Acordei animada aquela manhã. Talvez fosse pelo fato que não teria aula. O que era praticamente um milagre. Então eu tinha que aproveitar. Pensei em gravar vários vídeos, fazer mil posts para o blog, editar conteúdo. Mas não fiz nada disso. Adivinhem só o que eu fiz? Arrumei a casa.

− Manu, você está bem? – Lucas acordou quando eu estava quase terminando a faxina no apartamento. Ele também não tinha aula. Ninguém teria.

− Eu estou ótima! – Abro meus braços e o abraço com forças total. Quando me afasto ele me olha com espanto, com aquela cara amassada fofa de sono.

− Não tenho certeza se estou vendo direito, pois sou míope e ainda não coloquei meus óculos. – Ele esfregou os olhos. – Mas.... Você arrumou mesmo a casa?

− Arrumei! E nem precisei da sua ajuda dessa vez ou das suas broncas. Eu limpei o chão, lavei toda a louça, tirei o pó dos moveis, coloquei as roupas para lavar...

− Nossa! Estou impressionado. – Ele sorriu. – Você não quer aproveitar e arrumar minha cama também?

Dei um tapa em seu braço.

− Não, seu folgado!

Lucas riu e foi até o banheiro fazer suas higienes básicas.

− Estava pensando em comer fora hoje. O que você acha? Mas tem que ser cedo. Porque eu ainda tenho que trabalhar! – Lucas sugeriu assim que saiu do banheiro.

− Só nós dois?

− Sim, ué. Não sei o porquê da surpresa. Eu estou me esforçando para sermos o que era antes.

− Eu sei, eu sei. É só que ainda é difícil para mim olhar para você e não te ver com a Helena grudada o tempo todo no seu pescoço.

− É tão sério assim? – Perguntou ele, preocupado. Lucas se serviu de leite gelado e se sentou na bancada. – Toda vez que você olha para mim você vê a Helena?

− É, mais ou menos. Vocês ficam tão grudados o tempo todo que é como se tivessem virado um só.

Ele pareceu horrorizado com a minha sinceridade.

− Mas porque a surpresa? Eu pensei que essa fosse a intensão.

− Não! De jeito nenhum. Não é certo. Eu não quero que ela seja um complemento meu e eu o dela.

− Porque não? Vocês não se amam?

− Amar é uma palavra forte, Manu. E parece cedo para dizer uma coisa assim. Mas eu quero ser o Lucas, sabe? Quero continuar sendo eu mesmo. O Lucas de sempre. Não quero ser o Lucas-barra-Helena.

− Se isso te preocupada tanto, acho que você deveria ter uma conversinha com ela. Porque não parece que ela pense assim também.

− É, você tem razão. – Lucas terminou seu leite e se levantou. Parecia decidido. – Vou falar com ela.

− Agora?! Mas e o nosso almoço?

− Ah, é verdade. Nosso almoço. Então vai logo se arrumar. – Ele deixou a cara emburrada de lado e sorriu. – Em uma hora estaremos de saída.

Fiz sinal de positivo e corri para o banheiro para tomar um banho.

Para o nosso almoço escolhi uma sainha cintura alta em tons de azul e uma blusinha de alça na cor amarela. Para os pés rasteirinhas e para o cabelo um coque clássico.

Fiz questão de tirar uma selfie nossa antes de sair para postar no Instagram e mostrar para os leitores que ao contrário do que eles pensavam, Lucas e eu estávamos bem.

Lucas me levou a um restaurante mexicano que costumávamos frequentar muito no ano passado. Como estava muito calor, nos sentamos na área externa.

− Senti saudades desse lugar. – Comentei enquanto olhava o cardápio. Mas eu já sabia exatamente o que pediria. O mesmo de sempre: burritos e uma soda com gelo.

Perguntei ao Lucas como estavam as coisas no trabalho quando nossos pratos chegaram. E só então ele começou a me dizer que estavam cheios de coisas para fazer, pois foram contratados para fazer algumas ilustrações para um livro.

Ele estava todo empolgado de fazer parte um grande projeto.

Nosso almoço só não foi perfeito, porque ele teve que sair logo para ir para o trabalho. E eu voltei para casa de carro e fui direto para o treino de boxe.

Yuri já estava à minha espera e me roubou um beijinho quando ninguém estava vendo. No final da aula ele me pediu para passar a noite com ele, mas dessa vez eu tive que recusar, pois achei que estávamos indo um pouco rápido demais.

Eu precisava de um pouco de espaço.

Tinha acabado de sair de um relacionamento nada agradável.

− Ei, o que foi? – Lucas entrou no meu quarto assim que chegou como ele sempre vazia. – Você estava tão feliz hoje mais cedo e agora está com essa carinha.

É, eu tinha mesmo dado uma desanimada de uma hora para a outra.

− Você não está...? – Lucas olhou para a parede, onde estava grudado meu calendário.

− Não. Não estou de TPM, Lucas. – Tive que rir. – Eu só estou cansada, eu acho.

Quando ele sentou na cama, eu coloquei minha cabeça em seu colo para ele me fazer um cafuné.

− Não vai me dizer que você ainda pensa naquele idiota do seu ex-namorado.

Ele acertou em cheio!

− É, eu penso nele as vezes. Não consigo evitar! Ele foi um marco especial na minha vida. Pelo menos enquanto durou.

Eu queria dizer a ele também que Yuri e eu estávamos tendo algo secretamente. Mas não tive coragem.

− Quer saber? Vamos sair de novo.

− Mas você não ia conversar com a Helena?

− Não hoje. Talvez amanhã.

Eu me sentei surpresa.

Algo tinha mudado.

E não era só em mim, era entre Lucas e Helena.

− Aonde vamos? – Perguntei seguindo-o até seu quarto. Lucas abriu os botões da camisa e a tirou. Depois vestiu uma camiseta preta que combinava perfeitamente com seus óculos.

Eu já visto ele sem camiseta algumas vezes. Ele é magro e tem uma barriga seca e lisinha. Nada muito extraordinário como o Yuri. Mas um corpo que combinava perfeitamente com ele. Eu, particularmente, não acrescentaria e nem tiraria nada.

− A caminho de casa vi uma feirinha noturna algumas ruas atrás. Acho que você vai gostar. Vamos lá?

Eu estava com a mesma roupa de hoje mais cedo, mas não me importei. Apenas troquei os chinelos por sapatilhas.

A feirinha era a noite, mas estava bem movimentada. As pessoas andavam livremente entre as barraquinhas de comida com seus filhos, parceiros e cachorros.

− Que tal um pastel? – Lucas pegou a minha mão e nós entramos na fila do pastel. − Já sei! Pastel de queijo?

− Exatamente! E para você um de calabresa acompanhado de um caldo de cana com limão?

Lucas assentiu e nós rimos.

Tantos anos de convivência dava nisso.

Depois que pegamos nossos pastéis e caldos de cana, andamos por aí para ver o movimento.

O clima era de diversão.

Minha tristeza evaporou no mesmo instante.

− Nossa, Lucas! Você está todo sujo. – Depois de conter o riso, eu tentei limpar o rosto dele das migalhas.

Quando meus olhos encontraram os seus, foi como se tivesse acendido uma pequena faísca dentro deles.

Não sei bem o que aconteceu.

Mas eu não desviei o meu olhar. Continuei olhando fixamente para ele, tentando entender o que estava acontecendo ali. Não era algo que eu podia explicar em palavras. Nem tinha me dado conta de que todo esse tempo eu mal respirava. Era como se eu tivesse esquecido de como respirar normalmente.

− Vamos nos sentar ali. – Lucas disse rouco, apontando para um banco afastado.

Voltei a respirar normalmente enquanto o acompanhava até o tal banco.

− Eu sei que perder o Kevin mais uma vez foi doloroso. Eu não desejo que você passe por isso de novo. Você não merece! Ele não soube te valorizar. Eu acho que nesse momento você não está preparada para ter um novo relacionamento. Deveria dar um tempo com essas coisas.

Porque ele tinha que ser tão sábio?

Tão sensato?

E saber as coisas certas a dizer nos momentos certos?

− Você tem razão, Lucas. Eu não quero ter um relacionamento sério nem tão cedo.

− Não estou dizendo que você não deva mais se relacionar com ninguém. Não é isso, Manu. Não entenda errado. O que eu quero dizer é que você precisa de um tempo. Mesmo que curto. E pensar sobre o que você realmente quer de uma pessoa ao ponto de entregar seu coração novamente.

É, fazia todo sentido.

Eu já deveria ter aprendido isso da primeira vez: Não sair entregando meu coração por aí no primeiro minuto só porque acho que amo muito alguém. Da próxima vez eu preciso ter certeza antes de colocar tudo nas mãos de outra pessoa.

Ou então parar com essa mania chata de depender sempre de alguém para ser feliz. Ser mais segura, mais dependente. Amar mais a mim mesma. E não depositar toda a minha felicidade nas mãos de uma pessoa que eu mal conheço e esperar tanto dela.

Acho que entendi que o Lucas queria me dizer, mas não conseguiu de uma forma. Era estranho precisar dele para finalmente aprender o que eu já deveria ter aprendido sozinha há muito tempo.

− Quer mais alguma coisa? – Perguntou ele, me puxando de volta a realidade.

− Um doce, talvez. – Sorri e peguei a mão dele para irmos juntos atrás desse tal doce.

Peguei uma salada de frutas com apenas morango, uva e kiwi e joguei chocolate ao leite em cima.

− Você não sabe o que está perdendo. – Comentei em tom de brincadeira quando já estávamos voltando para casa.

Lucas não era tão fã assim de doces.

Não como eu.

− Essa é uma das melhores coisas do mundo, Lucas.

− O.k. Você venceu. Me dá um pouco disso aí, vai.

Paramos na calçada vazia.

Eu enchi a colherzinha minúscula e levei até a boca dele.

− E aí, o que achou?

− É bom. Muito bom! Só não tão bom quanto está na sua companhia numa noite tranquila como essa.

Trocamos uma série de sorrisos.

Lucas passou os braços pelos meus ombros me puxando para mais perto.

− Eu senti falta disso, sabia? De ouvir essas coisas vindas de você.

− Não vai acontecer de novo. Eu não vou mais ficar tão longe de você. Eu prometo!

Eu sabia que suas promessas não eram garantia de nada. Afinal, nós nunca sabemos o que esperar do futuro. Mas pelo menos por agora suas promessas eram a esperança de um futuro cheios de momento simples e especiais como esse entre nós.