Um Anjo (quase) Caído

Capítulo 35 - Nunca dizer adeus


Serena

— Pronta para ir? — Patricia sorriu levemente.

Eu fui liberada depois de algumas horas, mas ainda tinha que fazer consultas para checar se nenhum dano havia sido feito ao meu cérebro ou sei lá. Assenti.

Eu amo você, dissera o tal Heath. Isso é tudo o que você precisa saber. Podemos resolver o resto depois.

Inspirei fundo. Eu estava em pânico. Fora atropelada, acordara no hospital com um completo desconhecido dizendo que me ama e estava com fome. A comida do hospital era horrível.

Não que a da minha mãe fosse melhor. Mas pelo menos era da minha mãe.

* * *

— Serena! — Thomas me abraçou com força. — Não me deixaram ir ao hospital. Foi tudo tão rápido, você...

— Eu estou bem — falei, por mais que não tivesse tanta certeza disso. — Afinal, todo mundo precisa ser atropelado de vez em quando.

— Ela nunca perde o humor seco — notou Patricia, revirando os olhos.

— Além do mais, você foi atropelada por um Nissan March*. Imagina se tivesse sido uma SUV — comentou Thomas.

— Né! Imagina o trabalho para tirar minhas tripas do painel.

— Acho que o cara da lavadora de carros ia cobrar a mais por isso.

— Talvez pudéssemos pagar a diferença com o meu rim.

— Está louca?! Faz ideia de quanto um rim vale? Talvez pudéssemos pagar com o seu cérebro. Esse sim não vale muito.

— Eu desisto de vocês dois — bufou Patricia, entrando na casa. — E desisto da ideia de "humor" desse país!

— Então se mude para os Estados Unidos e viva feliz com o humor babaca de lá — repliquei.

— Você só quer se mudar para a América por causa do seu namorado! — replicou Thomas.

Franzi o cenho.

— Eu tenho um namorado?

— Bem, você tem o Heath, que gosta muito de você — Patricia sorriu.

— O garoto do hospital?

— Ah, meu Deus, ela não se lembra dele — Thomas riu. — Cara, isso é o máximo. Do que mais não se lembra?

Ignorei-o.

— Então eu... conheço esse garoto? — indaguei à minha mãe. — Mas como você saberia dizer, se passou os últimos dois meses fora?

— Eu só... presumi, querida.

Balancei a cabeça, irritada.

— Não é suficiente! — empurrei a porta com força e corri até meu quarto.

E lá estava Audrey, sentada em minha cama. Ela se levantou.

— Sua puta! — ela correu e me abraçou. — O que tinha na cabeça?!

— Eu não me lembro do que aconteceu — falei. — Então não sei responder à sua pergunta. Espere, o que é aquilo ali?

Apontei para o buquê de peônias em minha cama.

— Veio com um bilhete — disse Audrey.

Cheirei-as, sentindo o aroma doce invadir minhas narinas. Peguei o bilhete.

"Carpe diem. Aproveitem o dia, meninos. Façam de suas vidas uma coisa extraordinária."

— Sociedade dos Poetas Mortos (mas você sabe disso)

Não pude evitar. Só sorri.

— Elas são de Chad, não são? — indaguei. — Ele saberia que esse é meu filme favorito**.

— São. Heath também não saberia?

Bufei.

— Quem é esse cara?!

— Você bateu a cabeça mesmo, não foi? — ela ergueu uma sobrancelha. — Como diabos se lembra de Chad, mas não de Heath?

— Porque eu gosto de Chad.

— Gosta nada.

— Se estou falando que gosto, acho que deve ser verdade, certo?

— E eu acho que você bateu a sua cabeça bem forte.

— Ótimo, digamos que eu me lembrasse desse tal Heath. O que há para lembrar?

— Primeiro, você não o chama de Heath. O chama de Seeler, especialmente quando está irritada com ele. Você nunca me deu detalhes, mas acho que vocês se pegam.

— Eu o amo?

— Acho que sim.

Acha que sim? Audrey, eu já virei para você e disse "Audrey, eu amo Heath Seeler"?

— Hmmm... Não.

— Então não é suficiente. A gente provavelmente se beijou uma vez e ele acha que estamos perdidamente apaixonados. Parece que todo mundo tira vantagem da menina atropelada — revirei os olhos. — Mas eu sempre conto tudo a você. Como posso não ter contado algo assim? Não devia ser importante o suficiente.

— Ou talvez fosse importante demais — murmurou Audrey.

Heath

— Uma noite. É meu último pedido — murmurei, incapaz de erguer o tom de voz. — Eu preciso me certificar de que ela está bem. Eu não posso... Ir embora sem dizer adeus.

Caius suspirou.

Uma noite. Partimos ao amanhecer.

— Muito obrigado, senhor.

* * *

— Garoto, ela não se lembra de você — Frederick revirou os olhos.

— Mas eu me lembro dela. E eu me importo com ela.

— Mas você vai embora, certo?

Assenti.

— Amanhã, quando "o primeiro raio de sol cruzar o leste" ou algo do gênero. Caius gosta de dizer essas coisas. Enfim, eu não consigo ficar aqui, vendo-a todos os dias e sabendo que ela acha que eu sou um pervertido problemático. Passamos por tanta coisa juntos. Mesmo que eu faça com que ela se apaixone por mim de novo... Ela nunca vai saber. Não posso viver com isso.

— Talvez tenha acontecido por um motivo, ela não se lembrar de você. Não era pra ser — Frederick deu de ombros.

"Algumas pessoas estão destinadas a se apaixonar, Heath Seeler. Mas não estão destinadas a ficar juntas."

Ter a voz de Chad retumbando em minha cabeça não era nada legal, especialmente naquele momento.

— Pelo menos colocou um fim nisso tudo — Frederick suspirou.

— Fim? Está brincando comigo? — abri um meio-sorriso. — Ainda tenho mais um dia, Frederick. Aquela garota vai se lembrar de mim.

— E alguma ideia sobre como vai fazer isso acontecer?

Pensei por um minuto.

— E se acertarmos a cabeça dela de novo? Quero dizer, ela bateu a cabeça uma vez e perdeu a memória, então se batermos novamente...

— Por favor, me diga que está brincando.

* * *

— Seeler, a porta! — Damien gritou.

— Estou indo!

Desci as escadas correndo e abri a porta. Devo dizer que encontrar Serena lá não era parte de meus planos.

Serena

Seus olhos surpreendentemente dourados me fitaram por um minuto, confusos.

— Desculpe por aparecer assim — murmurei. — É difícil para mim dizer essas coisas, então preste atenção.

Um sorriso esboçou-se no rosto dele — um sorriso que dizia claramente "Eu sei" —, o que desviou meu olhar de seu peitoral nu. Ele tinha um belo corpo. Na verdade, tudo nele era belo, como um daqueles caras de Hollywood que você tem certeza de que só existem no Photoshop. Mas não exatamente. Com os cabelos bagunçados, a calça larga do moletom cinza e o olhar sonolento, Heath não estava se esforçando. E isso de alguma forma o tornava mais atraente.

Fitei seus lábios e tentei recuperar alguma memória.

— Argent? — ele ergueu uma sobracelha. Pulei com o susto. — E então?

— Ah. Ah. É... Aquilo que eu disse no hospital. Eu não deveria ter dito aquilo. É que eu me assustei quando você disse que... — minha voz falhou. — Você sabe.

— Você não está me decepcionando, Serena.

— O que disse?

— Eu sei que tem medo de que as pessoas se decepcionem com você quando resolvem te amar e estou lhe dizendo que tudo bem.

Balancei a cabeça em negação.

— Onde ouviu isso?

— Em lugar nenhum. Você não é um livro tão fechado quanto pensa, Argent.

— Bem, estou aprendendo muitas coisas sobre mim mesma recentemente.

— Posso fazer uma coisa?

— Hum... Pode.

Heath entrelaçou os dedos da mão direita nos meus rapidamente. Senti um choque percorrer meu corpo e soltei a mão dele por reflexo.

— Ai! — soltei.

Ele abriu o maior de todos os sorrisos.

— Isso é tudo o que eu precisava.

— Me dar um choque?

Ele balançou a cabeça.

— Não foi um choque.

— Você é louco, Heath Seeler.

Heath deu de ombros.

— É uma das coisas que você gosta em mim.

Ele me fitou por um longo minuto. Eu não entendia por que, mas gostava da sensação dos olhos dourados dele em mim.

— Vejo você depois? — fitei-o.

— Vou embora amanhã — contou ele.

— Ah. Para onde vai?

— Eles chamam de Paraíso, mas ainda não entendi o motivo — ele abriu um leve sorriso.

— Então... Vai voltar aos Estados Unidos?

Ele hesitou, mas por fim assentiu.

— Sim. Isso aí.

— Estou meio feliz por não me lembrar de você, Heath Seeler. Não gosto de dizer adeus.

— Nem eu, Argent. Boa noite.

Quando ele estava fechando a porta, chamei:

— Espere! — pedi.

Ele abriu a porta e me encarou.

— Preciso saber uma coisa.

— Sim?

— Eu quebrei seu coração?

Imaginei que ele fosse ficar surpreso com a pergunta, mas parecia esperar aquele tipo de coisa vindo de mim. Heath sorriu e se aproximou, encostando a testa na minha.

— Ninguém quebra o meu coração. Prometa-me uma coisa?

— O quê?

— Não importa o que aconteça, não saia com o Chad — ele me encarou, sério. Eu ri. — Não ria. Você me deve isso.

— Por quê?

— Por quebrar meu coração — ele abriu um meio-sorriso e beijou minha bochecha. — Boa noite, Serena Argent.

* * *

Eu estava sentada em meu quarto, observando as estrelas pela janela aberta. A leve brisa do fim da primavera batia em meu rosto, balançando meu cabelo. Ouvi uma batida na porta.

— Entre.

Thomas entrou no quarto e me fitou por um longo minuto. Depois jogou algo na cama ao meu lado. Algo que reconheci depois de um momento.

Meu caderno de músicas.