Enquanto corria pela floresta ao lado de Minho, as palavras ditas pelas crianças minutos atrás zumbiam dentro da cabeça de Thomas.

– Ela se machucou bastante.

– Está sangrando muito.

– Já desmaiou duas vezes e não conseguem fazer ela ficar acordada.

Ele não precisou ouvir mais nada, levantou-se e saiu correndo.

Quando chegou a região das cabanas, não foi preciso dizer nada, todos sabiam para onde ele desejava ir e apenas lhe apontaram o caminho.

Brenda estava na cabana destinada a ser uma espécie de enfermaria, que até o momento só tinha recebido pacientes com problemas básicos, como torções e cortes, mas agora recebia seu primeiro caso realmente grave.

Assim que entrou no recinto, Thomas foi empurrando as pessoas para o lado a fim de abrir caminho até Brenda e quando a alcançou percebeu que não aguentaria perder mais alguém que amava.

Sobre uma maca improvisada feita de bambu e couro de animais estava Brenda, inconsciente, enquanto Caçarola tentava acordá-la chamando-a sem parar e Jolie limpava-lhe o corpo ensanguentado.

Era tanto sangue que Thomas não conseguia encontrar onde estava o ferimento. Ele queria fazer perguntas sobre o que acontecera e o estado dela, mas não conseguia, sua língua parecia pesar demais e o nome de Brenda repetido sem sessar por Caçarola o estava enlouquecendo.

Percebendo o estado de Thomas, Minho tratou de explicar o que aconteceu.

– Ela subiu no alto daquele pico perto do lago para pegar a bola que uma das crianças jogou alto demais, escorregou e caiu.

– Mas não é tão alto e tem o lago, ela não teria porque se machucar tanto – argumentou alguém atrás de Thomas.

– Sim, mas o pico fica próximo àquela parte mais rasa do lago, ela pegou velocidade quando caiu e bateu no fundo rochoso do lago, por isso...

E antes que Minho pudesse continuar, Thomas recuperou-se do choque. Brenda precisava que ele fosse o mais controlado possível.

– Esse lugar está cheio demais. – disse virando-se para todos que estavam amontoados na entrada. Sei que estão preocupados, mas acho melhor que saiam. Minho, Caçarola e Jolie, vocês ficam, os demais, qualquer novidade nós avisamos, voltem para suas atividades, por favor.

Acostumados a receberem ordens de Minho, todos olharam para ele buscando uma resposta.

– Façam o que ele disse – pediu. – Brenda precisa encontrar esse lugar funcionando como sempre quando se recuperar.

Todos o obedeceram e Thomas fechou a porta, assim que todos saíram.

– Jolie, onde é o ferimento? – perguntou ele colocando-se ao lado da maca.

A garota o encarou como se a pergunta fosse difícil demais para ser respondida e Thomas teve vontade de ir ele mesmo atrás de cada ferida, mas a ideia de tocar Brenda naquele estado o encheu de angústia.

– Caçarola?

O cozinheiro não pareceu feliz com a tarefa, mas disse a Thomas os locais atingidos no corpo de Brenda. Havia um corte de aproximadamente vinte centímetros nas costas, perto do ombro direito, um corte pequeno e profundo atrás da orelha direita, o tornozelo esquerdo parecia quebrado, assim como dois dedos da mão direita. Além disso, havia inúmeros pequenos cortes e arranhões por todo o corpo, Caçarola diz achar que ela deslizou pelas rochas da montanha até cair na água.

Jolie parecia eficiente na tarefa de limpar o sangue no corpo de Brenda, mas Thomas não conseguia entender, porque era preciso trocar as ataduras tantas vezes, nenhum corte parecia tão profundo a ponto de não parar de sangrar.

– E o que mais? – ele perguntou se dando conta de que algo ainda não fora lhe dito.

– Como assim o que mais? – quis saber Minho.

– Jolie está nervosa demais, todos estavam. Embora, entenda que Brenda se machucou bastante, aparentemente, nada parece irremediável e por que... – foi quando ele reparou em Jolie colocando mais uma atadura em volta da cintura de Brenda. – O que é isso?

– Ela está com um machucado aí também – respondeu Jolie com a voz titubeando.

Thomas olhou para Caçarola e Minho, buscando qualquer explicação melhor, mas não encontrou, então, jogou os braços sobre o corpo de Brenda e buscou as próprias respostas.

– Acham mesmo que podem esconder as coisas de mim? – sua voz demonstrava tanto medo, que ao ouvi-la temeu entrar em pânico com o que pudesse estar prestes a ver.

Ninguém disse nada até que ele terminasse de desenrolar as ataduras da cintura de Brenda.

– Parece que alguma lasca de rocha perfurou a barriga dela, demorou para que conseguíssemos conter o sangramento.

As palavras de Caçarola soavam distantes, pois Thomas não conseguia concentrar-se em nada mais que não fosse o rasgo na barriga de Brenda e no sangue que escapava por ele.

– Isso precisa ser costurado, ela precisa... ela precisa...

Minho aproximou-se e o afastou da maca, Thomas estava tão perplexo e assustado que não relutou.

– Nós precisamos ajudá-la.

– Eu sei, meu amigo. Já foram atrás do Jorge, ele saiu cedo para caçar e disse que talvez passaria a noite na floresta, mas precisamos dele aqui, ele é mais velho e pode ter algum conhecimento de medicina que nós não temos, ele deve estar chegando.

– Mas, Minho, e se ele demorar? E se não o encontrarem?

– Esperaremos mais um pouco e se ele não aparecer, nós mesmos cuidaremos disso.

– Isso. Eu posso ajudar, eu posso...

– Você não está em condições de ajudar, Thomas.

– Mas...

– O certo seria que saísse daqui, mas sei que seria pedir demais, então, fique sentado aqui no canto onde poderá observar a movimentação e ficar próximo a Brenda, do resto, nós cuidamos. Se puder dormir um pouco, tenho certeza de que lhe faria muito bem. Brenda vai precisar de você quando acordar.

No futuro, Thomas se lembraria dos acontecimentos daquele dia como um borrão. Ele ficou no canto da cabana observando tudo. Brenda desacordada, enquanto Jolie mantinha seu corpo frio com compressas de panos molhados e eventuais bacias d’água jogadas diretamente em seu corpo, aparentemente, havia febre e isso significava uma provável infecção, o que evidenciava a gravidade da situação. Logo Jorge chegou, lhe lançou um olhar de preocupação, seguido de um sorriso forçado de otimismo e voltou sua atenção para Brenda. Pelo jeito não sabia de medicina quanto esperavam, mas foi o corajoso que fechou todos os ferimentos de Brenda com agulha e linhas improvisadas, e fogo. Assim que terminou, saiu da cabana, mas antes sorriu para Thomas e agora não parecia forçado, talvez significasse que ele sabia que sua amiga ficaria bem.

O dia já havia acabado e um novo começava com luz entrando na cabana pelas brechas da construção.

Thomas não conseguira dormir um minuto sequer e quando Caçarola lhe trouxe algo para comer, não estava com fome.

– Precisa comer. Não vai ser nada legal a Brenda acordar e você não ter energia para lhe dar todas as broncas que ela merece.

– Todos parecem muito confiantes na recuperação dela. – Eram suas primeiras palavras depois de quase um dia inteiro, estavam arranhando sua garganta.

– E porque não estaríamos? Todos sabem o quanto Brenda é durona e, também, Jorge fez um bom trabalho ontem.

Em resposta ao amigo, Thomas meneou a cabeça. Em seguida se levantou e caminhou até Brenda. Devia fazer quase duas semanas que não a via e mesmo pálida e ferida, sua beleza ainda o desestruturava.

Lembrou-se de quando a viu pela primeira vez, de como ficara surpreso por ver uma Crank ainda tão bonita. Ela lhe causara medo a princípio, mas logo percebeu que poderia contar com ela e é tudo que vinha fazendo desde então, contar com ela, para tudo.

Queria tocá-la, mas ela parecia tão frágil que parecia que qualquer movimento poderia quebrá-la. Além disso, ele não estava se sentindo muito digno de muita coisa, depois de ter enfraquecido quando ela mais precisava dele. O que tinha acontecido com ele? Sempre fora tão determinado e, até então, tinha conseguido deixar as emoções de lado para fazer o que precisava ser feito. Mas na noite anterior, depois de uma ínfima demonstração de racionalidade, bastou ver o ferimento mais grave que toda sua força se esvaiu e só conseguia pensar que estava perdendo Brenda, que ela não conseguiria e que o deixaria. Essa certeza o dominou por completo e não conseguiu controlar o próprio corpo, se não fosse Minho isolá-lo e Jorge aparecer para fazer o trabalho difícil, Brenda não teria nenhuma chance e ele seria o único responsável por isso.

Jorge apareceu na entrada, no momento em que Caçarola saía, e Thomas sentiu vergonha de si mesmo, não conseguia se perdoar por ter sucumbido ao desespero.

– Obrigado por tê-la ajudado, Jorge.

– Não fiz nada que qualquer outro não faria, muchacho.

Thomas bufou.

– Não vejo como um fedelho tremendo e atônito podia ter feito algo para ajudar.

Jorge se aproximou e o tocou no ombro.

– Não seja tão carrasco com você mesmo. Brenda é importante para você, é normal que ficasse assustado.

– Ela é importante para você também e não te vi no meu estado.

– E quem é que reage da mesma forma a tudo? Você é só um garoto mais sensível.

A risada contida de Jorge parecia tão deslocada, mas fez Thomas sentir-se melhor.

– Ela vai ficar bem, não é?

– Claro que vai. Brenda é ou não é a garota mais forte que já conheceu?

– Sim, ela é – concordou Thomas enquanto via essa certeza em cada traço do rosto dela.

Por um momento Jorge não disse nada e Thomas começava achar que ele tinha se retirado, quando voltou a falar.

– Sabe o que seria bom mesmo, muchacho?

– O que?

– Que você tivesse boas notícias para dar à Brenda quando ela acordar.

– Que espécie de boas notícias?

– Ora, você sabe. – disse Jorge se afastando até a saída - Eu disse para beijá-la, mas acho que a possibilidade de perdê-la para sempre pode ter surtido algum efeito também.

E mais uma vez, Jorge saiu e deixou Thomas tendo que digerir suas palavras.