Tricks of Fate

"Afinal, havia sido um sonho."


Depois que saímos do hospital, eu e Robert fomos até o prédio onde eu morava. Subimos juntos pelo elevador e eu tentei pensar no mínimo possível enquanto atravessava a sala e subia até o mezanino, vendo a nossa cama ainda desarrumada e algumas roupas jogadas por ali.

Suprimi a lembrança do suéter com a estampa de coruja, pegando uma bolsa azul que estava pendurada junto às outras. Ao fazer isso, a bolsa preta de Madison caiu no chão, espalhando alguns cadernos e livros. Recolhi tudo rapidamente, vendo, na página de um dos cadernos, a palavra "Vick" rodeada de corações desenhados com caneta vermelha.

Fiquei alguns minutos mirando aquele papel, a caligrafia delicada de Maddy naquelas quatro palavras, e os corações que ela adorava desenhar mas sempre reclamava que ficavam deformados.

– Melhora logo, pequena. – Sussurrei, colocando o papel dentro de um caderno e guardando todos de volta na bolsa. Voltei a pendurá-la e andei até o armário, pegando quatro mudas de roupa e colocando dentro da minha bolsa azul.

Deixei o quarto exatamente como estava, sem arrumar a cama ou guardar as roupas. Por mais que eu quisesse, não estava com cabeça nem vontade para isso. Coloquei a bolsa no ombro e desci as escadas.

– Pronto, tio. Podemos ir. – Eu disse, chegando à sala e vendo Robert de pé, próximo à porta de braços cruzados.

– Então vamos. – Ele descruzou os braços e deu um sorriso pequeno enquanto abria a porta. Nós saímos e eu tranquei-a sem demora.

O trajeto do prédio até a minha antiga casa não foi muito demorado. Ao chegarmos, não resisti a correr os olhos pela fachada, que não havia mudado absolutamente nada mesmo depois de quase dois anos.

– Ei, Victoria. Vamos entrar. – Ouvi a voz do meu tio, me tirando das minhas distrações.

– Ah, vamos. – Respondi, percebendo que eu estava parada na calçada.

Enquanto Robert procurava suas chaves no bolso, percebi que havia começado a cair uma chuva muito leve. Olhei para cima, vendo o céu azul muito escuro, sem lua ou estrelas.

Ouvi o som da porta sendo destrancada e voltei a minha atenção para lá, vendo Robert entrar. Segui-o, adentrando a casa e vendo que Miranda estava sentada no sofá.

– Robert! – Ela exclamou, levantando-se, para logo depois desviar o olhar para mim. – Oh! Olá, Victoria. E-eu não sabia que você viria. – Ela gaguejou.

– Oi, Miranda. – Respondi, abrindo um sorriso pequeno. – É, eu também não sabia que viria. Acho que Robert deveria ter me avisado que tinha companhia. – Completei, olhando para o meu tio pelo canto do olho.

– Então... acho que já vou indo. – Ela murmurou, voltando ao sofá e sentando-se, para calçar os sapatos.

– Não, Miranda! – Exclamei. – Não por mim. Eu... eu não quero atrapalhar nada. Eu só vim porque Robert pediu.

– Não, não mesmo. Eu já iria embora, de qualquer forma. – Ela se levantou.

– Não, Miranda. Fica. – Meu tio pediu.

– Bom, vou deixar vocês dois se resolverem. Eu preciso de um banho. – Dei de ombros. – Com licença.

Pendurei a minha bolsa no ombro e deixei a sala, subindo as escadas e sentindo novamente a pontada de nostalgia que aqueles caminhos me davam. Andei pelo corredor, chegando à porta que pertencia ao meu antigo quarto. Ao abri-la, não me surpreendi muito ao perceber que Robert não havia mudado muito do quarto. Os móveis ainda estavam na exata posíção. O armário, mesmo vazio, me dava a impressão de que se eu o encarasse por muito tempo, todas as minhas camisetas, shorts e jeans apareceriam ali como mágica.

Joguei a minha bolsa azul na cama e andei até a janela, abrindo-a e me inclinando para frente, respirando lentamente o ar frio da noite que entrava. Percebi que a chuva começava a engrossar e senti algumas gotinhas me molharem o rosto. Recuei um passo e fechei a janela. Andei até a cama e peguei uma muda de roupa, indo até o banheiro.

Coloquei as peças de roupa sobre a pia e tirei as minhas, colocando-as ao lado das roupas limpas. Entrei no chuveiro e deixei que uma água morna caísse sobre mim.

Meu banho não foi muito demorado, mas serviu para relaxar um pouco meus músculos tensos. Saí do chuveiro e me enrolei em uma toalha branca que estava pendurada ali, provavelmente obra de Miranda. Depois de secar meu corpo e o cabelo, vesti minha roupa íntima, a camiseta azul estampada com o símbolo do Superman e uma calça xadrez de preto e vermelho que eu havia separado.

Pendurei a toalha de volta onde ela estava e voltei à pia, procurando ali uma escova de cabelo. Encontrei uma na primeira gaveta e comecei a pentear meu cabelo diante do espelho, até ouvir leves batidas na porta do quarto.

– Victoria? – Era a voz de Miranda. – Eu fiz um jantar. Você quer comer? – Ela perguntou.

– Ah, sim. Eu já vou. – Respondi, terminando de pentear o cabelo e guardando a escova de volta no lugar.

Peguei as minhas roupas que estavam sobre a pia e dobrei-as, colocando-as na minha bolsa. Arrumei rapidamente o quarto e saí dali.

Atravessei o corredor e desci as escadas, chegando à sala rapidamente. Miranda já havia descido e terminava de levar à mesa uma travessa com alguma coisa fumegante. Já Robert observava tudo apoiado no balcão.

– Victoria! – Ele exclamou enquanto eu andava até ele e me apoiava no balcão ao seu lado.

– Eu fiz um macarrão à bolonhesa, Victoria. Seu tio disse que você gosta. Espero que goste do meu.

Sorri.

– Obrigada, Miranda. Muito obrigada.

– Não é nada, querida. Seu tio me contou o que aconteceu! Falando nisso, como está ela?

Dei outro sorriso leve.

– Não está tão mal. O médico disse que ela teve sorte, o acidente poderia ter sequelas mais graves.

Ela sorriu.

– Isso é ótimo. Eu tenho certeza que ela logo estará boa.

– Sim, eu também. – Respondi e assenti.

– Vamos comer? – Ela perguntou e eu e Robert assentimos, exclamando um "sim" ao mesmo tempo e fazendo Miranda rir. – É, vocês realmente são tio e sobrinha.

Nós rimos e nos sentamos na mesa, onde ela já servia nossos pratos.

Miranda tinha um jeito maternal, que me lembrava um pouco a minha mãe. Me peguei pensando se ela tinha algum filho, mas minha linha de pensamentos foi interrompida com o chamado de Robert.

– Victoria! Está tudo bem? –Ele me chamou, e eu percebi que estava mirando o nada.

– Ah, sim. Me desculpa, tio. Eu estava distraída. – Respondi.

– Tudo bem. Você não está com fome? – Ele perguntou.

– Sim, estou. Desculpa, foi só distração mesmo. – Respondi, pegando um pouco de macarrão no prato e levando à boca, percebendo que eu realmente estava com fome.

Não demorei nada para terminar o meu prato.

– Gostou, Victoria? – Miranda perguntou logo que eu terminei de comer.

– Sim, Miranda. Estava ótimo. Obrigada.

Ela sorriu.

– Não é nada, Victoria.

Ela recolheu os pratos da mesa, levando-os à pia.

– Pode deixar que eu lavo, Miranda! – Exclamei, me levantando rapidamente.

– Não, de jeito nenhum.

– De jeito nenhum digo eu, você já fez o jantar! E você é visita aqui.

– Você também, Victoria. – Ela sorriu e eu fiz o mesmo.

– Ok, nada de brigas, senhoritas. Eu vou lavar as vasilhas. Vocês duas podem ir descansar. – Robert levantou-se, esticando as mãos em um tom diplomático.

Eu e Miranda rimos, andando até a sala. Ela se sentou no sofá e ligou a TV, onde passava um filme do qual eu realmente gostava.

– Ei! Eu adoro esse filme! – Exclamei, mirando a tela da TV. Minha cabeça fez a questão de me lembrar de que Maddy também adorava-o, e das vezes que havíamos assistido-o abraçadas. Mordi o lábio inferior e afugentei aquela lembrança, antes que eu começasse a pensar na imagem da minha pequena sozinha, deitada naquela cama de hospital.

– Eu também gosto dele. – Miranda sorriu. – Sente-se, podemos assistí-lo se você quiser.

Sorri e assenti com a cabeça, me sentando no sofá de dois lugares que havia ali. Logo Robert também se juntou a nós, sentando-se ao lado de Miranda e colocando um braço ao redor dos seus ombros. Aquele ato me trouxe mais uma vez lembranças de Maddy, que eu fiz questão de afugentar.

Enquanto assistia ao filme, soltei um bocejo involuntário. Aquela correria me deixara realmente cansada, e depois de comer, eu sentia o sono me invadir lentamente.

Em algum momento que eu não pude perceber, acabei caindo no sono.

. . .

– Vick! Vick! Acorda! – Ouvi a voz de Maddy, e alguém balançando meu ombro. Abri os olhos e percebi que eu ainda estava deitada no sofá de dois lugares, e era Madison que me acordava.

– Maddy? – Perguntei, ainda sonolenta. Firmei a visão e vi que a garota à minha frente estava perfeita, sem nenhum curativo ou atadura. Seu sorriso era caloroso, e os olhos cinzentos pareciam sorrir junto. – Maddy, meu amor! – Exclamei, me levantando desajeitadamente do sofá. – Está tudo bem?

– Sim, Vick. Eu estou bem. Não precisa ficar preocupada!

– Mas... mas... e o acidente? O carro? O hospital? – Perguntei, segurando seus braços.

– Eu estou bem. – Ela repetiu, abrindo os braços. Abracei-a sem hesitar, sentindo o calor do seu corpo contra o meu.

Ela também me abraçou, e naquele momento uma segurança e uma sensação boa tomou conta do meu corpo. Escondi o rosto no seu pescoço e fechei os olhos.

– Eu te amo, Maddy. Eu te amo muito. – Sussurrei, sentindo a força dos seu abraço se dissipar.

Abri os olhos e vi que eu não estava mais na sala, e sim no quarto, deitada na cama. Entre meus braços, havia um travesseiro.

Mordi o lábio inferior com força, tentando reprimir as minhas lágrimas. Afinal, aquilo havia sido um sonho. Madison não estava bem e não estava ali comigo.

Abracei novamente o travesseiro, sentindo as lágrimas correrem pelo meu rosto e esperando que, de alguma forma, aquele travesseiro virasse Maddy e que estivéssemos dormindo abraçadas na nossa cama. Mas eu sabia que aquilo não era possível.

Olhei o relógio ao meu lado e vi que eram seis da manhã. Dali a mais ou menos uma hora, o sol nasceria. E eu tinha certeza que não conseguiria dormir com a cabeça tão cheia.

Apertei ainda mais forte o travesseiro contra mim, fechando meus olhos e me entregando aos meus pensamentos.