Eu me sentia como uma estrela desses filmes de Faroeste.
Os campos verdes na minha frente me permitiam cavalgar com meu cavalo em todo lugar, usando minha camisa xadrez, um chapéu, meu jeans escuro e minha bota de couro. O dia estava perfeito: um céu azul turquesa que se estendia até onde minha vista podia alcançar e um sol de rachar sob minha cabeça, que fazia gotículas de suor descerem pela minha testa e molharem meu cabelo solto.

Eu estava fora da cidade há duas semanas, passando uma parte das minhas férias na Fazenda Keaton, a fazenda no qual eu vivi durante todos os meus dezesseis anos de vida. Louise e Jack também vieram, é claro. Achei que Louise fosse ficar bancando a “fresquinha” com tanto mato e mosquito em sua volta, só que ela me surpreendeu.

Surpreendeu-me por esse e por um outro motivo que envolve John, irmão mais novo de Jack e meu primo. Lembro-me há catorze dias atrás, quando ela sussurrou “que gato!” no meu ouvido, quando o viu pela primeira vez. E tive que concordar com ela, porque John estava uma figura máscula e madura.

Havia cortado seu cabelo castanho-claro desgrenhado que se estendia até seus ombros, deixando-o acima de suas orelhas, exibindo apenas imperfeitas ondulações. Também havia crescido, e engrossado a voz. Não era mais um garotinho e com seus dezessete anos, já começava a ter pequenos pelos de sua barba se formando ao redor de sua boca e queixo.

Hoje, Louise e John brigam como Tom e Jerry.

Olhei para trás e vi Louise batendo em seu cavalo branco, tentando me alcançar e fugindo de John.

— Ei! — Gritei para ela.

— O quê? — Ela colocou uma de suas mãos na cabeça da sela e com a outra puxou a rédea, fazendo o cavalo parar.

— Vou a um lugar, Lou. Preciso ir sozinha. — Olhei para John e vi ele olhando para mim com seus olhos azuis. — Vocês podem ficar sem brigar por alguns minutos? — Revirei os olhos.

— Não. — Respondeu Louise, de cara fechada. — Tem certeza que não posso ir com você?

Dei um pequeno sorriso.

— Não quer ficar perto de mim, Lou Lou? — John perguntou, provocando-a.

— Já disse para não me chamar de Lou Lou, Johnnie! — Ela rosnou para ele, cruzando os braços.

Deixei os dois discutindo e encostei a espora da minha bota levemente na barriga do meu cavalo para que ele pudesse marchar mais rápido para me levar aonde eu exatamente queria. Distanciei-me dele e entrei na mata onde eu, Jack e John brincávamos antigamente, quando éramos crianças.

Cavalguei poucos minutos até chegar ao grande lago, onde eu ia pescar com minha mãe. Era fim de tarde e os reflexos do sol poente se refletiam na água, junto com o verde intenso das copas das árvores. Desci do cavalo, amarrei-o na velha cerca e fui até a beira do lado, encostando-me numa pedra e suspirando profundamente.

Naquele momento, todas as memórias, junto com a saudade, vieram até mim, golpeando meu coração de um jeito abrupto e perturbador. Eu estivera na beira daquele lago há três anos atrás, quando joguei as cinzas da minha mãe lá, junto com Ana e meu pai. Senti-me triste lembrando da noite em que eu vi minha mãe morta na cozinha. Bateu-me um certo desânimo ao observar a água e perceber que as cinzas da mulher que eu mais amava haviam se fluido e dissipado na água de todo o lado.

— Onde ela estiver sempre terá orgulho de você. — Disse aquela voz.

— Já ouvi isso antes. — Eu dei um pequeno sorriso, ainda olhando para a água.

— Qual é, Bells? Só estou tentando te animar.

Virei meu rosto automaticamente e vi Jimmy bem perto de mim, também olhando com certa admiração para a água.

— Eu sei. Eu sei... — Tirei meu chapéu da cabeça e o segurei com uma das minhas mãos. — Só sinto... Saudade.

— Ela também sente. — Sua voz estava baixa, quase muda. — Você pode ter certeza disso.

— Eu sei... — Repeti outra vez, um tanto angustiada. — Só queria saber por que ela fez isso. Porque se matou. — Pausei, deliberadamente. — Será que meu pai foi um mau marido?

— Eu não sei. Porque agora, porque depois de tanto tempo você quer saber disso?

Esquivei-me um pouco para olhar Jim.

— Não posso ficar triste e com saudade da minha mãe, Jim?

Ele colocou suas mãos na minha cintura e me puxou para seus braços, apertando-me delicadamente contra seu peito.

— Claro que pode, Bells. Eu vou ficar do seu lado você triste ou não. Mas já se passou tanto tempo desde a morte da sua mãe. Porque agora você quer saber?

— Isso é uma dor que nunca passa, Jim. Sempre quis saber o motivo, e sempre irei querer. — Suspirei, inalando o ar puro do campo. — Odeio ficar triste, mas hoje, quando eu acordei, pensei na minha mãe. O tempo todo.

Ele me apertou um pouco mais e deu um leve riso.

— Bem, você precisa pensar em John e Louise, porque estão em um tremendo pé de guerra.

— Droga! — Rosnei, indo para o lado do cavalo.

Jimmy me puxou de volta e voltei a ficar nos seus braços, frente a frente com ele.

— O que foi?

— Ei, relaxa, Bells. Isso vai passar... — Ele firmou suas mãos na base das minhas costas e encostou seus lábios nos meus vagarosamente. O gosto de sua boca era refrescante, quase como o saboroso gosto de menta. Explorei os cantos de sua boca como sempre fiz e depois eu me afastei, dando um sorrisinho triste para ele.

— Vai passar sim... — Eu disse, tentando acreditar em todas minhas palavras.

A questão é que eu estava angustiada.

Acho que é porque eu estava de volta na fazenda da minha família, onde eu fui criada, onde eu vivi com minha mãe. Por isso. As memórias voltaram com tudo na minha mente e em todo lugar que eu passava eu me lembrava de coisas que minha mãe falava ou de coisas que eu fazia com ela.

Nunca tive problemas do tipo, nem depois do acidente que eu tive com Harry. Eu logo superei, mas agora estava tudo diferente, e toda essa história voltou a me assombrar justo na melhor fase da minha vida. Confesso que nunca senti tanta saudade e tanta falta da minha mãe, mas porque ela foi cometer o suicídio? Mil coisas se passavam na minha cabeça enquanto eu pensava em tudo, porém nada fazia sentido, assim como o tenso vazio que eu sentia dentro do meu peito.

X X X

“ Meus olhos se recusavam a ficarem fechados. Eu podia ouvir os barulhos dos animais lá fora, perturbando-me e tirando todo o sono que ainda me restava. Estava frio e cada vez mais eu puxava meus cobertores para cima da cabeça, tentando me esconder da sombra do galho que balançava lá fora. Eu tinha certeza que alguma coisa havia sugado todo meu sono, como um aspirador de pó.

Joguei minhas cobertas para o chão e andei até a porta, tateando as paredes para descobrir onde estava a maçaneta. Meus passos descalços no assoalho de madeira eram silenciosos, assim como toda a casa. Meu estômago começou a se embrulhar, deixando-me nauseada e com uma tremenda vontade de vomitar, mas eu me neguei a fazer isso e suspirei, inalando um ar puro.

Desci, cuidadosamente, cada degrau da escada a fim de chegar na sala. Eu estava agindo como um imã. Algo parecia me puxar por toda a casa, levando-me a algum lugar, ou pelo menos, fazendo meus pés me levar a algum cômodo no qual eu nem sabia qual era.

Tudo na sala estava em seu devido lugar: o sofá de couro, a lareira, a mesa de centro. Caminhei pela sala e me conduzi diretamente a cozinha. Abri um pequeno feixe da porta e vi a janela aberta, ventilando toda a cozinha e deixando-a gélida, assim como o piso do chão.

Fechei a janela e me virei, indo na direção da porta. Só que antes de eu chegar até lá, uma figura parada, totalmente estéril me chamou a atenção. Havia uma corda presa no caibro do teto e entre os fios da corda, estava o pescoço sufocado de uma mulher. Olhos esbugalhados, o cabelo ruivo e curto cobrindo boa parte do rosto e a camisola de seda branca deixando grande maioria de seu corpo a mostra.

Eu sabia de quem era aquele corpo. Não me neguei a acreditar porque eu sabia exatamente que era minha mãe. Quando percebi minha situação, gritei diante de toda a escuridão e daquele corpo sem vida”.

Boa parte do meu rosto estava coberta pelo meu cabelo molhado de suor quando acordei num salto. Aquelas velhas memórias de três anos atrás voltaram a me assombrar e, naquele momento, a única coisa que fiz foi chorar. Analisei atentamente as paredes enegrecidas do meu antigo quarto. A sombra dos móveis antigos num tom de tabaco eram apenas borrões em cada quina do quarto.

Fiquei alguns segundos sentada intacta na cama, tentando esquecer os olhos frios da minha mãe, na noite de sua morte. Minha dor era atordoante e explodiu em ondas de terrível agonia por toda a área do meu peito, como se uma estaca de madeira tivesse perfurado meu coração.

Desejei, pela primeira vez na viagem, que Louise estivesse no meu quarto. Claro que os roncos dela são, de fato, um tremendo problema, mas tê-la para conversar era o que eu mais precisava.

Decidi parar de chorar e secar todas as minhas lágrimas quando vi o brilho fantasmagórico de Jimmy perto da janela, aproximando-se até mim. Ele se sentou bem na minha frente, dirigiu seu dedo polegar para próximo dos meu olho esquerdo e limpou algumas poucas lágrimas que ainda desciam. Deixei meus braços flácidos e aproximei meu rosto do corpo dele, encostando-me no ombro dele.

— Insônia, Bells? — Uma de suas mãos acariciava meu cabelo bagunçado, quando ele perguntou.

— Não. — Permaneci calada e quieta.

— Então o que foi? — Havia um tom de compreensão em sua voz. Ele olhava para mim pacífico, fazendo o verde de seus olhos brilhar no escuro.

Não respondi. Fiquei imóvel como uma estátua, tentando encontrar formas de esquecer meu sonho.

— Não vai me contar, Bells? — Sussurrou no meu ouvido, provocando-me arrepios.

— Eu sonhei com minha mãe...

— E foi bom? — Ele puxou minha cintura, junto com todo meu corpo para ficar junto a ele.

— Claro que não. — Minha voz saiu decepcionada. — Eu estou chorando, Jim.

Ele deu um pequeno sorriso sem-graça.

— Certo, me desculpe. Mandei mal.

— É... — Minha voz falhou.

— Quer me contar como foi? — Sussurrou.

— Foi rápido, quase como um flash. — Senti as estúpidas lágrimas descerem pelo meu rosto outra vez. — Foi como a noite em que eu vi ela morta... Eu perdi o sono e algo parecia me puxar para a cozinha.

— Você foi a primeira a ver sua mãe morta?

— Sim. — Grunhi, aflita. — Eu a vi perdurada na corda. Morta. Intacta...

Um silêncio surgiu entre nós. Éramos capazes de ouvir nossas respirações, de nossas respirações e de pensar o quão aquela noite estava estranha.

— Bells...

— Depois ela foi cremada e as cinzas dela foram jogadas no grande lago.

Jimmy entrelaçou seus dedos aos meus e me encaixou ainda mais em seus braços.

— Ninguém sabe porque ela fez isso?

— Ninguém, Jim. Ela não deixou uma carta e nem nada. Meu pai não sabe e nem mesmo meus avós.

— Eu sinto muito.

— Ela não precisava ter feito isso. Sabe, nós éramos tão felizes. Claro que viver com meu pai e Ana eu sou feliz, mas se ela estivesse viva... — Disse eu, bocejando.

Automaticamente eu me sentei, sentindo meu sono voltar aos poucos. As mãos de Jimmy continuaram grudadas nas minhas, apertando-me firmemente em seu corpo.

— Amanhã é um novo dia, Bells. Vai ficar tudo bem.

— Sei...

— É sério, Bells. Eu te amo. Confie em mim.

— Eu confio. — Murmurei, sentindo as pálpebras dos meus olhos se fecharem lentamente.