Tricks of Fate
"...você é uma mulher, não pode ter namorada!"
O som do despertador tocou ao longe, me acordando pouco a pouco. Já se passara uma semana desde a minha mudança. Durante esse tempo, não havia acontecido nada muito relevante.
Maise me ajudara a tirar um pouco do azul atordoante do meu quarto, e agora ele parecia um pouco menos com um quarto de hotel. Mas mesmo assim eu ainda sentia muita falta da casa de Robert, e do meu quarto de verdade.
Jordan mal conversava comigo. Meus dias se passavam comigo acordando, indo para a escola, lanchando com Madison, voltando para casa e me trancando no quarto para estudar ou assistir a um filme na televisão. E dessa forma, ele continuava sem saber sobre a minha escola, meus amigos e até mesmo sobre minha orientação sexual.
Bom, isso até aquela sexta feira.
Cheguei da escola no horário de sempre, cinco e pouco da tarde e Jordan me cumprimentou.
– Meu Deus! Você não trabalha, cara? – Perguntei, pegando um copo de suco na geladeira.
– Victoria, minha querida. Eu sou Jordan Richards, o dono de uma das maiores empresas de comunicação dos Estados Unidos! – Ele respondeu e eu revirei os olhos, sentindo meu estômago embrulhar com tamanha arrogância.
– E isso realmente afeta muito a minha vida. – Revirei os olhos novamente e subi as escadas para o meu quarto.
Vesti jeans claros e uma camisa xadrez dobrada até os cotovelos, acompanhando por um par de one stars pretos. Joguei meu celular e carteira dentro de uma bolsa e desci as escadas.
– Para onde você vai, Victoria? – Jordan perguntou-me quando eu estava quase abrindo a porta.
– E desde quando você se interessa? – Arqueei uma sobrancelha.
– Por favor, Victoria! Não faça isso comigo. Eu sou seu pai, só quero participar um pouco da vida da minha filha. – Ele respondeu e eu me joguei em uma poltrona próxima do sofá que ele estava.
– Certo. – Respondi. - Eu vou sair com Madison.
– Ah, Madison. – Ele sorriu. – Lembro-me quando você comentou sobre ela. Mas quem é esta garota? – Ele perguntou, fingindo interesse.
– Minha namorada. – Respondi com desinteresse e observei os olhos de Jordan queimarem. Seu rosto estava vermelho, quase arroxeado e por um momento eu achei que ele ia ter um infarto.
– Namorada? – Ele sussurrou, para logo depois rugir. – NAMORADA?!
– Sim. Namorada. Algum problema? – Levantei-me da poltrona e perguntei com coragem.
– Victoria, você é uma mulher. Não pode ter namorada! – Ele continuou gritando.
– Posso. Tanto posso quanto tenho. – Respondi.
– Não... não... NÃO! – Ele começou novamente com um murmúrio que logo se tornou outro rugido. – Filha minha não é... é... – Ele gaguejou. – Filha minha não é isso daí. – Ele murmurou novamente, cuspindo a ultima parte como se o enojasse.
– Ainda bem que eu não sou sua filha. – Respondi.
– Sim, Victoria! Você é minha filha. Por mais que eu não quisesse, você é.
– Não sou. – Cuspi de volta. – NÃO SOU! – Gritei. – Você é só um cara que apaixonou minha mãe quando jovem e a deixou em uma cidade praticamente desconhecida com uma criança no colo! – Despejei as palavras em um jato, tentando conter as lágrimas que teimavam em vazar dos meus olhos. Não deixei Jordan responder-me, apenas agarrei minha bolsa e saí dali batendo a porta.
Entrei no elevador e continuei segurando as lágrimas, o que fiz enquanto corria pelo hall de entrada e entrava num taxi direto para a casa de Maddy.
Assim que cheguei lá, toquei a campainha. Uma, duas, três vezes.
E assim que ela abriu a porta, joguei-me em seus braços e deixei-me chorar em torrentes enquanto sentia sua mão acariciar minhas costas.
– O que houve, Vick? – Ela me perguntou quando as lágrimas pararam de sair dos meus olhos.
– Jordan. – Murmurei.
– Ah, meu Deus! O que ele fez? – Ela perguntou.
– A gente discutiu. Eu contei para ele sobre a gente, ele gritou comigo... – Respondi. – Madison... Maddy! Eu não quero morar com aquele homem!
– Eu queria muito fazer alguma coisa, amor. Mas eu não posso. – Ela respondeu. – Isso é com Robert. E, infelizmente, Jordan.
– Ele não vai me deixar sair daquele lugar. – Respondi. – Por mais que ele me odeie e tenha nojo de mim. Na verdade, principalmente agora. Ele vai fazer tudo para me prejudicar. – Completei, esfregando o rosto.
Madison abriu a boca, mas não falou nada. Apenas me abraçou e assim ficamos por um tempo.
– Onde estão seus pais? – perguntei segundos antes de Eva aparecer na sala.
– Madison!- Ela gritou. – Ah! Olá Victoria! O que houve? – Perguntou ao fixar meu rosto.
Eu não sabia o que responder, então resumi tudo com uma frase pequena.
– Eu discuti com Jordan...
– Ah, que pena. Sinto muito. – Ela respondeu e eu sorri.
– Mas não foi nada de mais. Já está tudo bem. – Menti.
Eva ia dizer mais algo, mas Madison nos cortou.
– Olha só, Vick! Já estamos atrasadas. – Ela disse e me puxou para fora da casa, dando o sinal para um taxi que passava.
– Para onde, senhoritas? – O motorista perguntou assim que entramos no veículo.
– Sawgrass Mills. – Madison respondeu, apontando um shopping de Fort Lauderdale.
Alguns minutos depois já havíamos chegado ao lugar. Pegamos a sessão de cinema de um filme qualquer, mas eu não prestei atenção, já que Madison se empenhava em me fazer esquecer o acontecido com Jordan.
Assim que o filme acabou começamos a andar pelo shopping, tentando ao máximo ignorar os olhares de estranhamento que recebíamos a cada passo. Na verdade, em quase dois anos de namoro eu e Maddy já devíamos estar acostumadas com os olhares e comentários, mas era realmente desconfortável.
Ignoramos tudo e caminhamos até a praça de alimentação depois de um tempo.
Optei por Subway e Maddy escolheu o McDonalds. Como as lojas eram uma no oposto da outra, nos separamos e eu entrei na fila média para pedir o meu sanduíche.
– Olá! – Ouvi uma voz masculina perto de mim e virei, me deparando com um garoto de cabelos loiros e olhos castanhos.
– Oi. – Respondi, mais por educação.
– Eu me chamo Dylan. Posso saber o seu nome? – Ele perguntou. Eu sabia que era uma cantada, mas não tinha como fugir. Então simplesmente respondi.
– Victoria.
– Victoria. – Ele repetiu, quase como saboreando o nome. – Muito prazer. Você está sozinha? – Perguntou.
– Não. Estou acompanhada. – Respondi entre risos e o vi fazer algo como uma carinha triste.
– E onde está o namorado que deixou essa linda moça sozinha? – Ele perguntou e antes que eu pudesse responder, ouvi a voz de Maddy perto de mim.
– Oh! Não é namorado! – Ela disse. – É namorada, e sou eu. – Ela completou e eu comecei a rir ao ver seus olhos se arregalarem muito.
Continuei rindo enquanto pegava a bandeja com o sanduíche e uma lata de refrigerante e ia andando com Madison atrás de uma mesa. Ela indicou-me uma vazia perto do McDonalds e eu me sentei ali enquanto a via pegar outra bandeja com seu sanduíche.
Nos sentamos e começamos a comer e conversar, até que uma menina chegou perto de nós. Ela devia ter seus cinco ou seis anos, tinha os cabelos pretos bem lisos até a cintura, uma franja rente as sobrancelhas e olhos negros levemente puxados.
– Olá. – Ela sorriu para nós, deixando transparecer suas covinhas e os dentinhos quadrados.
– Olá. – Eu e Madison respondemos juntas.
– Qual é o seu nome, linda? – Perguntei.
– É Julie. – Ela disse e depois hesitou, querendo falar algo. – Eu posso perguntar uma coisa para vocês? - Pediu.
– Claro, Julie. – Madison respondeu dessa vez.
– Vocês são namoradas? – Ela perguntou e eu quase engasguei.
Madison riu.
– Somos sim. – Ela disse.
– Eu acho isso legal. Na verdade, eu sempre vi namorado e namorada, mas nunca namorada e namorada. Mas é legal. – A garotinha disse com um sorriso.
– Mas por que você quer saber disso? – Perguntei.
– É que eu vi a mamãe apontando para cá e dizendo que isso que vocês estavam fazendo era feio. – Madison olhou para mim. – Mas eu não acho. Na verdade é muito legal, sabe? Ser diferente é divertido. – Ela disse e eu sorri.
– É sim. – Concordei e acariciei seus cabelos.
– Agora eu tenho que ir. – Ela sorriu novamente para nós e se virou para ir embora, mas depois voltou. - Ah! E eu vou falar com ela que não é nada feio isso, e que é amor igual a todos os outros. – Completou. – Tchau!
– Tchau. – Eu e Maddy dizemos juntas novamente.
– É incrível como as crianças tem mais capacidade de compreensão que alguns adultos, não é? – Comentei com Madison, que concordou.
···
Quando eu voltei para casa eram quase dez da noite. Respirei muito fundo com a mão na maçaneta e abri a porta.
Não havia nenhum sinal de pessoa nenhuma na casa, então subi as escadas no maior silêncio que pude e entrei no quarto. Tomei um banho quente e me joguei na cama, adormecendo logo depois.
Fale com o autor