Três Formas de Amar

Arremesso de controle.


Faltei os últimos dois treinos. Ainda não conseguia olhar na cara do Yuri e saber que ele pouco se importava com meu trabalho. Ele não levava o que eu fazia a sério. E isso era muito difícil de aceitar vindo de uma pessoa que se tornou tão especial em tão pouco tempo.

Também não respondi suas mensagens ou telefonemas. E muito menos fui vê-lo ou me encontrar com ele em seu apartamento. Nem mesmo que fosse para a gente não tocar no assunto e só se pegar e trocar caricias. Não parecia certo. Não era só exatamente isso que eu esperava dele.

Yuri parece não ter entendido a gravidade da situação. Parece que para ele tudo não passa de uma grande brincadeira. Ele continua me procurando como se tudo estivesse bem. Mas não está. Não nesse momento. E não é só frescura ou drama.

Será que ele não percebeu o quanto aquilo me afetou? O quanto mexeu comigo e me fez sofrer?

Ele poderia ao menos ter pedido desculpas. Ou tentado reverter o que disse ou o que insinuou. Mas nem mesmo isso eu parecia merecer. E eu não sou do tipo de pessoa que consegue fingir que nada de ruim está acontecendo. Porque eu sei que está. E quero que percebam isso sem eu precisar ficar falando e tendo a sensação que estou fazendo drama ou enchendo as pessoas com meus problemas.

Passei dias pensando nessas coisas.

Já o Lucas e Helena pareciam ter se entendido ou quase isso e agora, nesse momento, estavam na sala vendo TV. Mas não parecia tão conectados quanto antes. O que me fez pensar que eles ainda não tinham resolvido aquele probleminha em particular de ainda não terem dormido juntos.

Mas o que é que eu tenho a ver com isso?

Isso mesmo: N-A-D-A.

Aproveitei meu tempo para começar a gravar um vídeo e provar para os haters– palavra de origem inglesa e que significa "os que odeiam" ou "odiadores" na tradução literal para a língua portuguesa – que eu era sim capaz de passar por tudo isso e continuar meu trabalhado fingindo que nada do que eles disseram me afetaram.

Ninguém precisava saber que eu tinha sofrido e chorado um dia inteiro por causa dos tais comentários cheios de ódio. Mas tive que, pelo menos, agradecer as pessoas que me acompanham pelo carinho, pelo apoio, por tentarem me defender e me ajudar mesmo à distância.

Eu tinha um carinho muito especial por cada pessoa.

− Isso não está mais dando certo, Lena. – Ouvi o Lucas dizer mesmo do outro lado da porta.

− Você não sabe o que está dizendo, meu amor. – Interveio Helena, parecendo se esforçar muito para não perder a paciência.

Era a primeira vez que ela colocava o pé aqui dentro de casa depois que eu quase tentei matá-la.

E sempre que a gente se encontrava por aí, o que era inevitável, ela abaixava a cabeça e seguia em frente.

Como se tivesse medo de mim.

Que bom!

Pois era que o queria que ela sentisse. Eu ainda não confiava e nem acreditava nela. Sabia que ela poderia ser capaz de fazer qualquer coisa para me prejudicar.

− Apenas escute. Eu preciso que você saiba! – Disse Lucas, parecendo um pouco desesperado.

Parei de gravar, prevendo que coisas ruins estavam por vir. Por enquanto eu ia apenas esperar mais essa avalanche passar para eu poder voltar a gravar meu vídeo.

− Não, Lucas. Porra! Eu não quero ouvir o que você tem a dizer. Você acha que eu já não sei de tudo?

Dessa vez eles sabiam que eu estava ali o tempo todo, trancada do meu quarto, quietinha na minha.

Então porque eles estavam discutindo tão alto?

Isso não poderia estar acontecendo em outro lugar?

Eu não queria me envolver nisso.

Não mais.

− Lena, você sabe, tanto quanto eu que isso não está mais funcionando. Apenas escute, por favor.

Do que diabos ele está falando, afinal?

Estou começando a ficar aflita.

− Acho que deveríamos terminar. – Lucas completa e então passam-se alguns minutos até alguém dizer mais alguma coisa.

− Então você não me ama? – Perguntou ela com a voz chorosa.

− Amo.... Não! Quer dizer, eu não sei, Lena. Esse é o problema. Eu não sei! Gosto de estar com você, mas...

− Mas você gosta de outra.

Gosta de outra? Como assim? Porque o Lucas nunca me disse que envolvia outra na parada? Filho da mãe!

− Não é verdade. Você sabe.

− O que eu sei, Lucas, é que eu tenho tentando ser a melhor namorado do mundo para você e mesmo assim você tem me rejeitado, tem me negado coisas, tem se distanciado e eu não consigo entender. Não sei onde foi que eu errei. A não ser que você finalmente resolva me dizer a verdade. Dizer que ama outra garota e não a mim. Por isso está desistindo de tudo, assim, tão facilmente, como se não significasse nada...

Ouvi o Lucas suspirar.

− Olha, você é especial para mim. Acredite! E eu juro que não queria ser um babaca com você. Eu juro que tentei. Mas não está dando mais. Eu não consigo! Não consigo...

Pelo que eu ainda conseguia ouvir através da porta, Helena estava agora desabando em lágrimas.

E mesmo que eu não pudesse ver, sabia que Lucas estava tentando reconforta-la. Como se ele não quisesse que ela sofresse tanto. Ele sempre fazia de tudo pelas pessoas e acho que terminar não deve ter sido uma decisão fácil. Lucas não é de desistir das coisas, a não ser que esteja vencido pelo cansaço.

O que deve ser o caso.

− Me desculpe....

Houve então mais silêncio.

Por um lado, eu estava feliz por ele. Enfim tinha se dado conta de que Helena não era a pessoa certa para ele. Ele estaria livre agora! Mas por outro lado eu estava triste também. Coitadinho! Eu sei o quanto parte seu coração quando ele precisasse ser franco com as pessoas e isso faz com que elas se machuquem, mesmo que não seja intencional.

− Eu realmente sinto muito. Mas não chore...

Ouço um barulho estranho.

− E o que você quer eu faça? Que eu saia pulando por aí feliz da vida? Você acabou de terminar comigo, Lucas. Chutou o meu traseiro! Acabou de provar que você não me ama e nunca amou. Como você quer que eu lide com isso?

Fala sério! Ela estava exagerando um pouquinho.

Ele não chutou ela. Ele foi sincero. Qual é o problema das pessoas? Elas preferem que você minta e que continue com aquilo mesmo que não te faça mais bem?

− Isso não é verdade, Lena. Entenda...

Apesar de tudo, Lucas parecia bem tranquilo ou estava tentando ser na frente dela.

A gente nunca sabe como as pessoas estão por dentro.

− Quer saber? Que se dane, seu cretino! Você nunca realmente me mereceu.

− Eu sei! – Ele praticamente gritou. – Você é maravilhosa e ...

− Não me venha com esse papo furado de merda! Se eu realmente fosse tudo isso você continuaria comigo...

Eu não sabia dizer se ela estava triste, nervosa ou os dois.

− Sabe qual é o seu problema, Lucas? Você é um bundão covarde! Você é o único que sabe quais são seus reais sentimentos e tem medo de dize-los em voz alta.

Ah, não. Essa garota é abusada demais.

Levantei-me e saí do quarto.

Resolvi entrar na briga. Eu precisava defender o Lucas!

− Cala a boca, garota! Ele terminou com você. Qual parte você não entendeu? Agora cai fora daqui.

Helena se virou para mim com os olhos vermelhos cheios de lágrimas e um sorriso nada bonito.

− Você é uma cega idiota, sabia?

Agora ela também resolveu me ofender.

Mas ela tem esse direito, já que fui eu que comecei.

Acho que agora que o Yuri não está por perto talvez eu consiga finalmente matá-la. Isso se o Lucas não resolver também bancar o herói e se intrometer.

Dei um passo para a frente e ela deu dois pra trás.

− Não se aproxima de mim, sua maluca. – Ela pegou o controle da TV.

Eu caí na risada.

− Você vai fazer o que com isso aí? Jogar em mim?

− Não duvide de mim!

Ela só podia estar doida por achar que um controle desses iria mesmo me...

AI CARALHO!

Ela me acertou!

A maluca realmente jogou o controle em mim, bem no meio da minha testa.

− Manu, você está bem? – Quando abri os olhos vi que Lucas estava abaixado ao meu lado.

Quando levei os dedos a testa, o local atingido, senti algo úmido. Quando olhei para os meus dedos vi que tinha sangue.

Meu Deus!

Nunca pensei que um controle fosse capaz de ferir tanto ou a maluca era muito forte e eu não fazia ideia.

Lucas me ajudou a sentar no chão, mas eu me sentia levemente zonza por ter sido atingida na cabeça.

Apesar de tudo olhei em volta e vi que Helena tinha sumido. A porta estava aberta. A desgraçada correu!

− Acho que teremos que te levar para o hospital. – Lucas tocou minha testa e eu gritei de dor.

− Não, Lucas. Eu vou ficar bem. É só uma dorzinha e um pouquinho de sangue.

− Isso é porque você não está vendo o que eu estou vendo. – Ele sorriu e me pegou no colo, fazendo eu me sentir patética.

− Lucas, eu posso andar, sabia? – Resmunguei de várias formas possíveis, mesmo assim ele me carregou escada a baixo em direção ao carro.

− Para de graça, Manu. Você está ferida! E a culpa foi minha. Agora deixa eu cuidar de você.

Lucas sempre levando a culpa por tudo.

Da próxima vez que ele começar a namorar espero que pesquise mais um pouco sobre essa pessoa. Nunca se sabe quando uma pessoa pode se maluca a esse ponto.

Mas espero, de coração, que isso não aconteça tão cedo.

Chega de malucas nas nossas vidas.

− Lucas, você por acaso pegou os documentos e tudo que a gente precisa? – Perguntei assim que ele me colocou no carro e passou o cinto de segurança por mim.

− Não... Putz! Espere aqui. – Ele correu lá pra cima e voltou em cinco minutos. – Toma isso. – Ele me entregou um paninho. – Pressione no ferimento até chegarmos lá.

Quando chegamos ao hospital eu fui rapidamente examinada e como já era de se esperar: não era nada muito grave, apenas um pequeno corte. Fizeram um curativo em mim e eu fui liberada.

− Nossa, eu fiquei tão preocupado com você! – Ele disse assim que entramos no carro para voltar para casa.

− Você não pensou que eu fosse morrer por causa disso ou pensou? – Brinquei, sentando-se ao seu lado.

− Não, mas sei lá... – Ele olhou com os olhos caramelos cheios de carinho. – Não gosto de te ver assim.

Ele se inclinou e beijou minha testa suavemente.

Eu não senti nenhuma dor.

− Pronta para ir para casa?

− Para casa? Não, nem pensar! Vamos comemorar, pois você enfim se livrou daquela maluca rabugenta.

Lucas não ficou chateado ou magoado como eu pensei que fosse ficar. Pelo contrário, ele levou a brincadeira numa boa e me levou até uma pizzaria. Onde jantamos aquela noite.

− Não se sinta mal por tudo isso. Não foi sua culpa. – Disse assim que entramos em casa. Já era muito tarde. – Você tomou uma boa decisão. Você vai ver. E... Obrigada por ter "salvado" a minha vida.

Ele sorriu de lado.

− Bom, de nada. E quanto a minha decisão... Espero que você esteja certa. De certa forma estou tranquilo e até me sinto mais livre. Como se pudesse respirar melhor por ter me livrado de um fardo enorme.

Ele pegou minha mão e beijou o nó dos meus dedos.

− Agora vamos dormir. Pois amanhã será um novo dia.