Trovão Do Leste

Aprendendo a Voar


Pareceu a Saphira que, depois de Loivissa, todos os outros pequeninos resolveram tomar coragem e sair de seus casulos de casca para conhecer o mundo.

O segundo a nascer foi Raugmar, um dragãozinho astuto e furtivo que nascera de um ovo negro como a noite. Seus olhos enormes e brilhantes refletiam a luz em vez de absorvê-la, cintilando inteligência como um par de obsidianas esféricas. Então veio Verus, suas escamas eram verdes como a grama no verão. Ele se portava de forma altiva em seus cinquenta centímetros de altura, pulando animadamente com os outros filhotes. Datia foi a quarta a eclodir, silenciosa e discreta, era cinza metálico como névoa que se forma na base de uma cachoeira.

Um indivíduo de aparência curiosa era Delois, cujas escamas eram verdes, mas interrompidas aqui e ali por um ponto roxo, fazendo-a parecer o arbusto florido que havia lhe emprestado o nome. Isso, porém, não a tornava menos vaidosa que os outros, apesar de arrancar algumas risadas de vez em quando de seus companheiros de ninho.

Então o ovo grande chocou. Era enorme, só a casca era maior que Loivissa, que já tinha um metro e trinta de altura. O ovo era vermelho como um rubi, linhas de ouro cruzavam a casca logo abaixo da superfície. Quando rachou, a primeira coisa que Saphira notou foram os olhos. Ouro derretido preenchia suas íris. Voracidade brilhava dourada por trás da moldura sangrenta de suas pálpebras. Poderia ser só sua mente encantada com o milagre ocorrendo à sua frente, mas algo resplandecia dentro daquele ser vermelho como sangue de dragão, como se mesmo antes de sua maturidade ele produzisse fogo em seu estômago. Vermelho era seu nome. Rauhdr, o dragão vermelho.

Uma fêmea seguiu o nascimento do dragão vermelho. Suas escamas eram roxas como uvas maduras prontas para virarem vinho. Ela recebera o nome da mãe de Glaedr, que de boa vontade a batizara de Nithring.

Em pouco mais de um mês, oito nasciturnos haviam eclodido sob Fell Arget. Eragon lembrou-se de quando Saphira nascera para ele e como fora difícil cuidar de um dragão no auge do inverno. E então agradeceu a qualquer deus que existisse por não ser inverno ainda. Se um filhote de dragão mantido preso à uma árvore comia um quilo de carne por dia, então sete dragõezinhos em exercícios e brincadeiras constantes consumiriam quase meia dúzia de gazelas por semana.

O tempo de Saphira era consumido em voos da montanha para o vale, e então do vale para a montanha carregada com dez quilos de carne nas garras.

Ser dragão cansava? Então ser mãe dragão adotiva cansava muito mais.

***

Pouco antes do nascimento do oitavo filhote, a reunião dos espelhos foi realizada.

Eragon estava na praia da Mancha, uma pequena ilha no lago Oromis. Era um pouco maior que Dente-de-Dragão e tinha um formato alongado, que lembrava uma bota ou algo parecido, e a batizariam com algum nome relacionado com seu formato peculiar. Porém, Loivissa, que não dominava a língua falada tão bem, apelidou-a de Mancha, pois a ilha mais lembrava uma mancha de vinho em uma camisa branca do que qualquer outra coisa apta a receber um nome poético.

Como ninguém se opôs, o nome prevaleceu.

O Talíta havia sido transformado na sala de reuniões e dormitório para Eragon e os elfos, quando estes não estavam de plantão na caverna a cuidar dos pequeninos. Depois de ancorado das areias macias da Mancha, quatro espelhos foram pendurados em uma parede do quarto no convés inferior do navio. Cada um deles iria receber a imagem de um representante das raças da Alagaësia; o da direita receberia Orik, o rei dos anões, o da esquerda seria de Nasuada, a Rainha dos homens, o da direita no centro seria de Arya, a Rainha elfa e o da esquerda ao centro seria para receber Nar Garzvogh, representante das tribos Urgals.

Usando a Palavra, Eragon transmitiu sua imagem para os governantes através dos espelhos e logo recebeu sua resposta: os espelhos tremularam e revelaram os rostos mais poderosos da Alagaësia. Depois das formalidades padrões, o Cavaleiro se pronunciou:

- Senhores, trago a vocês boas notícias, mas também minhas preocupações, que nesta conversa têm o mesmo fim. Sete dragões chocaram em Fell Arget desde nossa partida pelo rio Edda, a pouco mais de um mês atrás. Como já havia comentado antes de minha partida, mesmo em longo prazo serão necessárias instalações e recursos para manter Cavaleiros e dragões até que possamos sustentar a nós mesmos com os recursos da região. Por esta razão, acima de todas, que convoquei esta reunião. Para quê terá servido o feitiço se não pudermos unir as raças sob uma causa e não colaborarmos uns com os outros? Não achei que seria justo da minha parte planejar tudo sozinho ou somente com a ajuda dos elfos ou humanos. Para que a união dos dragões com Cavaleiros seja válida, teremos que nos juntar para construir um futuro próspero para todas as raças dessa terra.

Foi Orik quem falou primeiro:

- Oeí. Sem nossa participação nessa empreitada, o pacto teria sido tão resistente como elos de grama. Colocarei à sua disposição toda a ajuda que puder oferecer. Mas acho que há algo que todos queremos saber sobre os dragões - ele fez uma pausa e olhou para os lados, verificando os espelhos em sua própria sala de reuniões - Quando é que os ovos estarão a caminho para a seleção dos novos Cavaleiros?

Cuidado, avisou Saphira, Está pisando em ovos, literalmente.

Quem dera esses ovos fossem tão duros quanto os de dragões, respondeu.

- Infelizmente não posso mandar nenhum ovo para a seleção antes de ter como cuidar dos filhotes que já estão aqui. Temo que terão que esperar mais um pouco.

- O que exatamente pretende fazer, Espada de Fogo? - indagou Garzvogh.

- O que tinha em mente era convocar um embaixador de cada raça para aprender o máximo possível sobre dragões e então mandá-los com um ou dois ovos por vez para os elfos, então para os anões e urgals e homens, parando em cidades maiores para a seleção. Para tal, antes disso peço ajuda para vocês, governantes, amigos, para construir o novo lar dos Skulblakalar.

Por um segundo agonizante, eles ficaram em silêncio. Mas então os líderes assentiram em concordância e alívio fluiu pelos membros do Cavaleiro.

- Então mandaremos embaixadores e construtores para o Leste, para que a Ordem dos Cavaleiros possa ser formada - declarou Nasuada.

***

Como foi?

Suportável, respondeu Eragon, Não acho que uma guerra de influências possa ser impedida, mas pelo menos está no nosso poder impedir que saia do campo político.

De volta à caverna na montanha, Saphira descansava de mais um dia exaustivo como mãe de sete filhos. Se sua anatomia permitisse, ela estaria com olheiras profundas sob os olhos e estes estariam vermelhos. Ele nunca vira sua companheira tão cansada.

Eu bem que gostaria de uma boa noite de sono depois de hoje..., e abriu sua bocarra em um bocejo longo e quente.

Loivissa, Raugmar e Verus, que já haviam completado três semanas de vida, tentavam a sorte em voos curtos pela caverna e em passeios ocasionais pela floresta no vale, mas ainda não haviam tido aulas de voo propriamente ditas. Elas haviam começado naquele dia, quando Saphira gentilmente empurrou Loivissa da borda da caverna para centenas de metros de queda abaixo de ambas. Depois do pânico inicial, que Saphira sabia que iria provocar na pequenina, a pequena flor logo planou sobre as árvores e se dirigiu para o estremo leste do vale, seguida de perto por sua mestra. Na semana seguinte elas levariam os outros dois mais velhos para o ar para entrarem em pânico eles mesmos.

Loivissa duvidava que rissem dela mais alguma vez depois de serem jogados do penhasco.

***

Saphira estava já se dissolvendo para a doce inconsciência quando sentiu um pontinho de calor do tamanho de sua pata se aninhar em sua barriga quente. Abriu um olho e encontrou Loivissa encolhida sob sua asa direita, um filete de fumaça saía de suas narinas, totalmente confortável. Ronronando, ela voltou a se acomodar para dormir, quando um grunhido baixo a acordou de novo. Abriu o olho novamente e encontrou um montinho negro encolhido à sua frente, os olhos brilhantes de filhote pedindo uma única coisa. Posso dormir aqui?

Ela rosnou em concordância e Raugmar rastejou até a cabana aquecida que sua asa direita se tornara. Mais um grunhido a acordou e a fêmea de dragão abriu os olhos para encontrar Verus servindo de escudo vivo e verde para Nithring, Datia e Delois.

Não se tem mais paz depois de vocês, pequeninos, suspirou, Para dentro, de uma vez!

Os dragõezinhos rosnaram de alegria e se enfiaram sob a asa erguida de sua mãe adotiva. Nithring, destemida, pulou para o ombro do dragão azul e escalou seus espinhos até se aconchegar no topo do lombo de Saphira, entre os espinhos onde a sela se acomodava, onde adormeceu rapidamente.

Antes de adormecer de verdade, encontrou na escuridão da caverna o rubi que faltava em seu colar de filhotes. Raudhr estava deitado em um canto, seus olhos dourados miravam o nada engolidor da caverna.

Quer vir também, Raudhr?, perguntou suavemente.

Ele rosnou, em clara negação, e virou o pescoço vermelho de modo que bloqueasse toda a visão do agrupamento do outro lado do recinto. Saphira deu de ombros, fazendo Nithring se remexer em suas costas, e adormeceu.

***

O sol nasceu aveludado e azulado para os pequeninos sob a asa de Saphira.

Raugmar abriu os olhos e deu um salto, batendo sua cabeça na junta da asa de sua mãe adotiva. Era o dia de sua aula de voo individual com Saphira! Cutucou Verus com o nariz, que rosnou com o toque. Então soprou fumaça na cara de seu amigo e este acordou resfolegando.

Ponha os outros de pé!

A dupla acordou as fêmeas e juntos empurraram Nithring de cima de Saphira. Ela caiu com estardalhaço, acordando a grande fêmea e Raudhr ao mesmo tempo.

O dragão vermelho resmungou consigo mesmo algo sobre barulhos incômodos a essa hora da manhã e se espreguiçou como um gato, as garras retinindo no chão da caverna.

Em menos de meia hora todos em Fell Arget estavam de pé e esperando o próximo dragão ser empurrado do penhasco. Raugmar se encolheu na borda da caverna, as asas negras semiabertas antecipando o voo. Ele olhou para cima dentro dos olhos-muito-azuis de Saphira-quase-mãe, perguntando se realmente tal método era necessário, questionando mentalmente o dragão maior se táticas menos brutais não seriam mais eficientes e...

Um rugido esganiçado ecoou pelo vale abaixo enquanto um pontinho negro contra a encosta da montanha tentava desesperadamente parar sua queda com asas inexperientes no céu azul. Um momento agonizante se passou quando Raugmar encarava o chão que a cada segundo parecia mais perto.

Então o instinto o dominou, e ele estendeu suas asas negras para encherem de ar, puxando-o para cima com um tranco.

O ar embaixo de suas asas parecia lutar para se libertar do aperto da membrana preta de suas asas. Raugmar sentiu a resistência e empurrou o vento para baixo com toda força. O vento pressionou novamente e puxou suas asas para cima, torcendo-as de forma que seus músculos se repuxassem dolorosamente. Raugmar grunhiu e bateu as asas para baixo de novo. Os músculos de suas costas e peito trabalhavam furiosamente para mantê-lo no ar.

Euforia encheu o peito de Raugmar e ele bateu as asas o mais rápido que pôde. O vento batia em seu rosto com muita força, ferindo seus olhos, e ele fechou sua primeira pálpebra; o incômodo passou.

A floresta abaixo parecia correr sob o dragão, como se o mundo se movesse em vez dele mesmo. Raugmar observava enquanto a cobertura verde parava abruptamente e dava lugar ao que parecia ser um espelho gigante.

Ele ouvira Saphira-grande-e-azul conversando com Eragon-de-duas pernas-que-pensava-com-Saphira sobre algo que copiava as formas que estavam à sua frente, mas nunca vira um, muito menos sabia que poderia ser tão grande.

Mas mesmo assim abaixo dele uma cópia perfeita, porém levemente ondulada, de si mesmo voava no espelho. Ele abriu e fechou as garras e o espelho o copiou. Ele bateu as asas em um ritmo ligeiro e sua cópia repetiu o movimento. Então uma lufada forte de ar o fez olhar para cima.

Uma sombra enorme pairou sobre ele. Na superfície do espelho, Saphira-azul-demais o olhava de volta. Vamos voar de verdade!

Ela bateu as asas com força para baixo e ganhou altitude. Então, no espelho ao seu lado, Loivissa apareceu planando delicada como uma flor. Ela agitou a cauda. Vem logo! E disparou pelo céu.

Raugmar deu impulso com as asas e subiu também.

Mas ele sentiu algo diferente quando subiu. Não sentiu somente Saphira-brilhante-azul e Loivissa-cor-de-flores. Sentiu também uma outra mente, essa grande e poderosa, adulta e... Era um macho?

Ele olhou para o horizonte e avistou um brilho verde sobre a linha de árvores.

O dragão à distância rugiu.

Raugmar sentiu algo se remexer dentro dele naquele instante. Sentiu uma urgência de expulsar o dragão invasor de seu vale. Ele não podia entrar sem a permissão do macho-alfa de Fell Arget! Ele rosnou e aumentou as batidas de suas asas.

Saphira também parecia ter percebido a presença do macho, pois rugiu para o dragão verde e dobrou sua velocidade.

Mas algo estranho despertou a curiosidade de Raugmar. O rugido do dragão azul não era de aviso ou de ataque, era de... Alegria? Felicidade? Ele não sabia.

Saphira avançou para o dragão verde, cuja forma cintilante já podia ser distinguida vegetação abaixo. Os filhotes que ficaram para trás arremeteram e planaram sobre as árvores, esperando o contado da fêmea mais velha.

Na metade do caminho do encontro dos dois adultos, Saphira lançou um jato de chamas azuis na direção do verde, que retribuiu da mesma forma. Eles aproximaram-se e voaram em um espiral ascendente, como Loivissa explicou a ele, as pontas de suas caudas se tocaram durante a acrobacia, e depois se separaram e caíram de costas para o chão. Então ambos arremeteram e se viraram na direção dos filhotes, mirando Fell Arget, as pontas de suas asas a centímetros uma da outra.

Ela teria que explicar algumas coisas para ele mais tarde.