Um Anjo Protegido

Capítulo Quinze


“Nascer, crescer e morrer.”

Esse é o ciclo da vida.

Mas devo informar que existem certas exceções, como no caso de Jimmy Fields, Bridget e muitos outros anjos que estão por aí protegendo as pessoas de todo o mal.

Pela segunda vez, Jimmy estava naquele lugar claro, onde foi concebido como anjo. Cheio de dúvidas, ele se perguntava milhares de vezes o que fazia naquele lugar. Por um momento, chegou pensar até mesmo numa coisa absurdamente ridícula: “será que vou morrer de verdade?”
Com a visão nítida por conta da claridade, Jim balançou sua cabeça, olhando para uma mulher de pele escura e cabelos cacheados, que estava atrás de uma mesa, escrevendo alguma coisa num papel.

— Oi? — Perguntou ele, se aproximando.

— Olá, Fields. — Ela o cumprimentou com um sorriso agradável no rosto. — Você já pode entrar. — Ela apontou para uma porta.

— Isso não é uma consulta médica. O que diabos estou fazendo aqui outra vez? — Ele sentiu um pouco de medo da resposta dela.

E se não fosse mais um anjo? E se nunca mais pudesse ver Belatriz?

Ela riu.

— Não é a primeira vez que me perguntam isso. Ela se levantou e abriu uma porta de vidro, apontando para um longo corredor. — Vamos lá!

Tire suas próprias conclusões.

Então os dois começaram a andar pelo mesmo caminho de quando ele tomou na primeira vez que esteve nesse local. Mas havia uma coisa diferente, que tornava tudo menos complicado e mais harmonioso. Talvez fossem as pessoas, ou talvez fosse ele mesmo. Ele mudou durante esse período que esteve com Belatriz. Ele sabia disso.

Jim seguiu o conselho dela e viu o mesmo homem de antes, que havia o acolhido, com um sorriso esboçado nos lábios.

— Fields! — O homem abriu os braços.

— Vai explicar porque estou aqui? — Ele era impaciente.

— Acalme-se, Fields.

— Olha... Eu não sei quem é você, ou que lugar é esse. Morri mais de um ano e venho tentando decifrar o que você quer de mim esse tempo todo. — Suas palavras ficaram no ar. — Eu não deveria estar realmente morto? Só preciso que me explique o que acontece quando venho nesse lugar.

O homem assentiu.

— Vou ser direto.

— Finalmente. — Jimmy ergueu as mãos, irônico.

— Você morreu e foi escolhido como anjo, caro Fields. É como ter uma segunda chance.

— Como assim?

— Você não morreu totalmente, digamos assim. — O velhinho uniu suas mãos como se fosse rezar e olhou Jim pacificamente. — Antes de você morrer, você era diferente. Não se lembra? Se metia em coisas abomináveis que a vida te oferecia.

— É, eu sei disso. — Jim revirou os olhos.

— Você não era uma boa pessoa antes...

Jimmy assentiu com um discreto balanço na cabeça.

— Você se metia em coisas erradas e coisas erradas... — Disse com vigor.

— Disso eu já sei. Pode, por favor, ir para a parte importante?

— Você terá uma segunda chance para viver.

— Claro. Vai me dizer também que o Coelho da Páscoa existe?

— Pensei o que quiser... Mas a maioria dos anjos tem uma segunda chance para viver. — Ele pausou, observando Jimmy. — Isso acontece, em geral, para que vocês abram a cabeça, para que vocês enfrentem o mundo de uma nova maneira, esqueçam as coisas erradas. Para que vocês aprendam algo diferente em bom do que era antes de morrer.
Jimmy se lembrou de sua vida antes da morte.

Em todas suas ciladas, de suas intermináveis brigas com seu pai, das drogas, das bebidas e de como havia se tornado depois da morte. Aquilo não parecia real para ele. Nunca foi muito de acreditar em milagres e transformações, mas diante daquela experiência, havia percebido o verdadeiro sentido de sua morte.

— Está me dizendo que eu vou poder ter minha antiga vida? — Ele se sentiu ridiculamente feliz.

O velhinho balançou a cabeça positivamente.

— Isso vai ser quando? Hoje? Amanhã? — Jimmy exibiu um sorriso radiante.

— Eu não sei. As coisas vão andar no mesmo ritmo. Você irá salvar Belatriz e continuar a fazer as mesmas coisas... Mas um dia, você irá optar por entrar ou não entrar naquele ônibus, e assim, evitar a sua morte.

— Que dia será esse? — Jimmy ficou insatisfeito. — Quando? Daqui a vinte anos?

— Quando você salvar Belatriz de uma “quase-morte”, — O velhinho fez aspas com os dedos — você voltará. Não está muito longe de acontecer. Belatriz irá correr perigo, então... Já sabe o que fazer.

— Mas Belatriz já passou por tantas “quase-mortes”, com aquele psicopada do Harry!

— Há um perigo maior.

— Perigo maior? — Sua voz transmitia desespero.

— Agora vá, Fields. Belatriz irá precisar da sua ajuda.

— Não vai me explicar o resto? Você tem que me explicar! — Protestou. — Que perigo Belatriz irá correr?

— Boa sorte, Fields.

— Eu preciso de explicações! Qual é?

— Você vai entender tudo, quando tudo isso acabar. — Ele sorriu, de modo tranquilizador.

— Ei, droga! Eu preciso saber...

Ao ver que estava sumindo daquele lugar, Jimmy viu o velhinho dar um “tchauzinho” com um sorriso no rosto, e logo teve um pensamento, que soou quase como um pedido a Deus.

“Que esse dia não demore.”

Esse dia existiria apenas para Belatriz e Jimmy Fields. Refiro-me ao dia do incêndio no ônibus, que tirou a vida de Jimmy Fields. Sabendo do acidente, Jimmy poderá optar entre não entrar no ônibus e assim, também poderá salvar todos que também dormiram para sempre naquele detestável dia. Porque ele já irá saber de toda a história, o que será mais fácil.

Enquanto ele ficava sentando no parapeito da janela observando Belatriz fazer suas malas, pensou no tal perigo que ela estava correndo. Pensou também que se perdesse ela, ele não precisaria voltar a viver, poderia simplesmente continuar morto e poupar sofrimento.

Tomou a decisão que sempre tomou: nunca desgrudar dela, não importa as circunstâncias. E nunca iria abandoná-la se caso eles tivessem uma briga imprevisível. Esse era seu plano. Iria grudar nela como chiclete. E de agora em diante, mesmo que ela esteja aparentemente segura, ele não iria se destrair, pois todas as vezes em que ela correu sérios riscos, foi por que ele não estava por perto.

Ele não podia permitir isso.

Não iria perdê-la.