O céu de GoldLand estava completamente diferente do que o que eu havia acabado de deixar na capital, este estava escuro e coberto por nuvens, avisando a qualquer um que a chuva estava próxima. Ótimo, não havia levado um guarda-chuva.

Quando desci do avião e meus pés já tocavam o chão impecavelmente limpo do grande aeroporto, me dirigi até um balcão e pedi para que a atendente chamasse um táxi. Ela sorriu ao me ver e ficou visivelmente animada ao me pedir um autógrafo. Eu dei pois não custava nada. Em seguida ela correu para o telefone e chamou o taxista, enquanto eu me dirigia para a saída. Lá fora já chovia.

Me mantive na porta, ainda embaixo da construção, para não me molhar e apertei os olhos para enxergar além da chuva. Não demorou muito e um carro preto com uma faixa amarela escrito: "TÁXI", apareceu na entrada. O motorista desceu e pegou minha mala, eu corri para dentro do automóvel, sentindo apenas algumas poucas gotas de água gelada caírem no meu braço e no topo da minha cabeça, fechei a porta rapidamente.

O motorista de pele negra e óculos de grau antigos colocou minha bagagem no porta malas e depois entrou no lado do motorista. Visivelmente nervoso, ele virou-se para mim com um sorriso.

— Não sei como devo chamá-la - ele disse - é vossa alteza? Ou vossa realeza?

— Na verdade, Mal está ótimo pra mim - disse com um suspiro

— Imagino que esteja sobre muita pressão... Mal, a maioria da população já lhe considera como rainha - o homem disse com um sorriso amigável - para onde devemos ir?

— Para o hotel Independence por favor

O homem virou-se para a direção e ajeitou os óculos, em seguida deu a partida e começou a dirigir. A chuva batia na lataria do carro fazendo um barulho, como se o mesmo estivesse sendo bombardeando por pequenas pedras. Tomei o tempo em observar o caminho pela janela.

O reino - ou pelo menos as ruas que eu estava vendo - era formado em sua maioria por casas médias e grandes, todas muito elegantes e bem projetadas, também vi alguns parques, enormes extensões de grama verde impecável cercadas por praças para caminhadas, além de áreas de lazer para as crianças, brinquedos enormes e muito bem cuidados.

O taxista me contou que o reino em si é pequeno, mas que em sua maioria é muito bem cuidado, o povo tem muito carinho por sua rainha Aurora e seu rei Filipe. Quando finalmente chegamos ao hotel, eu paguei a corrida e desci, o porteiro logo veio me ajudar com a mala.

O prédio era enorme e parecia ser banhado a ouro, mas acredito que seja só a pintura, cheio de grandes janelas de vidro, tão limpas e transparentes que ás vezes nem pareciam estar ali. A atendente me deu a chave do quarto, uma espécime de cartão com o meu nome e o número da porta. 104-C.

Entrei no quarto e pedi para que o rapaz deixasse no canto, depois ele ficou me olhando como se esperasse alguma coisa, mas eu só tinha levado cartões, nem se quisesse poderia lhe dar gorjeta. Quando estava finalmente sozinha, me joguei na enorme cama de casal, arrumada com um edredom macio e branco, bem quentinho.

Abracei um dos travesseiros e lembrei do meu noivo, como seria bom se ele estivesse ali naquele momento. Mas lembrei a mim mesma de que aquela viagem não era uma diversão, eu tinha que fazer o que tenho ido fazer e depois voltar para Auradon, o julgamento será daqui a a dois dias.

Resolvi ligar para ele, avisar que já havia chegado. Peguei o celular dentro da mala e o liguei, sem seguida disquei o número do Ben - um dos poucos que sei de cabeça - e esperei que ele atendesse, em três toques já pude ouvir sua voz.

— Alô? Mal?

— Oi Ben - eu respondi - acabei de chegar

— Que bom, como foi de viagem?

— Um pouco cansativo na verdade, mas deu tudo certo, já estou no hotel

— Fico feliz - ele disse - ahm... o que vai fazer agora?

— Espertinho você - eu disse rindo

— Não custa nada tentar - ele riu também - quando vou te ver de novo?

— Acabei de sair daí e já está com saudades? - brinquei - Amanhã sem falta

— Ok. Agora vou ter que desligar, Jane me trouxe uma pilha de papeis dos outros reinos e tenho que olhar todos até de noite

— Tudo bem - eu disse - eu te amo, tá?

— Eu também te amo, Mal - ele disse desligando o telefone

ALGUMAS HORAS DEPOIS

O táxi parou em frente a um enorme castelo dourado, como se fosse banhado a ouro. Um homem de paletó - que presumi ser o porteiro - veio abrir a porta para mim, eu paguei a corrida e desci. O mesmo homem me acompanhou até a entrada abrindo a porta para mim.

Quando entrei fui recebida por uma mulher de cabelos escuros e pele negra, ela deveria ter mais ou menos uns trinta e cinco anos. Com um sorriso e uma prancheta na mão, ela veio até mim e fez uma reverência. De inicio eu me surpreendi, pois as pessoas não costumam fazer isso, então retribui o gesto, mas ela me interrompeu.

— Não sou digna de tal gesto senhorita Mal, não sou da realeza

— Ah sim... desculpa?

— Desculpe a mim, eu que deveria tê-la informado antes

— Tá tudo bem - eu disse - qual o seu nome?

— Meu nome é Cloe, sou uma espécie de gerente do castelo do ex-rei Stefan e da ex-rainha Leah

— Leah... - eu sussurrei para mim mesma - ela está por aqui?

— Não senhorita, a rainha Leah se encontra na casa de sua família na capital

— Ah claro, que pergunta a minha - fingi - na verdade, eu vim falar com o rei Stefan

Cloe me levou por um corredor até uma espécie de sala de visitas, onde fez com que eu sentasse em um sofá marrom e me serviu um pouco de chá, mas eu perguntei se não tinha café ou um refrigerante, já que não sou muito fã de chá. Em poucos minutos ela me trouxe um pouco de café, mas estava tão ruim que eu apenas beberiquei.

Cloe sentou na poltrona a minha frente - ainda com a prancheta em mãos - cruzou as penas e me observou em quanto eu fingia beber o café. Quando coloquei a xícara na mesa de centro, alegando estar satisfeita, ela se pronunciou.

— Como a senhorita deve saber, rei Stefan já um homem de certa idade, nos últimos anos tem ficado muito doente, ele não sai muito do quarto ou do castelo - ela explicou - por isso eu fui contratada cuida de tudo para que ele e a rainha Leah não tenham que se preocupar com nada

— Eu fui informada - menti

— Então preciso saber que tipo de negócios a capitão quer com GoldLand, para que eu possa contatar o rei Filipe e a rainha Aurora

— Não tem nada haver com negócios - foi minha vez de explicar - é que... como futura rainha, eu quero conhecer o máximo de membros da realeza que eu conseguir, quero me apresentar, entende? O meu noivo, o rei Benjamin, achou a ideia formidável - eu até bebi um pouco mais do café horrível, tentando deixar aquela minha mentira descarada mais "verdadeira"

— Bem, se vai ser apenas uma conversa de apresentação não vejo problema algum - ela disse com um sorriso - vou ver se poderá atende-la agora, volto daqui a pouco

Cloe saiu em direção a uma grande escada de mármore, a qual subiu com destreza, em quanto a mesma não voltava fiquei repassando na cabeça o que eu falaria para Stefan. Não tinha preparado grande coisa, a maioria vai sair de improviso, mas dessa vez irei conseguir informações que sirvam para alguma coisa.

Depois de passados longos minutos, quando o "daqui a pouco" já estava se tornando uma inverdade, Cloe volta e pede para que eu a acompanhe. Segurei no corrimão em quanto subia a escada, firmando bem os pés a cada passada, tudo para não cair daquela altura e morrer, já que Ben não estava ali para me segurar.

Acompanhei Cloe por um longo corredor, ao final dele havia uma porta marrom grande e solitária, ela a abriu e fez um gesto para que eu entrasse primeiro. O quarto tinha cheiro de remédio e coisa velha, bem diferente do restante da casa, mas ainda assim estava muito bem arrumado. Enormes cortinas cobriam qualquer tentativa de entrada de luz, o carpete era escuro e as paredes tinham detalhes em dourado, os que acreditei serem apenas detalhes de tinta e não ouro de verdade.

No centro do quarto havia uma cama de casal enorme, vestida uma colcha azul berrante, nela estava deitado um homem. Cloe entrou logo depois de mim, acendeu a luz e se aproximou da cama, chamando-o.

— Rei Stefan? - ela disse - Essa é a futura rainha de Auradon, noiva do rei Benjamin, ela veio conhece-lo

Cloe deixou a cama e veio até mim, dando um sorriso sem dentes e pegando sua prancheta, a qual havia deixado em cima de uma pequena mesa de canto.

— Talvez ele não lhe reconheça - ela disse - e talvez também diga algumas coisas sem sentido, mas só o fato de você ter vindo até aqui já é uma coisa louvável - ela disse - ninguém vem visita-lo ultimamente, fico feliz que a futura rainha de nosso país seja tão boa e sensível

Eu apenas sorri com aquele elogio inusitado, mesmo tendo a consciência de que meus motivos para estar ali eram bem diferentes e que, se não fosse por eles, nunca teria pisado naquele castelo.

— Vou deixa-los á sós - Cloe disse, fechando a porta ao sair

Me aproximei da cama e vi uma cadeira próxima ao criado-mudo, a puxei e me sentei de frente para o homem de barba meio branca meio escura, mas antes que eu falasse qualquer coisa ele me olhou com os olhos arregalados, cheguei até a cogitar a ideia de chamar Cloe novamente.

— Malévola?! - ele perguntou com um voz rouca, porém firme e forte - O que está fazendo aqui?!

— Não sou a Malévola - respondi, rezando para que Cloe não tivesse escutado - sou a filha dela, Mal

— Filha? A minha secretária disse que a futura rainha tinha vindo me visitar

— Me casarei com o rei Benjamin dentro de algumas semanas - expliquei - ninguém lhe disse nada?

— Há muito tempo que ninguém me diz nada menina - ele disse com uma voz ríspida - mas me lembro que o Ben resolveu trazer as porcarias da Ilha para o nosso país, se eu não estivesse tão velho, o tiraria do trono e assumiria eu mesmo - ele tossiu no meio daquela frase - meu primeiro decreto seria mandar todos de volta

— Acho que foi por isso que o senhor não foi eleito rei de Auradon e sim o rei Adam - retruquei

— Aquele paspalho só ganhou por conta daquele ridículo discurso, comovendo o povo com dizeres de paz e humildade, tudo mentira! - Stefan tossiu novamente, colocando a mão na boca - O filho não é muito diferente, não é mesmo? Um completo inconsequente, quem já se viu colocar alguém da Ilha como rainha, isso é uma loucura

— Não sei se o senhor conhece o que é o amor, mas é o que eu e o Ben temos, não nos importamos com o que o senhor acha

— Veio até aqui pra isso? Me insultar?! - ele elevou o tom, se eu continuasse o provocando logo Cloe voltaria e minha chance de conseguir alguma informação iria por água abaixo

— Não - disse - vim até aqui para obter informações

— Informações? Que tipo de informações você quer? - Stefan indagou

— Um... amigo me contou que você esconde um segredo sobre Malévola

O velho começou a rir, mas acabou se engasgando no meio do caminho, em seguida me lançou um olhar fulminante, como se a qualquer momento fosse avançar em mim e me matar.

— E o que faz você pensar que eu lhe contaria algo do tipo? Malévola está na ilha, junto com todo o passado imundo dela

— Creio que lhe escondem muito mais do que pensa - eu disse - Malévola está na capital

— Na capital?! - ele gritou, ajeitando-se na cama, tentando ficar mais sentado do que deitado - E quem ordenou que a trouxessem?! Que tipo de loucura Benjamin está fazendo dessa vez?!

E ele começou a ficar vermelho, seus olhos esbugalhados em minha direção pareciam conter labaredas de fogo, as veias de seu pescoço estavam dilatadas. Stefan começou a gesticular com os braços, em quanto gritava.

— Eu deveria tê-la matado quando pude! Mas me contentei com aquele lenhador idiota e aquele garoto lazarento! Deveria tê-la transformando em pó quando pude! Mas se ela pensa que vai conseguir vingança depois de tanto tempo, ela está enganada! Meus guardas estão preparados! - a cada sentença ele ia ficando mais e mais vermelho

— De quem você está falando? Lenhador?! - também gritei, mas ele já não escutava mais

— Esse foi um erro terrível que cometi! Deixar ela viva por todos esses anos! Acreditei que a Ilha acabaria com ela, mas me enganei! Ela sobreviveu e ainda por cima teve uma filha que se tornará rainha do país onde eu vivo, vejam só que ironia! Cloe! Cloe! - ele gritou pela secretária - Chame os guardas! Prepare-os em frente ao castelo! A guerra vai começar! A guerra vai começar!

Me levantei e me afastei da cama, aquele velho estava descontrolado. Cloe entrou correndo com mais duas pessoas vestidas de branco, quem eu logo descobri serem enfermeiros, pois um deles estava segurando Stefan em quanto o outro aplicava uma medicação.

Cloe me acompanhou para fora do quarto quase correndo, ela estava visivelmente nervosa e assustada, fiquei com pena dela, do jeito que Leah é, possivelmente aquele seria o último dia de trabalho dela.

— Me desculpe alteza - ela disse - acho que foi muita emoção pra ele, sinto muitíssimo

— Não, está tudo bem - tentei reconforta-la - eu que não deveria ter vindo

— Ofereço o nosso melhor carro para leva-la de volta ao hotel como um pedido de desculpas por todo esse transtorno

— Eu prefiro ir de táxi, mas obrigada

Saí daquele sanatório o mais rápido que minhas pernas me permitiram, quando cheguei na entrada pedi a um dos mordomos que me chamasse um táxi. Quando o taxista chegou, pulei dentro do carro e o mandei ir o mais rápido de volta para o hotel, queria sair daquele local logo.

HOTEL INDEPENDENCE - GOLDLAND

Abri a porta com o cartão a fechando em seguida, ainda tentando digerir tudo o que Stefan havia me dito ou melhor, gritado em minha direção. Quem seria esse tal lenhador? E o que ele quis dizer com "deveria tê-la matado quando tive a chance"? Em algum momento ele teve a oportunidade de mata-la?

E quem seria esse tal "garoto lazarento"? Será verdade ou alguma invenção sem sentido como Cloe disse que ele poderia fazer? Eu estava com muitas perguntas e minha cabeça já estava fervendo, conseguia sentir todas as veias trabalhando a enorme pressão. Tudo ficou ainda mais confuso, a todo canto que vou, todos que procuro, só me trazem mais e mais perguntas, nunca nenhuma resposta. Que tipo de passado tão tenebroso minha mãe teve?

Naquele momento, quando eu estava andando de um lado para o outro do quarto com a mão na cabeça, uma ave enorme e preta pousou no peitoril da janela, quase desmaiei com o susto. Mas, antes que pudesse ter qualquer tipo de reação, a ave soltou um grito fino que ecoou por todo o quarto e em seguida caiu no chão do quarto.

Eu dei um pulo para trás, batendo as costas na porta do banheiro, não dava para me afastar mais, mas mesmo assim eu tentava. A ave começou a se debater, como se tivesse sofrendo uma convulsão ou coisa do tipo. Apenas fiquei observando tudo, completamente sem reação, meu coração batia forte no peito e minha respiração trabalhava em um ritmo inconstante.

Tentei usar magia, mas o desespero do momento não me permitiu lembrar de nenhum feitiço, então estiquei a mão até um vaso próximo, já me preparando para joga-lo contra aquela coisa. Até que os espasmos do animal começaram a ficar menos frequentes e seu corpo começou a aumentar de tamanho, ficando cada vez mais e mais maior.

Aquilo já era motivo suficiente para eu sair correndo dali, mas - por algum motivo - sentia que deveria ficar. Do pássaro acabou surgindo um homem, mas não qualquer um, o mesmo homem que me entregara o cartão da loja de magia. Aquele era o homem que disse se chamar "senhor D.".

— Não se assuste - ele disse levantando as mãos, pedindo calma - sou eu

E ele sorriu no final, mas eu apenas permaneci o olhando, meus batimentos ainda descontrolados.

— Acredite em mim, eu queria que você soubesse de um jeito diferente, mas não tive escolha - ele disse em um tom de arrependimento - sua mão precisa de você, Mal

— Malévola? - finalmente falei - O que tem ela?

— Malévola prende fugir da penitenciaria e ela planeja fazer um grande estrago, você precisa voltar e convence-la a desistir pois, caso o contrário, ela jamais vencerá o julgamento e... será executada

Meu coração apertou, não podia permitir que aquilo acontecesse. Não vou permitir.

— Quem é você? - perguntei

O homem suspirou, pensando se deveria me responder ou não, mas - acredito que devido a gravidade da situação - acabou o fazendo.

— Meu nome é Diaval