Segunda-Feira — 19:17 — 31 de Dezembro de 2018

Eleonora jamais tinha sido uma amante das festas de fim de ano.

Ainda criança percebeu que enquanto a família de seus amigos parecia ganhar uma dose extra de amor e alegria, a sua se tornava mais fria e distante. Seus pais pouco se importavam com as comemorações de natal e quando faziam-se presentes era somente para cumprir uma exigência dos avós Sava, que jamais deixariam algum membro da família quebrar a reunião anual. Nos bons anos conseguia obter um pouco da atenção deles, nos piores somente recebia um presente extravagante quando as reclamações vinham.

O réveillon em particular era a pior data. Os únicos familiares com os quais ainda nutria um laço afetuoso viajavam, restando apenas ela e o irmão. Tudo se tornou ainda mais frio após a morte de seu pai e o aumento das viagens de sua mãe, que parecia não suportar voltar para casa.

Contudo naquele ano em especial, ela estava esperançosa de que tudo seria diferente. Estava de volta à Itália após passar dois anos morando em Madri com seus avós e tinha encontrando pessoas com as quais sentia como era ser parte de uma família amorosa.

Tinha acabado de sair do banho e estava se arrumando para encontrar as amigas e assistir à queima de fogos e ao show ao vivo que teria em Roma. Já tinha se maquiado, quando pegou o secador e ao ligá-lo na tomada percebeu que estava quebrado.

Eleonora saiu de seu quarto e com passos furiosos marchou até a porta frente a sua, socando-a até que se abrisse.

— Pra que esse desespero todo? — Filo perguntou com enfado, enquanto se encostava no batente.

— Você quebrou meu secador? — Ergueu o aparelho que, embora aparentasse estar inteiro, já não funcionava.

— Por que me acusa? Não é como se só tivesse eu nesta casa. Quem te garante que não foi a Estela? — se referiu à prima mais velha com quem dividiam a casa.

— Não, mas que eu saiba você é o único oxigenado e veja só! — Retirou alguns fios curtos que estavam presos na tela de proteção e segurou-os na ponta dos dedos para mostrá-lo.

— Só falo com a presença do meu advogado. — Ergueu as mãos para se cima, se rendendo.

— Argh! Que ódio, Filippo! Como é que vou para a festa agora?

— Desde quando se tornou tão dramática? Jesus! Não é como se você fosse morrer por ter que esperar o cabelo secar naturalmente.

— Está frio, Filo! Se sair com o cabelo molhado, vou morrer congelada!

Filippo revirou os olhos, abriu mais a porta do quarto e deu um passo atrás, dando espaço para que a irmã entrasse. Em seguida caminhou até o armário e pegou outro secador para entregá-la. Ao contrário do de Eleonora que de tão antigo se tornara um cinza fosco, o de Filippo ainda estava preto e reluzente.

Ao invés de pegar o objeto que lhe era oferecido, Eleonora colocou a mão livre na cintura e lançou um olhar enviesado ao irmão.

— Por que está me olhando com essa cara? Já não resolvi o problema?

— Não creio que você destruiu o meu secador enquanto o seu permanece intacto. Aliás, está brilhando até demais. — Franziu o cenho. — Você comprou um novo?

— E qual é o problema?

— Qual é o problema? — Soltou um riso esganiçado. — E ainda tem a coragem de me perguntar qual é o problema? O problema é que você comprou um novo pra você logo depois de destruir o meu. E agora como vou ficar?

— Fica fria. Já não estou te emprestando? Isso não é o suficiente?

— Não! Você está fazendo o mesmo que fez com a Pepita! — recordou, indignada, da cachorrinha de pelúcia que ganhara dos avós quando seus dentes de leite nem sequer tinham caído.

— Não, não, não! — Se jogou de costas na cama com os braços abertos. — Não vem com essa história de novo. Isso já ficou no passado. Por Deus, a gente não tinha nem dez anos ainda, Nora!

— Exato! — Bateu o pé. — Nós não tínhamos nem dez anos, mas ainda assim você tomou a minha pelúcia para si, a destruiu e ainda conseguiu ganhar outra depois de fazer manha para os nossos pais, enquanto eu fiquei sem nada.

— Vabbè! Vabbè! — Revirou os olhos e ergueu o tronco para se sentar. — Vou pagar o conserto do seu pra ver se você para de guardar rancor. Agora tira esse bico da cara, vai. Não pode sair de casa assim. Ninguém precisa saber que você tá sentindo falta de pica.

— Filo! Vou fingir que não ouvi isso!

— Que? Disse alguma mentira? Tinha pensado que a Inglaterra resolveria este probleminha, mas claramente estava errado.

— Por Deus! Pleno 2018, você não pode sair por aí dizendo um absurdo desses assim. Assexuais existem e vivem muito bem sem sexo, sabe?

— Até a última vez que chequei você estava bem longe da área cinza.

— Cala a boca! — Tacou uma almofada nele. — E vê se não fala esse absurdo lá, hein? Não quero passar vergonha.

— Então agora eu te envergonho? Não era assim antes. O que mudou no meio do caminho? Eva ou Eduardo? Me diga que irei matá-los.

— Você está muito engraçadinho hoje.

— Engraçadinho? — Forjou uma expressão repleta de seriedade e pousou as mãos sobre os ombros de Eleonora. — Mas estou falando 100% a sério, minha querida Eleonora. — Ficaram alguns segundos se encarando olho no olho e então caíram na risada. — Agora sem palhaçada. Você deveria melhorar um pouco seu humor se quiser sobreviver a esta noite. Caso contrário irá morrer por estar no mesmo ambiente que seus dois amores sem poder tocá-los.

— Em primeiro lugar: ele não vai estar lá. Pelo menos espero que não. Desde que voltei do intercâmbio não nos esbarramos, seria um tremendo azar se isso acontecesse logo agora que estou tão perto de viajar de novo. Segundo: dois amores? Sério mesmo, Filo? Tenho no máximo um amor e uma pedra grudada no sapato, e você sabe muito bem.

— No máximo uma pedra no sapato? Tem certeza? E o que foi "Oh, Filo! Ele me mandou mensagem perguntando se tinha me recuperado. Será que devo responder?".

Eleonora o fuzilou. Era inacreditável que ele pudesse realmente sugerir que ela estivesse nutrindo qualquer sentimento além de raiva por Edoardo Incanti. Talvez tivesse de fato ficado um pouco balançada quando ele lhe enviou uma mensagem com uma dica para curar ressaca no dia seguinte em que ela o telefonara bêbada, porém semanas depois podia perceber que era apenas um efeito da solidão que sentia na Inglaterra.

— Por favor, isso não significa nada. Continuo não o suportando. E mesmo se não fosse assim, jamais cairia na besteira de me apaixonar por ele. Não depois de tudo que ele fez a Silvia. Jamais poderia traí-la deste jeito.

— Traí-la como aceitando ir num encontro com ele?

— Não traí ninguém. Aquilo foi apenas uma estratégia para me livrar. Já te falei. Não tem a menor chance de ele conseguir apagar aquele muro, logo não tem a menor chance do encontro acontecer.

— Sei... Como se ele fosse desistir assim tão fácil.

— Se ele não sabe aceitar um não, terá que aprender. Já basta daquela merda de "ogni volta che tu mi rifiuti io poi ti voglio sempre di più".

— Engraçado você não lembrar disso quando aceitou o acordo. Admita que ele mexe com você, Nora. Ainda que seja a contragosto.

— Pela milionésima vez: Edoardo Incanti non mi piace — negou pausadamente. — Devo lembrá-lo que estou apaixonada pela Eva?

— Não, eu já sei. Não estou negando isso. Porém, apesar da nossa sociedade monogâmica dizer o contrário, somos capazes de amar mais de uma pessoa ao mesmo tempo de diferentes formas.

— Basta! Basta! — Balançou as mãos, nervosa. — Esse assunto está me cansando. Agora termina logo de se arrumar ou nós iremos atrasar — ordenou e saiu, batendo a porta.

Havia muito tempo que Filo deixara de ser seu confidente e tinha se esquecido o porquê. Ele se tornava ainda mais irritante quando resolvia tentar decifrar seus sentimentos no intuito de tomar a posição de irmão protetor. Se ela tinha voltado atrás era porque se abrir com Filo era melhor do que guardar tudo para si.

Naquele instante, no entanto, já não estava certa de ter sido uma decisão sábia.

Este é o último capítulo disponível... por enquanto! A história ainda não acabou.