Tradição e Liberdade

A Lua Que Brilha À Noite


A caçadora foi o mais sorrateira possível ao escapulir da tenda principal, onde dormia a família do líder, para chegar até ao local onde os forasteiros iriam passar a noite.

Ela fez questão de verificar se alguém a tinha visto antes de passar pelos panos pesados, e ainda ficou mais alguns minutos esperando por algum barulho antes de virar-se e perceber que Katara estava acordada.

O olhar que a garota lhe lançava parecia exprimir confusão e um pouco de surpresa, no entanto nada saiu dos lábios dela. E foi olhando o ambiente que Yue percebeu que o irmão dela já dormia, completamente largado e com um pouco de baba escorrendo no canto da boca.

Não foi possível guardar a risadinha que se liberou de seu peito, era a primeira vez que via alguém dormir de forma tão… natural.

A intensidade com que era observada fez a caçadora lembrar o motivo de estar ali, e embora suas bochechas estivessem levemente quentes, ela apenas ajeitou a postura, ficando um pouco mais tensa.

— Você deveria tomar cuidado com o que diz na frente dos outros. — Yue avisou de forma calma, num tom baixo para não perturbar Sokka e acabar o acordando.

A compreensão do motivo da filha do líder estar na tenda deles passou pelo rosto de Katara, fazendo-a cruzar os braços e franzir os lábios em desgosto.

— Não é como se minhas perguntas fossem tolas, princesa. — Ela retrucou, num tom não tão baixo assim. Estava evidente na forma como ela falava e se portava o quanto o assunto a incomodava. — As tradições são injustas, e alguém deveria questioná-las. Principalmente quando elas não trazem nenhum benefício para a aldeia.

Um pequeno sorriso se esticou nos lábios de Yue ao ouvir aquilo.

— Você tem razão. — Foi tudo o que respondeu no seu tom mais gentil e tranquilo que tinha. O jeito como os olhos da morena se arregalaram foi levemente cômico, no entanto ela não soltou nenhum som. — As tradições são injustas, mas isso não quer dizer que todas as tribos têm facilidade de compreender isso.

Com uma pontada de tristeza agarrada na voz, a caçadora continuou:

— E é por isso que não podemos questionar elas abertamente na frente de todo mundo.

Os braços de Katara se descruzaram e deixaram as mãos dela agarrarem o tecido que cobria suas pernas. Ela assentiu ao que entendia onde Yue queria chegar.

— Foi por isso que você nos levou até aquele velho ao invés de nos guiar até o seu pai.

— Pakku não é tão velho assim…

— Ele tem idade para ser meu avô!

O silêncio chega de mansinho e entra na tenda, deixando um gostinho de expectativa no ar que é interrompido pela fala da caçadora:

— Até que você tem razão.

O riso que elas compartilham naquela noite foi um dos melhores que ela já tinha se permitido dar.

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Ajeitava seus cabelos platinados numa trança para que não atrapalhassem sua visão quando estivesse na floresta. Yue tinha combinado na noite anterior de encontrar Katara na borda da vila, para irem até a floresta, já que era o único local que achava ser seguro para conversar livremente com a mais nova — afinal já estava perto da idade para casar, diferente da nova amiga que ainda tinha tempo para aproveitar — e para poder fazer sua caçada rotineira.

A albina gostava de manter-se em forma, por isso treinava quase que diariamente no período da tarde, que era quando tinha um tempo seu. Ninguém suspeitava de algo, visto que Yue era conhecida por passear na floresta nesse horário e poucos caçavam perto da região do rio platinado onde ela normalmente ficava.

Ao terminar de trançar seu cabelo, ela escutou os sons de botas amassando as folhas caídas pelo chão aproximando-se. Não demorou muito para Katara aparecer entre as árvores, carregando um sorriso animado nos lábios e aquele brilho nos olhos que cativava a caçadora.

— É por aqui perto, siga-me. — Foi tudo o que disse antes de ajeitar o arco no ombro e seguir a trilha que já estava coberta de mato.

Elas andaram por um certo período de tempo, sem trocar nenhuma palavra, Yue indo na frente com confiança e leveza enquanto Katara a seguia devagar para tentar fazer o mínimo de barulho possível.

Não demorou muito para que o som de água correndo chegasse aos ouvidos das jovens, indicando que estavam perto do destino delas.

Em um determinado ponto a albina se agachou atrás de um arbusto, sendo seguida pouco depois pela mais nova.

— Ouviu algo? — A voz de Katara não perdia a intensidade mesmo quando estava presa num sussurro gentil, e perceber aquilo fez os pelos dos braços da caçadora se arrepiarem.

— Não, — Respondeu no mesmo tom, com um pouco de tranquilidade acompanhando suas palavras. — Eu apenas tenho costume de ficar nesse lugar.

Tudo o que a morena conseguiu expressar foi um simples "oh" após ouvir a explicação dela. Yue deu uma risadinha perante a reação fofa da amiga.

— Então, o que você viu durante a jornada até aqui? — A curiosidade dominava o tom de voz da albina, e era ela a razão do brilho de seu olhar.

E apenas aquilo foi o necessário para que Katara começasse a contar sobre como tinha discutido com o pai e sua avó para poder ir junto com o irmão, sobre como a viagem tinha sido complicada no início pois eles eram dois jovens ingênuos do interior — o que fez muita gente tentar se aproveitar deles —, nas pessoas que conheceu e lugares que visitou.

Claro que isso tudo não foi contado na mesma tarde, pois era muita história a ser contada e as tardes de Yue passavam muito rápido na presença da mais nova.

Elas se encontravam quase sempre no bosque, tendo alguns dias em que a caçadora não podia ir porque tinha deveres a cumprir e em outros o sol não iluminava e aquecia a vila, de forma que ambas tinham de recorrer a ficar nas tendas.

E assim se passava as fases da lua, com ambas as garotas conhecendo-se, tendo poucas vezes a presença de Sokka para adicionar um pouco de humor a mais nas conversas.

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— Yue, nós recebemos uma resposta — Sua mãe lhe disse, um sorriso nos lábios que indicava o quanto estava feliz com a notícia.

Ambas estavam tomando a primeira refeição do dia sem a presença de Arnook porque ele já estava a resolver algum problema da tribo em relação a época de baixa caça que se aproximava.

A albina num primeiro instante franziu as sobrancelhas, confusa com o que tinha ouvido. No entanto logo o seu coração congelou dentro do peito, o medo de ser o que pensava consumindo seu corpo enquanto abaixava o copo de barro que segurava até ele estar de volta na mesa.

— Recebemos? — Foi tudo o que conseguiu dizer com o nó na garganta a impedindo de elaborar mais do que aquilo. Estava ficando um pouco difícil de respirar para ela, no entanto sua mãe não pareceu perceber o que sentia.

— Recebemos. — A confirmação em voz cantada só mostrava o quanto Yue não iria gostar daquilo. — O líder da tribo do Oeste aceitou a nossa proposta!

A única reação da caçadora perante a animação de sua progenitora foi um fraco "oh".

— Mal posso acreditar que minha garotinha já vai se casar.

Ela também não conseguia.