Tudo O Que Sabemos

Resistir ao Futuro


Mulder podia dizer sem medo de errar que ainda sentia exatamente o mesmo que sentia pela Scully atual - ou a Scully de seu tempo, como estava se acostumando a pensar nela. A atração era a mesma e ele estava ciente de ter cedido no momento em que ela o procurou preocupada com as marcas de mosquito nas costas; mesmo que não devesse arriscar, tinha se aproveitado para abraçá-la e sentir seu calor.

Mas, então, enquanto a admirava no Diner na outra noite, ele tinha percebido que talvez aquela fosse sua chance de afastar Scully de si, de fazê-la fugir e se salvar enquanto ainda podia. Era uma chance para salvá-la de todos os danos que causaria a ela no futuro. E era isso o que mais o atormentava no momento. Especialmente porque ela o estava encarando sem lhe deixar qualquer saída.

Alguns dias tinham se passado desde “a troca”, como Mulder estava se habituando a pensar no ocorrido. A investigação no Oregon já tinha sido encerrada e os dois estavam prestes a voltar para Washington. Se nesses últimos dias ele tinha conseguido com sucesso evitar continuar A Conversa, agora já não era mais possível. A parceira tinha aparecido à porta do seu quarto sem prévio anúncio justamente quando planejava começar a fazer as malas para partirem.

No momento, estavam de pé no meio do mesmo quarto de hotel onde tinham dado início à conversa mais difícil que ele pensou que algum dia teriam. Scully estava visivelmente cansada, irritada e confusa.

“Mulder, você está estranho desde aquela noite em que o carro parou na estrada. De lá pra cá você vem agindo de modo esquisito… dizendo coisas estranhas. Muito mais estranhas do que as que dizia antes. Eu não consigo entender você...” ela falou, sentindo-se absolutamente impotente, quase chorando, gritando de confusão.

Ele estendeu a mão e acariciou-lhe o rosto ternamente. Num gesto ousado, abraçou-a e pediu com voz calma, “Se acomode, por favor.”

Mulder a guiou pela mão, Scully sentou-se sobre a cama lembrando-se da noite em que apareceu assustada com as marcas nas costas e ele tinha feito o mesmo, guiando-a até a cama e tentando acalmá-la. Agora, sentando-se ao seu lado no colchão, ele olhava atentamente para ela.

Mas assim que Mulder se sentou e a encarou, ele percebeu que não conseguia continuar sustentando o olhar, que não podia dizer o que tinha de dizer olhando para o rosto bonito e delicado, seu velho conhecido. Então, ergueu-se e andou até a mesinha perto da janela. De costas para Scully, olhou a chuva lá fora batendo contra o vidro, exatamente como naquela outra noite.

“Por que você se meteu nisso?” ele finalmente falou.

“Nisso o quê?” Scully perguntou, confusa.

“Por que aceitou trabalhar comigo?”

“Bem, eu fui designada pelo Chefe de Seção, o Blevins” ela respondeu, como se fosse óbvio. “Mas eu também aceitei porque achei que seria interessante trabalhar com você.”

“Mesmo?” ele riu sem querer.

“Sim. Eu fui convidada a trazer uma luz científica sobre as investigações dos Arquivos X. Eu sou uma cientista, achei que seria uma oportunidade interessante, profissionalmente falando.”

“Tem noção dos perigos que assumiu quando aceitou esse encargo, Scully?” Mulder, por fim, virou-se de frente para ela e atreveu-se a encará-la novamente.

“Eu sei dos perigos da profissão desde que entrei na Academia do FBI.” Ela sustentou o olhar com ar de desafio.

Mulder balançou a cabeça. “Não isso. O seu trabalho comigo, nos Arquivos X.”

“Não creio que seja mais arriscado do que o trabalho em qualquer outra Seção do Bureau” ela respondeu com inocência.

Mulder sentiu-se na obrigação de alertá-la. De contar toda a verdade enquanto ainda havia tempo.

“Scully, eu lhe disse na outra noite. Eu não sou deste tempo e sei o que vai acontecer a você – a nós dois – a partir daqui. Só quero evitar o pior.”

“Você está fazendo tudo isso para me afastar, não é?” ela ergueu o queixo num gesto inconsciente de auto-defesa. “Porque não queria trabalhar comigo ou com outro agente desde o começo. Eu percebi que prefere trabalhar sozinho. Mas eu aviso, Mulder, não sou de desistir. Fui designada para a Seção dos Arquivos X para trabalhar com você e, mesmo que não goste, não vou desistir.”

“Você está entendendo tudo errado” ele sentia a impotência diante da situação aumentar.

“Ah, é? E como eu deveria entender? Você inventa uma história mirabolante dessas para tentar me assustar como assusta os outros agentes. Criou essa aura de Sinistro Mulder em torno de si para manter as pessoas afastadas, eu já percebi. Mas comigo não vai funcionar, desista.”

“Não é isso, Scully” Mulder disse, angustiado por não conseguir fazê-la entender de uma vez por todas. “Eu não quero que você se machuque.”

“Então pare de tentar me repelir” ela pediu, exasperada. “Eu não vou a lugar nenhum, Mulder. Vou ficar do seu lado, nos Arquivos X. Não sou sua inimiga, não faço parte de nenhuma agenda, nenhum plano para acabar com sua carreira. Tem que acreditar em mim.”

“E você em mim” ele quase gritou, aproximando-se da cama onde Scully estava sentada e encarando-a com firmeza numa última tentativa desesperada de se fazer compreender. “Desista desta posição enquanto é tempo. Se afaste de mim ou sua vida vai se tornar um caos, Dana! Você vai perder tudo o que mais preza: amigos, família, saúde, um filho… o nosso filho.”


Foi nesse momento que Scully sentiu o estômago afundar ao ver as lágrimas brilhando nos olhos dele. Não, ele não estava mentindo. Nem inventando histórias para assombrá-la. Ele estava sendo sincero. E sofrendo sinceramente por isso.