1.1 - Elena

Eu estava congelada, tinha virado um verdadeiro picolé humano, nunca vi fazer tanto frio assim! Onde já se viu? O inverno chegou ontem, mas está nevando desde o Dia de Ação de Graças! Sim, desde a última quinta-feira de novembro que tudo o que eu vejo é neve! E tudo o que eu sinto é frio. Para uma pessoa que ama o verão, como eu amo, isso é o pesadelo!

E de nada ajudava que o trem onde estava, tinha ficado preso em um banco de neve!! UM BANCO DE NEVE!! Um bando de gente desceu do vagão para ver o que tinha acontecido, e agora estavam lá, fazendo bonecos de neve, guerra de bola de neve, anjos de neve!! Tudo o que você pode pensar que envolva NEVE! E eu estou aqui, me perguntando por que a sociedade ainda não aceitou que as pessoas saiam de casa enroladas em cobertores?

Qual é? Seria muito mais prático! Bastaria que eu continuasse com o meu pijama de flanela, me enfiasse em uma calça de moletom e uma blusa bem fofinha e quentinha, calçasse um par de botas bem quentinhas e impermeáveis e jogasse um cobertor por cima de tudo e voilá, estava pronta! E o mais importante: AQUECIDA!

Só que a sociedade não aceita cobertores nas ruas, e assim eu tive que me desfazer dos meus pijamas e da minha calça de moletom, para entrar em calças jeans, suéteres (estou com três, sou friorenta!!), meia fio 140, botas de cano alto, luvas, gorro e um sobretudo que pesa horrores, só para tentar me manter aquecida. O que, claramente não é o caso, pois com o trem parado e as portas abertas, está entrando um frio de rachar e eu estou batendo queixo, creio que até azul eu já esteja.

Para piorar ainda mais, meu chocolate quente virou sorvete e eu estou sem internet... algo como o Wi-Fi do trem não estar funcionando e a nevasca que atinge a costa leste ter derrubado sei lá quantas torres de telefone, me deixaram completamente incomunicável.

Que maneira de começar as Festas....

Respirei fundo, podia ser pior, eu podia ser uma das pessoas mais azaradas que estão em aviões que ficam circulando pelo espaço aéreo das cidades para poderem gastar combustível porque as pistas estão congelas e o perigo de algo ruim acontecer e tudo pegar fogo é grande... MAS eles tem Wi-Fi e aquecedor e serviço de bordo! Eu não!!

— ODEIO INVERNO!! – Murmurei para ninguém em particular.

— Ele nem começou, moça, você vai ter que aturá-lo até março, ou quem sabe abril, dependendo do que teremos pela frente. – Um garoto de uns catorze anos falou e eu tive que conter o impulso de mostrar a língua para ele.

— Se meu pai não tivesse baixado o decreto de que a Elena só dirigirá o próprio carro depois dos 21 anos, eu poderia estar voltando para casa, no meu carro, sem passar por tudo isso! Ou talvez eu estivesse rodando igual ao Pião do Baú da Casa Própria por conta do excesso de gelo no asfalto.... De um jeito ou de outro eu estaria ferrada. Antes ser uma ferrada e azarada viva, do que uma panqueca congelada no asfalto.

O condutor do trem acabou de passar por mim, parece que conseguiram remover o banco de neve, graças à Deus, achei que ia acabar passando a noite aqui dentro e acabar sendo uma das testemunhas do “Assassinato no Expresso da Costa Leste”!

Meia, longa e congelante, hora depois, senti o solavanco do trem.

Quase cantei Aleluia, mas achei exagero.

Com o trem funcionando, voltou o sinal da internet, enfim conectada ao Século XXI.

Duas horas sumida e parada sem sinal de internet e minha família entrou em parafuso. Grande novidade.

Little Princess, onde você está? A Babygirl perdeu o sinal do seu celular há vinte minutos...

Filha, o que está acontecendo, Penelope está igual a uma louca aqui na agência falando que você não responde nenhuma mensagem, tweet, comentário no instagram, facebook e sei lá mais aonde...

Leninha, manda um sinal de fumaça, o velho tá quase infartando de preocupação.

ELENA PRENTISS-HOTCHNER Isso não é hora de desligar o celular, qual foi o nosso combinado? Tudo bem que você não queria segurança, agora ficar irrastreável...

Na ordem, eram: Tio D, Mamãe (que ainda não tinha entrado na fase surto, milagre!) Jack e... pelo tom já deu pra ver que o Todo Poderoso Aaron Hotchner estava de mau-humor!

Juntei todos os meus contatos, - todos mesmo! - até quem não tinha que estar ali e mandei a seguinte mensagem:

A zicada do inverno aqui está em um trem que ficou preso em um banco de neve pelas últimas duas horas, sem sinal de telefone, sem aquecedor, e sem sinal de Wi-Fi.... voltamos a andar agora. Devo chegar em três horas. E EU NÃO FIZ ISSO DE PROPÓSITO, SENHOR DIRETOR DO FBI!!!!

Sei que fui direta pra caramba, contudo, se tivesse uma competição de mau-humor hoje, com toda a certeza do mundo, eu ganharia fácil do meu pai.

O balanço do trem foi melhorando o meu estado de espírito que logo piorava ao ver o amontoado de neve que caía do lado de fora. Ou seja, estava em um momento bipolar... E como tudo o que está ruim tende a piorar, eu ainda tinha que sair para fazer as compras de Natal...

— Por que eu não comprei os presentes na Black Friday??

Eu mesma me respondi:

— Tava nevando.

Deveria ter comprado tudo online....

Outro solavanco e eu quase gritei de desespero ao pensar que tínhamos batido em outro banco de neve, mas era só a primeira estação já dentro da área de D.C.

Estava quase em casa, eu até já podia sentir o cheiro do chocolate quente e da rabanada no forno (isso se minha mãe não queimou a fornada, é claro!).

Primeira parada já em D.C., mais vinte minutos e eu estou na estação, quem é o felizardo que vai me ver primeiro?

Mandei essa mensagem no grupo da família. Tirando os emojis de facepalm que recebi de Henry e Michael, um revirar de olhos de Tara, Jack e Lara, e uma enxurrada de figurinhas de tia PG, só uma pessoa se dignou a me responder.

Adivinha!

Vinte minutos depois, saía do trem igual ao Bibendum, o bonequinho de pneus símbolo da Michelin, eu estava com tanta roupa que nem andava direito. E quem estava na plataforma me esperando?

— Oi, papai!!! – Gritei ao tentar me equilibrar nos saltos da bota que usava, junto com a mochila que carregava e a mala enorme que puxava. Claro que tudo isso, aliado ao fato de que a plataforma estava molhada e eu já tenho a propensão em ser desastrada, acabou em...

— Pelo amor de Deus, filha. Você nem desceu do trem e já levou um tombo?

— Também senti a sua falta, pai! Como está tudo? – Desconversei, já que metade da estação olhava para a garota estatelada no chão.

Papai pegou a minha mala e minha mochila, e me deu a mão para que eu me levantasse.

— Como você sobreviveu há esses três meses e meio sozinha, filha?

— Levando alguns tombos, tropeções e sendo motivo de risos quando eu escorreguei escada abaixo no dormitório. – Contei.

Meu pai me encarou como se tentando descobrir como dois DNA’s tão extraordinários como o dele e o de mamãe deram em uma garota tão destrambelhada como eu.

— O senhor tem que entender que nem todo mundo tem a elegância que o senhor tem para andar, e, se está se perguntando como o meu DNA saiu tão errado, saiba que existem genes recessivos... mas o Tio Spenc pode te explicar melhor... – Garanti.

— Elena, por favor, só tome cuidado para não cair, tudo o que eu não preciso é que você quebre um pé ou um braço.

— Tudo bem.... – Garanti em uma voz de criança e segui os seus passos, escorregando ocasionalmente atrás dele.

Cheguei incólume ao carro e logo pulei para o banco do carona e liguei o aquecedor no máximo.

— Quer nos assar aqui?

— Eu estou com frio, pai. Vai por mim, não foi a melhor das viagens. - Falei e esfreguei uma mão na outra para gerar calor. – E então... como estão todos? E Lara, já sabe o que vai ter?

— Você vai vê-los amanhã. Mas estão todos bem. E Lara e Jack já sabem o gênero do bebê.

— E qual é? – Depois que me acostumei com a ideia de que seria tia, mesmo só tendo dezoito anos, será quase dezenove quando o rebento nascer, eu venho ficando cada vez mais animada com cada uma das notícias sobre o meu sobrinho ou sobrinha.

— Eles não vão falar. Vão fazer surpresa até o nascimento.

— Esse bebê vai nascer em fevereiro ou março do ano que vem e eles não vão contar? Como eu vou comprar os presentes???

— Fale isso para o seu irmão. Penélope está do mesmo jeito, só que ela fala mais e mais insistente do que você.

— Jack vai desejar não ter cogitado esta ideia quando o feriado acabar!! – Falei e encarei a neve que caía. - Tirando o estraga-prazeres do meu irmão... Já tem presente debaixo da árvore?

— Você não tem mais idade para acreditar no Papai-Noel. – Papai murmurou.

— O que não significa que eu deixei de gostar de ganhar presentes surpresas!! E aí, já tem?

Papai me olhou pelo canto do olho.

— Vou considerar isso um não. Mas não tem problema, combinei com a Liz e vamos sair para comprar os presentes amanhã.

— Você e Liz vão sair na antevéspera de Natal para comprar presentes? – Papai começou a rir.

— Parece que depois que o Sr. Gibbs anunciou a aposentadoria dele, ele ficou mais molenga com a Liz... assim vamos ter carro.

— LIZ VAI DIRIGIR NO MEIO DA NEVE?

— Até onde sei, ela nunca bateu o carro. – Defendi a minha amiga maluca. – Mas não vai ser ela quem vai dirigir não. Creio que Sean vai ser o nosso motorista.

— O Marine Suicida, namorado de Liz?

— Sim, ele conseguiu uma folga, está voltando de uma incursão sei lá onde, e ele vai aonde Liz for, então vamos tirar proveito do treinamento dele e dos braços fortes para carregar sacolas.

Papai ainda ria.

— Ele é mais útil do que o seu namorado...

Disso, eu já não gostei...

— Sabe que o senhor Gibbs vive falando a mesma coisa, mas fala que o Chris é mais esperto que o Sean?

— Porque não é ele que tem que aturar o jogador de basquete...

Revirei os olhos, meu pai e seu ciúmes fora de série do meu namorado perfeito e, para a sorte dele, estávamos chegando em casa ou eu era bem capaz de despejar uma tese de doutorado em defesa de Chris.

Eu tenho quase certeza de que papai só guardou o carro hoje para evitar que eu tomasse outro tombo, agradeci o gesto, afinal, o último já estava doendo e eu tenho certeza, já tinha uma enorme marca roxa no meu traseiro.

— Olha quem chegou!! Bem-Vinda Turista!! – Minha mãe me saudou saindo da cozinha, e a primeira coisa que papai fez foi dar aquela conferida se tudo estava normal por lá, já que mamãe o ignorou completamente quando me pegou em um abraço de urso que durou a eternidade.

— Eu senti tanta a sua falta, Elena! Essa casa não é a mesma sem você! – Ela murmurava.

Eram as mesmas palavras do Dia de Ação de Graças... e eu chorei do mesmo jeito.

— Eu também senti a sua falta, mamãe! – Falei e dei um beijo na bochecha dela. – Eu estou sentindo cheiro de...

— Não é de queimado! Já tem um bom tempo que eu não queimo nada por aqui! Mas se você iria dizer rabanada, sim, eu fiz uma fornada! – Ela se defendeu.

— Acho que eu sou o pé frio da cozinha, então. – Brinquei e depois que eu tirei o sapato e os trezentos casacos e fui lavar a mão, fui arrastada para a cozinha, onde já estavam papai, Jack e Lara.

— LARA!!!! – Gritei e corri para abraçar a minha cunhada. – Você tá enorme!!! Tem certeza de que esse bebê só vai nascer no ano que vem?

— Oi Elena!!! – Ela me abraçou de volta do jeito que deu, já que tinha uma barriga de grávida entre nós. – Tenho sim. Mas seis meses e meio já são algo... – Ela passou a mão pela barriga.

— E então... – A puxei para uma cadeira e me sentei na que estava do seu lado. – Preciso fazer compras para - apontei para a barriga. – E tenho que comprar as coisas certas. É menino ou menina?

Jack deu uma gargalhada atrás da noiva e me deu um tapa na cabeça.

— Sempre curiosa.

— Curiosa não, prática. Se serei a madrinha, tenho que comprar o que é certo. – Me defendi. – E então? – Olhei com esperança para Lara.

Ela mordeu o lábio e olhou para Jack.

— Que mal faz, Jack... A gente nem sabe se ela vai conseguir vir para o parto.

Jack fez uma careta, minha mãe veio pulando da cozinha, ansiosa para saber também. Meu pai me olhava descrente.

— E não faça essa cara, papai. Não é minha culpa se o senhor tentou perfilar seu filho e nora quanto a isso e não obteve sucesso. Eu ainda tenho as manhas!!

Papai voltou para a cozinha e estava rindo do meu raciocínio confuso.

— Lara, se nós contarmos para esse pestinha, Garcia vai saber em uma batida de coração.

— Jack... – Choraminguei. – Eu tenho que comprar o presente, e eu não quero comprar cores neutras ou estampas neutras ou brinquedos neutros. Quero comprar tudo dos Vingadores se for menino, e da Mulher Maravilha se for menina, quero me esbaldar em rosa e vermelho e roxo ou em azul e verde e sei lá mais que cor!! Coopera comigo!!

— Não!!

Papai gargalhou.

— Por quê??

— Só quando nascer!

— Larga de ser estraga-prazeres!! Por que toda essa frescura se hoje tem ultrassom 4D?

— Porque vamos fazer surpresa. Você só vai saber quando ela nascer. – Ele disse.

— ELA???? – Comecei a pular. – Eu vou ter uma sobrinha!!

Jack se desesperou. Já que ele deixou escapar a informação. Lara começou a rir e soltou.

— Graças a Deus foi ele. Porque eu tinha certeza de que não iria segurar por muito mais tempo!! – Ela disse feliz.

— E já tem nome?? – Mamãe quis saber. Já toda empolgada.

— Ainda não... temos um total impressionante de dez nomes, mas ainda não gostamos de nenhum, isso sim, será para depois que ela nascer.

Eu estava tão animada que ainda estava pulando sem sair do lugar, mamãe me acompanhou e papai ficou nos olhando, como que não acreditando na nossa reação exagerada.

Eu peguei mamãe pelo braço, ela entendeu a mensagem na hora e, nós duas corremos na direção dele e começamos a pular levando o taciturno Aaron Hotchner com a gente.

— Tudo bem, podem parar. – Ele disse.

— Aaron, vai me dizer que você não ficou feliz? – Mamãe cutucou. Era fácil de ver que sim, ele estava feliz, só não queria ficar pulando igual a um alucinado pela casa, as surtadas sempre fomos mamãe e eu de qualquer forma.

— Se eu soubesse que a reação de vocês seria essa, teria contado mais cedo. – Jack comentou.

— Filho. – Mamãe comentou. – Espere até que toda a equipe saiba.

Lara colocou a mão na cabeça.

— Garcia.

— Vocês não fazem ideia do que ela vai aprontar! – Papai garantiu.

Eu fiquei tão animada que saí correndo pela casa, atrás do meu celular perdido.

— Tá indo aonde, Leninha?

— Mandar a Lizzie colocar lojas de bebês no nosso roteiro de amanhã!!

— Ah, pronto! Agora tem a ruiva doida na festa também! – Jack comentou.

Depois de avisar a Liz – juro que queria ter visto a cara que o Sean fez quando ela disse para ele que passaríamos em lojas para bebês... – Mamãe serviu o jantar, que, eu descobri tardiamente, fora feito por Jack (paternidade muda as pessoas!!), e ficamos jogando conversa fora até que outro evento da noite envolvendo a minha sobrinha e afilhada desviou o foco da nossa conversa.

Ela começou a chutar forte a barriga de Lara.

— Alguém quer muito participar da conversa! – Ela falou.

— Eu acho que ela quer que a Lena fique um pouco calada! – Claro que Jack teria que ser o engraçadinho da noite.

E todo mundo quis sentir o chute dela, pra quem pôs a mão na barriga de Lara era fraquinho, mas para a Lara... a pobre estava até ficando branca de tanta dor.

— Alguém acalma essa menina ou a Lara vai ter uma costela quebrada!! – Falei a certa altura.

— Pelo visto teremos uma neta tão agitada quanto a Elena, Aaron! – Mamãe falou. – Lembra o tanto que aquela ali chutava.

Parei, encarei meu irmão e soltei.

— Ela vai ser a Elena 2.0, que tal Elena ser o segundo nome dela? Eu não me importaria com a homenagem!

— Não! – Papai soltou. – Ninguém precisa de outra Elena na família. Uma já está de bom tamanho!

— Credo, pai!! Também não é assim! Não sou tão destrambelhada assim!

— Não é, Elena? Você nem desceu do trem e tomou um tombo, fora as vezes que saiu praticamente patinando na rua.

— Você tomou um tombo em uma estação de trem lotada? – Jack perguntou.

— Ser desastrada é o meu charme, Jack, aprenda isso! – Retruquei!

— A última vez que ouvi isso, você tinha uma perna quebrada. – Papai contra-argumentou.

— Tá bom, já vi que vão começar a me atacar, e como eu estou de muito bom humor, vou deixar passar e vou para cama, afinal, amanhã tenho um dia cheio pela frente. – Comentei e me levantei como se fosse a Rainha da Inglaterra do sofá, só pra cair estatelada no chão quando meu pé ficou preso no tapete.

— Como ela sobreviveu a um semestre longe da gente? – Ouvi mamãe perguntar assustada enquanto eu subia a escada e fingia que nada estava doendo.

— Deus protege os bêbados, os ignorantes e, pelo visto, a desastrada da Elena também! – Lara falou. – E sem querer ser chata, acho o nome lindo, mas nada de por Elena na nossa pequena, vai que é coisa do nome, né?

Nem Lara para me defender... que família eu tinha afinal das contas?

—------------------------

1.2 - Elizabeth

Se tinha uma estação do ano que eu sempre amei e sempre amarei é o inverno, nada é melhor do que sentir o friozinho nas bochechas de manhã para acordar! Tá certo, sair a cama é difícil, mas dá pra fazer as coisas com muito mais capricho do que no verão... no verão você anda dois metros e já quer morrer, isso não acontece no inverno. E tem um outro porém de eu amar tanto o inverno.

As roupas!

A elegância dos sobretudos, das botas e até de alguns chapéus... acho tão chique quem consegue andar de salto no meio da neve e nem escorregar, minha mãe faz muito isso, mas eu ainda não cheguei a esse nível de evolução, estou quase lá.

E estou dizendo tudo isso porque acabei de ver um casal tão chique e elegante andando pelo saguão do aeroporto que fiquei até com inveja... será que um dia eu consigo enfiar o Sean em um terno daqueles e fazê-lo usar um sobretudo daquele jeito? Acho difícil... aquele lá corre de terno igual o diabo foge da cruz, mas não vou reclamar, ele fica lindo com o uniforme de gala dos Marines – que para mim deve ser dez vezes pior do que um terno e uma gravata -, para que eu insista que ele deva ter mais do que dois ternos. E os dois são pretos!!!!

Mas voltando ao assunto original, ser obrigada a pegar um voo quando mais de 80% da aeronave é ocupada por executivos e CEO’s e sei lá mais quem, acabou de me fazer perceber que eu estou muito mal vestida. Assim, me reduzi à minha insignificância de estudante de primeiro semestre de Direito e Criminologia e fiquei quietinha no canto do aeroporto. Lá fora a neve caía e eu estava morrendo de medo de ter o meu voo cancelado.

Nesse meio tempo, conversava preguiçosamente com Abby, que como sempre parecia que tinha dormido ligada na tomada e não parava de tagarelar sobre o Natal.

A: Mas, Lizzie!! Nós temos que enfeitar até o porão da sua casa.

Eu tive que conter a gargalhada, pois o Senhor e a Senhora Elegância tinham acabado de se sentarem na minha frente, e com inveja eu percebi que a mulher calçava um par de botas da Chanel! Recolhi os meus pezinhos para debaixo do banco e escondi a minha botinha linda e fofa, mas que não era de grife... meu único sapato de grife tinha ficado em Alexandria, meu pai me proibiu de trazê-lo para a faculdade, algo que Sean concordou de primeira. Homens....

L: Acho que não, Abbs. Lá é a Masmorra do papai. A Caverna dele... Nada de mexer lá dentro!

A: MAS LIZZIEE!!

L: Abbs, nada de causar a terceira guerra mundial, não precisamos disso, além do mais, as crianças não vão descer lá. Esqueceu que Morgan morre de medo daquele lugar?

A: Tinha me esquecido disso... você venceu! E luzinhas no telhado?

L: Isso pode rolar...

A: Mas quem vai subir na escada?

L: Para que existe namorado??

A: Mas ele não vai sair com você e a Eleninha amanhã?

L: Lejuene o preparou para isso, Abbs, pode ter certeza.

A: Você é muito má com ele!

L: Sou nada!! Além do mais... papai é quem não vai subir no telhado, nem Tony, muito menos Tim! Torres pode ser uma opção, mas ele tem uma carinha de quem tem medo de altura...

A: Ah... Nick tem medo de altura sim!

L: Então, só sobrou o Sean. Ou você quer fazer as honras?

A: Não, põe o Marine Suicida para trabalhar!

L: Não o chame assim! Tadinho!! E não se esqueçam, vocês o prenderam no porta-malas! Estão em dívida com ele!

A: Tudo bem... você venceu! Nada de chamar o Sean de Marine Suicida, mas entenda, é força do hábito, o Gibbs só o chama assim!

L: E mamãe o chama de “filho” e papai fica possesso. De qualquer jeito, ele põe as luzinhas! Mais alguma coisa?

A: A árvore!

L: Urgh... eu não vou atrás de árvore esse ano não! Na última vez saí da fazenda de pinheiros cheia de seiva no cabelo!

A: Mas vocês precisam de uma árvore!

L: Nunca pensei que ser a família anfitriã do Natal desse tanto trabalho.

A: Sua mãe me mandou conversar com você, Jenny está subindo pelas paredes por conta a aposentadoria do seu pai...

L: E isso vai piorar... papai dentro de casa, 24/7... vai enlouquecer a Diretora da CIA.

A: Eu ainda acho que ele volta...

L: Volta não... ele não vai fazer isso com o Tony.

A: E o que ele vai ficar fazendo?

L: Não sei... Abbs... mas já dei a ideia para ele começar o próprio negócio de carpintaria... vai que dar certo, né?

A: Barcos Gibbs!!!

L: Algo assim!

A: E o que ele falou?

L: E meu pai lá fala algo? Claro que não!! Me olhou torto, ou tão torto quanto ele pode pela câmera do meu ex-computador!

A: Gibbs usando videochamada... você operou um milagre, Ó Santa Elizabeth!

L: HAHAHAHAHAHA! Pense bem, quando as coisas estiverem ruins no estaleiro, é só chamar o Super-Gibbs! O Notebook dele fica ligado o dia todo! E ele tá sempre online!

A: Acho que ele não sabe desligar!

L: Deve ser isso mesmo! Abbs, vou indo, chamaram meu voo e o Casal Elegância já embarcou... te vejo em três horas! Bjs!

A: Bjs e tenha um ótimo voo sem atrasos ou derrapagens na aterrissagem!

L: Vira essa boca pra lá!!

E eu coloquei o celular no modo avião para a decolagem... ainda rindo do que eu estava prestes a presenciar, esse Natal ia ser épico, mas antes eu precisava atualizar a minha lista de compras...

O que comprar para um bando de gente que tem tudo?? Peguei meu bloquinho de anotações – Sim eu tenho um! – E comecei a pensar.

Para Tali eu tinha visto a Barbie bailarina, ou seria melhor comprar uma nova sapatilha de balé?

Morgan e John fácil, qualquer coisa de The Madalorian... O baby Yoda vai ser a pedida para esses dois.

Vic: eu compraria uma coleção de livros, Começaria com O Jardim Secreto, sei que ela vai adorar.

Agora os adultos?!

Abby um par de botas bem do estilo dela.

Nick... camisetas pretas tamanho pp?? Brincadeira, não fazia ideia. A Shakira lançou um CD novo?? Pesquisar.

Ellie: Já estava comprado, ingressos para a Comic Com de DC.

Tony... o DVD do Corte do Diretor de O Poderoso Chefão III.

Ziva: Facas?? Armas??? Um livro para controle da raiva? Um dicionário Hebreu-Inglês? Sei lá... Mas ela gosta bem de diários... acho que vou procurar algo nesse sentido...

Breena: ela é tão fofinha que combina com tanta coisa... poderia ser um cachecol bonito... sei que ela usa até boinas... melhor investir nisso.

Jimmy: Ele fica feliz só de ser lembrado, mas eu não queria dar um suéter... brega demais. Ele bem que merecia algo único, só que eu não faço ideia do que!

Tim: Uma nova coleção de jogos para o recém adquirido PS5 dele, quais, não fazia ideia.

Delilah: Uma coleção da Marvel com os melhores quadrinhos do Homem-Aranha. Sei que o John deu uma rasgada em alguns dos favoritos dela...

Ducky! Qualquer livro sobre história da humanidade... apesar de que ele praticamente viveu o último século, mas ele adora.

Mamãe: Passar bem longe de livros com os dizeres “1001 maneiras de matar o seu marido aposentado” “Lidando com o stress de 100 maneiras diferentes” e coisas desse tipo. Talvez eu terminasse dando um par de sapatos... mas era arriscado armá-la nos dias atuais.

Papai: NÃO FAÇO A MENOR IDEIA!!!

Sean: IDEM COM A MESMA DATA!!!

É minha lista estava um lixo. Tenho que admitir, comprar presentes de Natal que saiam do óbvio é muito difícil... mas convenhamos, com uma família tão eclética como essa, eu não posso ser a basicona e dar meias!!! Não mesmo!

Será que era tão difícil de me dar presentes também?

E ainda tinha Elena!! Para a turma da BAU eu ia mandar uma cesta de Natal... fácil, quem não ama comer no trabalho?

Fiquei as duas horas pensando e não cheguei a um consenso sobre Jimbo, Breena, meus pais, Ziva, Nick e Sean. Vontade de comprar um cartão-presente e eles que se virassem.

Foi anunciado que ficaríamos sobrevoando Washington até que o único portão disponível para desembarque estivesse vago... e começou o meu sofrimento, como eu me sentava no corredor – Deus me livre viajar na espremida na janela! – vi o Casal Elegância ficar todo alvoroçado... algo ali não estava indo bem, e curiosa como sou, acabei por prestar atenção, pelo visto a “Madame Botas da Chanel” tinha medo de voar... tadinha!

Voltei para a minha lista e nem por decreto eu tinha alguma inspiração.

Céus!! Ainda tinha o bebê de Jack! Que eu ainda não sabia se era menino ou menina... e como eu já fiquei sabendo me chamaria de tia... olha que fofo (#sqn), tinha que dar um presente para o meu (minha) vindouro(a) sobrinho(a). Era presente demais para comprar... Só Odin na causa!

Ficamos dando voltas por quase meia hora, deu tempo até de ver os pontos turísticos da cidade, tudo estava devidamente enfeitado. Quando finalmente foi anunciada a aterrissagem, nos avisaram que poderia ser um pouquinho fora dos padrões. Eu não liguei, mas muita gente gemeu de medo dentro do avião.

Mas eu deveria ter morrido de medo, porque, CARAMBA!! O avião derrapou pra caramba... achei que ia me deixar na porta de casa! Nunca tive pouso tão ruim na vida! Contudo, depois do susto e de a tripulação verificar se todos os passageiros estavam bem, liberaram a nossa saída por fileiras, para não tumultuar o, já tumultuado, aeroporto. E lá fui eu esperar quase uma hora entre sair do avião e pegar a minha mala, coisa que não deveria me incomodar, pois nunca tive sorte nesse quesito mesmo.

Com a minha mala gigante resgatada da esteira, fui para o portão, só para notar uma coisinha muito importante: Eu não fazia ideia de quem viria me buscar ou se viriam me buscar. Eu sou uma anta!! Deveria ter perguntado! E agora, em um aeroporto lotado, como eu vou achar alguém, puxando essa mala do tamanho do mundo???

Minha vontade era de me dar um tapa na cabeça, mas creio que seria taxada de louca e seria levada para o primeiro manicômio disponível, que não era o da minha família, é claro!

Para evitar ficar pagando mico, andando à toa e acabar chamando a atenção da segurança, parei perto de uma cafeteria e saquei o celular, só me restava ligar para o Super-Gibbs e perguntar como iria para casa, aí ele soltava: “Vem de UBER”, e eu tava ferrada, em dobro!

Custei achar o celular na mochila e quando achei, alguém puxou a minha mochila de mim, quase me levando junto! Claro que eu não ia deixar barato e já ia virando com o punho fechado para dar na cara de quem queria me assaltar logo no meu primeiro dia de férias quando papai interceptou o soco e me encarou.

— Em minha defesa, eu não vi o senhor chegar! – Me expliquei. – Oi papai!! – O abracei apertado. Estava realmente com saudades dele.

— Lizzy, você tem que prestar mais atenção nos seus arredores! – Foi assim que me cumprimentou ao retribuir o meu abraço.

— Eu presto, pai. Só que eu estava com um pequeno probleminha! – Continuei a minha explicação quando separei o abraço.

— Falta de atenção! – Lógico que ele não iria deixar isso passar.

— Não... eu não sabia quem viria me buscar! – Me defendi.

— Eu não tenho muito mais o que fazer, Liz, é claro que seria eu.

Fiquei quieta... lá vinha o papo de aposentadoria...

— Na verdade tem...

Como sempre, Leroy Jethro Gibbs não respondeu nada e como também não me olhou atravessado, decidi continuar.

— Temos que enfeitar a casa, comprar presentes, a árvore... Abbs já falou à beça na minha cabeça por conta disso.

— Na minha também.

— Então já tá tudo pronto? – Falei animada. Nós dois atravessamos a porta para o estacionamento e o frio nos pegou de jeito, e eu, muito esperta, me esgueirei para debaixo do braço do meu pai, pegando um pedaço do casaco dele para me aquecer. Ele não gostou muito de ter alguém roubando o casaco dele, e me olhou torto, mas ninguém mandou que ele fosse quentinho!

— Não. Sua mãe não me deixou subir na escada para enfeitar a casa.

— Ela fez muito bem!

— E Abbs veio com uma ideia de escravizar o Marine Suicida...

E lá vinha o apelido.

— Eu já vou fazer isso amanhã, vou sair para fazer compras com a Elena, Sean vai de carregador de sacolas/motorista.

— Pelo menos para isso ele serve.

— Também não é assim, né pai. Ele acabou de voltar do Oriente Médio... ou tá chegando... não me mandou mensagem ainda... – Comecei a tagarelar.

Papai grunhiu qualquer coisa que eu não entendi e depois apontou para um ponto do estacionamento.

Tudo o que eu vi foi o carro de mamãe e escorado nele, todo encolhido de frio, Sean.

Por alguns segundos fiquei sem palavras.

— Achei aquilo lá na área de desembarque, meia hora antes de você chegar. O mandei esperar...

— E o senhor esqueceu de entregar a chave do carro pra ele, né?

— Não.... ele não pediu.... – Meu pai fez cara de inocente e eu revirei os olhos.

Jurei para mim mesma que não ia discutir, e fui tentar sair debaixo do braço do meu pai muito devagar para não magoar os sentimentos dele, quando ele o apertou nos meus ombros, sabendo exatamente o que eu estava querendo.

— Tudo bem... Eu vou ficar aqui. – Murmurei. – Mas destranca o carro, ele já tá até azul de frio!

Papai fez o que eu pedi, primeiro abriu o porta-malas e antes que Sean pudesse jogar a duffel bag dele lá, gritou:

— Liz trouxe uma mala enorme, acho melhor você ir no porta-malas e a mala dela no banco de trás!

— PAI!!

— Tudo bem, no banco de trás e atrás do motorista, para que eu possa ficar de olho em você!

Revirei os olhos. Quando que isso iria acabar??

Como um bom Marine (e namorado), Sean ficou esperando para colocar a minha mala no porta-malas e depois se sentou no banco atrás de papai, ou seja, meu pai conseguiu que ele ficasse longe de mim e ainda estava no meio de qualquer conversa que nós dois pudéssemos ter.

Assim que ele fechou a porta, dei uma boa encarada nele.

— Oi para você também, Liz!

— Olá!! Só estava conferindo se você voltou inteiro.

— Liz, foi uma vez...

— E já é o bastante, não?

Ficamos nos encarando até que papai coçou a garganta.

— Mas tá inteiro de verdade? – Perguntei só para garantir.

— Sim, Liz, eu estou.

— Ótimo. – Eu queria mesmo era dar um abraço e um beijo nele, mas não ia rolar com o meu pai no meio.

— E a faculdade? – Sean tentou manter a conversa, uma que meu pai pudesse participar.

— Achei que ia morrer nesse final de semestre.... nunca vi tanto ensaio, tanta prova, tanto trabalho, tanto seminário para fazer... – Levei a mão à minha cabeça. Só de lembrar, a pobrezinha doía.

— E os apelidos? Pararam? – Papai quis saber e esse era um assunto que interessava aos dois Marines que estavam no carro.

— Uhn... não... continuam a me chamar de Mascote. Fiquei sabendo que fizeram a mesma coisa com uma outra ruiva há uns dois anos, ela ainda está lá... só que descoloriu o cabelo para pararem...

Eu senti o olhar dos dois em mim.

— E antes que um de vocês estourem, não, eu não vou fazer isso. Gosto muito da cor do meu cabelo pra pensar em pintá-lo... vou seguir do mesmo jeito, fingindo que não estou escutando... ou eles arranjam outro para perturbar ou cansam de me chamar assim...

Os dois olharam para fora ao mesmo tempo.

— E o que você está planejando para amanhã mesmo, filha? – Papai me perguntou e eu não pude deixar de notar que ele parecia feliz que eu iria escravizar Sean por um bom tempo.

— Tenho que fazer as compras de Natal... mamãe me incumbiu nesse ano, mas o senhor já sabia disso. – Estreitei os olhos na direção dele.

— E como você vai fazer isso?

Aí já era maldade!

Para contra-atacar, me virei para o banco de trás, me sentando de lado no banco da frente.

— Então.... – Olhei para Sean - Preciso de carona... topa?

Sean olhou para o retrovisor interno e ponderou se meu pai podia ou não ver a reação dele, para então apontar para o banco da frente, claramente me perguntando se papai ia.

Eu comecei a rir.

— No dia que meu pai se voluntariar para sair ou comigo ou com a minha mãe para fazer compras novamente, Sean, o mundo acaba. – Respondi e ganhei um tapa na cabeça. – Não, papai não vai. Ou vai? – Perguntei com um sorriso e tombando a cabeça.

Papai grunhiu algo.

— Isso é um “não” na linguagem Gibbsiana. – Informei e papai não gostou nada de que o plano dele de me fazer tagarelar sobre um dia de compras arrastando o meu namorado tinha virado do avesso.

— Tenho escolha? – Sean perguntou, e ainda tinha uma careta no rosto dele.

— Até tem... pode ficar em casa, Marine, e longe da minha filha. – Papai respondeu por mim.

Eu mordi o lábio para não começar a rir. Sean estava entre a cruz e a espada. Meu namorado me encarava e vi que papai esperava ansioso pela resposta dele.

— Eu vou.

Fiquei tentada em responder que ele não resistiria a passar praticamente um dia inteiro ao meu lado, mas como meu pai estava ali, me limitei a sorrir.

— Obrigada. – Falei. – Prometo que seu presente vai recompensar o cansaço.

Ele descansou a cabeça no apoio do banco e eu me virei para frente.

— Feliz agora, Elizabeth?

— Foi o senhor quem começou com o assunto. – Continuei.

— E quanto aos enfeites da casa...

— Ai não... mamãe jogou isso para mim também?

— Sua mãe e Noemi estão preocupadas com o jantar do dia 24, não com os enfeites.

— Que beleza... vou trabalhar a morrer nesses dias. Precisamos de uma árvore e de muitos enfeites e luzinhas... vou adicionar isso na minha lista de compras... mamãe vai ter uma síncope quando chegar a fatura do cartão... – Falei e tirei o meu bloquinho para anotar o que eu precisava.

— Mas não é você que adora uma festa de compras, Liz?

— Não quando sou obrigada a escolher tudo sozinha, papai. É difícil sair e comprar presentes para todos.... tipo, para o Nick... o que eu compro para o Nick??

Papai não falou nada. E eu tinha certeza de que meu namorado estava bancando o Belo Adormecido no banco de trás, torci para que ele não começasse a roncar. Assim, fiquei sem a resposta que queria.

— Tá vendo! E só piora. Breena? Jimbo? As únicas certezas que tenho são as crianças!!

— Bem vinda ao mundo adulto, Elizabeth.

— Haja criatividade.

— Quando você estiver pagando será muito pior.

— Mas sério, pai, e para a mamãe? Eu não faço ideia do que dar.

— Um par de sapatos.

— Para ela arremessar na sua cabeça?

— Uma bolsa.

— Ela tem um monte! E não fale roupas... tem roupa da mamãe no meu closet que eu sei!

— Férias?

— De trabalho? De mim? Ou do senhor?

E novamente ele se pôs a pensar.

— Viu a encrenca? E olha que eu já procurei na internet até morrer.... não achei nada...

— Foi gastar todas as ideias no Dia das Mães...

— Pois é... deveria ter economizado.

Suspirei e encarei o trânsito.

— Isso vai demorar... – Comentei.

Papai fechou a cara e tentou procurar um espaço para enfiar o carro e ultrapassar um velho Mercedes que parecia estar fazendo turismo de tão lento que andava.

— Falando em demorar... Por que o carro da mamãe? Vamos buscá-la na CIA?

— Jen já está em casa.

— E o carro?

— O único que cabia a sua mala.

— A pick up do senhor também cabia. – Cantarolei.

Papai fez uma careta.

— O que quebrou nela dessa vez?

— O aquecedor.

— Entendi o motivo do carro da mamãe. – Tadinha da pick up... aquela coisa já tinha tido uma vida longa e feliz, já estava na hora de aposentá-la, mas quem disse que papai faria isso? Então, continuei. - Dá pra consertar a lata velha?

— Sim, ela não morreu, como a sua mãe quer tanto que aconteça.

— Eu ainda acho que aquela caminhonete vai aguentar mais alguns anos... mais ou menos uns quarenta.

— Não diga isso perto da sua mãe. Ela já quer trocar esse carro. – Papai deu um tapa no volante de couro do carro.

— Mas esse aqui só tem dois anos!!

— Quer o modelo novo... diz que tem algo que esse não tem.

— Mas o senhor acha outra coisa...

— Acabou o espaço para ela colocar mais pares de sapatos dentro de casa, então ela tem que variar a compra...

— SENHOR!! – Eu gritei e Sean deu um pulo no banco de trás. – Que ela jamais escute isso ou, Agente Muito Aposentado Leroy Jethro Gibbs, o senhor nunca mais vai ser a cor da sua cama!!! – Comecei a rir. Sean me encarava com a sobrancelha levantada, tentando entender o motivo do grito. – Eu juro que te explico depois e muito longe da minha mãe, ou ela me mata também.

E a nossa viagem que era para durar cinquenta minutos, durou duas horas e eu quase cheguei morta de fome em casa, claro que mamãe ficou ligando a cada dez minutos para saber onde estávamos.

— Por que toda essa demora?? – Ela falou quando papai finalmente estacionou o carro na entrada de carros. – Ah! Oi, Sean! Como você está? – Passou direto por mim e por papai e foi cumprimentar o meu namorado.

Papai olhou pra mim e eu olhei de volta e nós dois encaramos a cena na nossa frente.

— Oi para a Senhora também! – Falei.

— Vejo que alguém está com ciúmes. – Ela falou se virando para nós. E me foi impossível descobrir de quem ela falava, de papai ou de mim.

Papai sacudiu a cabeça e me ajudou a tirar a mala de dentro do carro, jogando a duffel bag de Sean no chão, só que o bonito estava mais perto do que meu pai previra e pegou a bolsa antes que ela tocasse a neve, deixando papai com uma tromba ainda maior.

— Vocês vão ou não entrar? – Mamãe perguntou.

E eu fiquei igual a uma bola de pingue pongue... não sabia se entrava com a minha família ou se atravessava a rua com o meu namorado para cumprimentá-lo direito. Nessa dúvida, eu só fiquei parada no meio da neve, olhando para os dois lados.

— Eu volto daqui a pouco. – Sean me falou. E nesse momento minha queridíssima sogra, Dona Pam, estava chegando e correu para abraçar o filhote e a mim, ao mesmo tempo, sim, ela é desse jeito!

— Sean! Lizzie!! Vocês chegaram juntos?? Que ótimo! – Deu um beijo na bochecha do filho e outro na minha.

Mamãe vendo a cena veio conversar com a mãe do genro dela e as duas começaram a falar sobre as festas e acabei por saber que toda a família de Sean estava devidamente convidada para a nossa festa de Natal.

— Você sabia disso? – Ele me perguntou.

— Não... tô sabendo agora. – Respondi e mentalmente acrescentei os presentes do meu sogro, cunhado e da minha sogra na lista. Essa coisa só aumentava.

— Bem... acho que o seu pai não gostou muito. – Ele me cutucou e apontou para papai que só olhava a cena como um todo.

— Relaxa... ele se entende com a sua família... isso não me preocupa, a birra dele é só com você!

— E o que te preocupa?

— Por acaso você contou para alguém do último Halloween?

Sean me encarou.

— Tá vendo... Tony e Nick estarão aqui, não pense você que eles não vão soltar piadinhas, porque vão...

— Não vai ser lá um Natal muito agradável.

— Aí eu não sei, não tenho bola de cristal. Porém, só porém, pense que amanhã vamos sair! O dia inteiro. – Dei um passinho para perto dele e meu pai coçou a garganta atrás de nós. – Vou entrando... Só para garantir que amanhã você esteja vivo, a gente conversa. – Dei um beijo na bochecha dele, papai poderia sobreviver a isso, me despedi da minha sogra e arrastei minha mala para dentro de casa, onde papai já estava com aquela cara de quem chupou limão.

— Você sabia dos convidados de honra? – Me perguntou enquanto fazia um café.

— Não. Fui pega de surpresa tanto quanto o senhor.

Lá fora pudemos ouvir mamãe e minha sogrinha rindo de algo... espero que não seja nada embaraçoso.

Meu celular apitou.

— Já é o Marine?

Olhei a barra de notificações.

— Não. Elena.

— Por falar nela, você não contou para o seu escravo que ela vai às compras amanhã.

— Tenho que falar, mas também não tive chance, né papai?

Peguei o telefone e li as mensagens da Maluca do FBI.

E: Avisa para o nosso motorista que vamos ter que passar em lojas infantis!

Tive que ler a mensagem duas vezes para entender e mesmo assim não entendi nada.

L: Como assim?

E: Presente para a minha sobrinha/afilhada.

L: OMG! É uma menina!!!

E: Sim!! O tapado do meu irmão deixou isso escapar bem na minha frente!

L: Você conseguiu que ele soltasse o segredo mais bem guardado?? Nem a PG conseguiu que ele falasse!

E: Nem meu pai!!!! Mamãe quase morreu aqui!! Está nas nuvens com a netinha!

L: E o seu pai?

E: Acha que somos loucas! Kkkkk

L: Well! Bem, agora já sei o que posso comprar!

E: Acho bom, Você será a tia louca!

L: Mais ou menos como a Tara é para você?

E: Bem isso!

L: Vou avisar ao Sean!! Ou melhor, ao Escravo da Família Shepard-Gibbs! Que horas vamos?

E: De tarde! Não quero congelar na rua, não!

L: Que congelar o que!!!

E: Ô Ruiva doida! Nem todo mundo gosta do inverno!!

L: Como a Madame Diretora sempre diz, eu não sou todo mundo, por isso escolhi o inverno ao verão. Eu preciso arrumar as coisas por aqui, até amanhã!

Elena nem se dignou a me responder, estava animada demais por descobrir que seria tia de uma menina. Espero que a bebê tenha mais coordenação do que a tia, ou é bem capaz que o Sr. Hotchner envolva a neta em plástico bolha!

Aproveitei que minha mãe ainda estava de papo com a Dona Pam e resolvi avisar Sean do novo destino e da presença de Elena...

— Não vai largar esse celular não? – Papai chiou quando se sentou ao meu lado.

— Era Elena, ela tanto fez que descobriu o que Jack e Lara vão ter.

— E o que é?

— Uma menina.

— É agora que Hotchner morre de vez.

Não discordei... às vezes o Diretor do FBI era mais exagerado do que papai, e nem Derek conseguia amenizar a situação.

— Mas ainda está conversando com a Elena?

— Uhn... então... eu tenho que soltar a bomba logo.

Papai revirou os olhos e ligou a TV, mas passou um braço ao redor dos meus ombros e eu, muito mansa, me escorei nele, ainda estava um tanto congelada de ter ficado do lado de fora.

L: OIII!!!— Mandei a mensagem e esperei, meu namorado é conhecido por demorar a responder, a menos que ele tenha enviado a mensagem primeiro...

S: Já está com saudades?

L: Você acabou de atravessar a rua, lesado!!

S: Mas você é conhecida por ser a sentimental aqui.

L: Engraçadinho você!! Mas não foi para matar a saudade que eu tô te mandando mensagens.

S: Liz não mente!

Só me restou a opção de mandar um monte de emojis revirando os olhos... às vezes ele realmente se acha – e ele pode, mas eu JAMAIS vou comentar isso com ele!

L: Vai me levar à sério?

S: Estou te levando à sério a quase um ano e meio!

L: Tá bom, vamos parar com isso de tempo...

S: O que foi?

L: Amanhã!!

S: Amanhã?

L: Mas você tá devagar hoje, hein?

S: Acabei de chegar em casa, Liz!

L: Amanhã você vai me levar às compras?

S: É amanhã?

Como ele pôde ter se esquecido sendo que conversamos sobre isso no carro?

L: Amado!! Amanhã é ANTEVÉSPERA DE NATAL!! Tem que ser amanhã! Não tem outro dia!

S: Tudo bem! Só nós dois, né?

E aqui lá vamos nós!

L: A Elena também vai!

S: Isso é castigo?

L: Ô claro que não!! É a sua chance de ficar longe do meu pai e perto de mim!

S: E da Elena!

L: Podemos voltar à programação?

S: E eu tenho saída?

L: Claro que não! Você já estava incluído nos planos desde a black Friday!

S: Você nem sabia se eu estaria aqui!

L: Você tinha prometido. E um Marine nunca quebra uma promessa, não é?

S: Você é diabólica, menina!

L: Sou sua diabólica favorita!!

S: Tirando isso e todas as lojas de roupas, sapatos, decoração e livrarias que vocês duas vão me fazer entrar, onde mais teremos que ir?

L: Em uma loja de roupas para bebês!!!

E Sean levou quase dez minutos para me responder, ele começava a digitar e depois parava, e então, nada.

.

.

.

L: Sean, você ainda está aí??

S: Tem algo que você queira me contar, Liz?

Saí do aplicativo e comecei a rir descontroladamente. Papai se assustou com a minha crise e ficou me olhando torto, mas isso é uma coisa que eu jamais contaria para ele, não por enquanto, talvez só quando eu estivesse casada...

— Tudo bem, Liz?

— Sim...

— Contou para o Suicida quem vai junto com vocês?

— Sim... e onde temos que passar.

— E ele?

— Bem... ele deu uma surtada de leve.

Foi a vez de papai começar a rir, ele não sabia exatamente aonde iríamos, mas gostou de pensar no calvário que Sean enfrentaria.

Querendo rir mais um pouco, printei a conversa e mandei para Elena.

Ela me respondeu na hora:

E: Fala sério!! E o que você falou depois dessa mensagem?

L: Nada, eu saí do app. Acho que ele não vai nem dormir!!

E: Ê MALDADE!! Se eu faço isso com o Chris, ele infarta!

L: O Marine é forte!

E: Conta com isso não! Depois ele surta e aparece na porta da sua casa querendo saber o que você quis dizer com “passar em loja de roupa para bebês”, seu pai escuta a conversa.... e era uma vez o nosso motorista/carregador!!

L: Eu não tinha pensado nisso!! SOCORRO!!

Elena se despediu e eu fiquei escutando os sons da rua, mamãe tinha entrado há pouco tempo e estava anotando qualquer coisa em um caderno. Depois concluí que Sean não apareceria aqui querendo explicações.

Mas aí veio uma outra mensagem.

S: Isso é uma brincadeira, né, Liz. Me fala que é!

Eu ia ignorar e deixar ele passar nervoso durante a noite, mas depois me lembrei que ele tem a tendência de virar um curioso e agir por impulso, então me expliquei.

L: É para a sobrinha da Elena. E pode parar com a ideia louca aí... não tem como eu estar grávida!! É só fazer as contas...

A resposta dele veio na hora...

S: Ter tem.... só que já estaria aparecendo.

Definitivamente o meu namorado merece todos os apelidos que meu pai dá a ele. Olha o assunto.

L: Eu já disse... nada de casamento, nada de filhos, nada disso até que eu tenha uma carreira que me pague muito bem!!

S: Mas um dia vamos ter filhos Liz....

Decidi por ignorar de vez... até porque papai estava olhando por cima do meu ombro.

— Então! – Mamãe se lembrou que a filha estava em casa. – Me conte as novidades! Já fez a lista de presentes?

— Mãe... se eu já fiz não vou te contar, mas vou sair amanhã para comprar.

— Só isso? Nada de novidades por aí? – Ela parecia estranhamente animada e me olhava de um jeito estranho.

— Só que Elena vai ser tia de uma garotinha! – Espalhei a notícia.

— Emily deve estar no céu! Até porque ela estava apostando em uma menina... – Mamãe comentou.

— Papai acha que o Sr. Hotchner vai pirar de vez agora.

Mamãe encarou meu pai e começou a rir.

— Ele diz isso só porque sabe que quando for a vez dele, ele é quem vai surtar.

E lá vinha o assunto de novo.

— Para a sorte dele, ainda falta muito tempo.... não quero ter filhos antes do trinta e cinco. – Falei.

— TRINTA E CINCO?! Liz! Assim eu não vou poder aproveitar os meus netos! – Mamãe falou.

— Mãe... vamos trocar o assunto, por favor! – Apontei para papai que tinha ficado completamente desconfortável com todo esse tema.

E ela fez o que pedi, e começamos a discutir a arrumação da sala, a decoração, ela me perguntou sobre o cardápio da noite e fomos conversando, até que ficou muito tarde e eu estava quase caindo de sono.

— Acho que discutimos tudo... – Ela falou me acompanhando escada acima, papai estava escondido no porão, longe da nossa falação.

— Também acho... e eu espero que amanhã dê tempo de arrumar tudo isso.

— Vamos ter que nos levantar muito cedo! – Ela me falou. – E se prepare para o tanto que você vai andar.... – Brincou comigo e me deu um beijo na testa. – Boa noite, filha! É bom te ter em casa!

— Também estava com saudades, mamãe! – Dei um beijo na bochecha dela e desci as escadas de novo.

— Vai aonde? Achei que estava desmaiando de sono!

— Me despedir do papai e tentar içá-lo do porão! – Falei e corri pelo andar inferior só para trombar em meu pai.

— Eu já estou subindo filha. – Ele me falou e me guiou escada acima, muito parecido com o que mamãe tinha acabado de fazer, se despediu de mim e foi escutar o que a minha mãe ainda tinha que falar. – Hoje ela está atacada. – Brincou comigo e fechou a porta do quarto.

Fui rindo para o meu, minha mãe quando tinha um plano na cabeça não conseguia desligar de jeito nenhum, e eu agradeci que iria ficar todo o dia bem longe da casa, ou terminaria com uma dor de cabeça daquelas!