ela estava enrolando todo mundo outra vez.

Aquilo me deixava tão irritada.

Como ela podia mentir para todos daquele jeito?

Como ela podia mentir para mim daquele jeito?

Ela sabia que podia confiar em mim, não sabia?

O resto da tarde passou se arrastando.

Liguei para Lucas quando estava dentro do ônibus. Ir sentada era a única coisa boa em pegar ônibus com uma barriga enorme.

Conversamos sobre minha consulta daquela manhã, e depois jogamos conversa fora.

–– Acho que a Claudia...

–– Nanda por favor, não vamos falar da Claudia hoje okay? Você já reparou que toda vez que você me liga, você acaba falando da Claudia a maior parte do tempo?

–– Desculpa. – disse um tanto sem jeito.

Eu não tinha percebido isso. Mas ele tinha razão. A maioria das nossas conversas acabava comigo falando sobre a Claudia.

Entrei em casa e levei o maior susto quando encontrei minha mãe sentada no sofá ao lado de Ana.

–– Lucas, eu ligo pra você depois. Minha mãe está aqui. – disse já desligando o celular.

–– Oi filha. – minha mãe se levantou.

–– O que você está fazendo aqui? Perguntei um tanto quando espantada.

–– Vou deixar as duas sozinha. – Dona Ana saiu da sala.

Minha mãe pigarreou e encarou minha barriga.

–– Já sabe qual o sexo? Perguntou.

Fiz que não.

–– O que você está fazendo aqui? Repeti cruzando os braços.

Ela encarou o chão por alguns segundos antes de voltar a olhar para mim.

–– Seu pai vai embora de casa. – disse mexendo em um fio solto em sua roupa. – Ele conheceu outra pessoa e... – ela enxugou as lágrimas que começaram a escorrer.

Atravessei o pequeno espaço entre nós e a abracei.

Minha mãe podia ser fria as vezes, mas era uma mulher sensível. Até onde eu sabia, meu pai era o nico cara com quem ela já tinha dormido.

Eles namoraram durante a adolescência e então minha mãe ficou gravida de mim. E desde então eles estavam juntos, era óbvio que ela não saberia lidar com aquilo.

–– Me perdoe. – ela começou a chorar em meus ombros. – Volta para a casa comigo filha? Por favor.