Quinta-Feira — 16:36 — 22 de Novembro de 2018

Eleonora estava sentada numa cafeteria bebericando um chocolate quente. Seus dedos não descolavam do celular. Digitava incessantemente enquanto sorria e por vezes soltava algum comentário aleatório em voz alta. Os outros clientes a encaravam de modo estranho, mas de tão concentrada que estava em sua conversa ela sequer notava.

Sana e Fede contavam as últimas novidades que aconteceram na reunião do rádio, enquanto Silvia as recriminava por dizerem que havia sido um fiasco. Ela ainda não tinha compreendido muito bem de onde surgira a ideia de compor uma rádio e qual havia sido a motivação para mantê-la, porém não podia negar que estava um tanto curiosa para ver de perto o funcionamento daquilo.

— Falando com as crush? — Thalita surgiu, bisbilhotando o celular de Nora por cima de seu ombro. Pega desprevenida com a presença abrupta, Eleonora se tremelicou e deixou o celular escorregar por entre seus dedos. Não fosse pelo reflexo rápido de Lana em salvar objetos tecnológicos, não teria escapado da queda.

— Para se assustar desse jeito, acho que é mais do que uma simples troca de mensagens com a crush — comentou após se sentar na cadeira a frente de Nora e abrir um sorriso malicioso. — Por acaso você estava vendo pornô, Nora?

Eleonora começou a tossir, engasgada pela surpresa e enrubesceu.

— É. Parece que nossa companheira aqui realmente é culpada.

As duas riram e Eleonora tomou um gole do chocolate para se acalmar. Em seguida, se lamentou por não ter um copo d'agua a sua disposição. Chocolate era doce demais e nada ideal para se recuperar de um engasgo.

— Não é nada disso. Eu apenas estava conversando com as garotas — respondeu embaraçada.

— Tudo bem, Nora. Não tem nada demais em sentir falta de um pouco de sexo. Só não aconselho a suprir essa necessidade em público.

— Argh! Vocês são horríveis! — resmungou, escondendo o rosto entre as mãos e fazendo todas rirem.

Um garçom chegou à mesa para perguntar se elas gostariam de pedir algo. E enquanto as colegas verificavam as opções, Eleonora retornou para sua conversa no whatsapp. Pensou em perguntar por Eva, pois sabia que a mesma não ficara online em nenhum momento do dia, porém logo se recriminou. Não queria parecer obcecada, embora tivesse noção de que seria difícil passar essa imagem quando aos olhos de todas eram apenas amigas. Além do mais, não sabia se queria de fato saber onde ela estava. Não quando tudo indicava que estava se envolvendo a cada dia mais com Federico.

— Você não nos chamou aqui para ficar te vendo no celular, certo? — Lana lhe lançou um olhar indignado, tirando Eleonora de seus devaneios. — Sobre o que queria falar?

Eleonora suspirou. Afinal de contas fora ela quem convocara as colegas para uma reunião de emergência e insistira para que arranjassem algum tempo entre as aulas. Seria completamente injusto se apenas as ignorasse. Bloqueou a tela, colocou o aparelho na mesa e encarou as companheiras de apartamento, pensando em como colocar em palavras aquilo que vinha lhe tirando o ânimo nas duas últimas semanas.

— Então... — começou, mas teve sua atenção desviada mais uma vez pelo toque do celular. Esticou o pescoço, tentando visualizar a notificação sem pegá-lo, porém logo se rendeu a pegá-lo outra vez quando não conseguiu ler toda a mensagem. — Só um minuto.

Ergueu o dedo e correu os olhos pela tela, rindo ao perceber de que haviam mudado de assunto e agora falavam sobre como os amigos de Giovanni e Martino eram estranhos. Silvia havia tirado um print de uma selfie que os garotos tiraram no espelho e na qual um deles usava uma gravata na cabeça. Era uma foto relativamente velha, considerando a fugacidade dos tempos de likes e por um instante Eleonora não compreendeu o motivo de retornarem aquilo tão de repente. Estava prestes a questionar, contudo antes que pudesse fazê-lo sentiu seu celular ser retirado abruptamente de seus dedos por Thalita.

— Hey! — protestou e se inclinou para a frente, esticando o braço Lara recuperá-lo. Sua tentativa não foi bem sucedida, pois logo Thalita lhe deu um tapa repreensivo.

— Relaxa aí! Eu só vou dizer a quem quer que esteja importunando que você está ocupada no momento.

Quando a brasileira começou a digitar como se fosse seu, Eleonora se recriminou por nunca ter tido a paciência de colocar uma senha. Era algo que vinha postergando em sua lista de coisas a serem feitas havia um bom tempo, principalmente devido ao seu irmão que adorava bisbilhotar o que não deveria. Se um dia pensou que estando em outro país poderia ficar mais despreocupada quanto a ter alguém fuxicando suas conversas sem permissão, naquele instante percebia o quanto estava enganada.

— Thalita! — outra vez chamou-a em tom de reclamação, mas foi ignorada.

— Jesus! — exclamou Lana com enfado. — Não creio que me trouxeram aqui para ser mediadora do jardim de infância. Me dá isso aqui — ordenou, confiscando o celular. Ao capturá-lo seus dedos haviam esbarraram na tela, trocando a aba do whatsapp pela do instagram. Estava prestes a bloquear a tela quando reparou melhor no que mostrava e um sorriso brotou em seu rosto. — Oh! Quem é esse pedaço de mal caminho?

Assim que Lana virou a tela para que compartilhassem da mesma imagem que ela, Eleonora viu uma foto de Edoardo com os amigos numa pista de boliche e todo o resquício de tranquilidade que havia em seu rosto se esvaiu.

— A menos que com mal caminho queira dizer má influência, eu descordo totalmente. — Estalou a língua e um brilho fugaz percorreu seus olhos. — Você já reparou no cabelo de merda que ele tem?

— Não seja má! — Lana fez um meneio com a mão e virou o celular para si, verificando a foto de novo. — Tudo bem que ele não tem o cabelo mais lindo do mundo, mas não é feio. E olha só esses olhos... Acho que nunca vi um rosto tão harmonioso na minha vida.

— Se harmonioso é o melhor elogio que você pode encontrar... — riu.

— Ah, por favor! Vai me dizer que você não se derreteria toda com esses lindos olhos dizendo que te amam? E tudo bem que o cabelo nessa foto parece um tanto lambido, mas ainda assim deve ser uma delícia pra fazer um cafuné, não?

— Lambido? — Eleonora franziu o cenho com estranhamento. — O cabelo de Edoardo pode ser tudo menos lambido.

Não notou, contudo sua voz carregava um tom quase protetor.

Lana e Thalita encararam a tela outra vez para verificar se não estavam alucinando. Ao confirmar, Lana balançou a cabeça em negação e puxou sua cadeira para mais perto de Eleonora.

— Se você disser que não são, serei obrigada a levá-la no oftalmologista — disse, apontando com o dedo para o garoto de cabelos praticamente lisos e olhos castanhos.

Só então Eleonora percebeu que não falavam da mesma pessoa. Lana apontava para Federico, o rosto mais nítido da foto por ter sido quem tirara a selfie, enquanto todos os outros apareciam atrás dele um pouco mais distantes.

— Ah, erro meu!

— Erro seu? — Lana questionou desconfiada e trocou um olhar cúmplice com Thalita quando Eleonora apenas balançou os ombros, percebendo que havia mais ali do que uma simples questão de gosto. — De quem estava falando?

Eleonora tomou mais um gole de seu chocolate, que já começava a esfriar e sem dizer nada apontou rapidamente para Edoardo que aparecia não muito atrás de Fede.

Entre as três, Eleonora era de longe a mais fechada. Sobre a sua vida, tudo o que as garotas sabiam eram pequenas coisas superficiais: havia passado boa parte dela em Madri devido ao emprego dos pais e depois regressara a Roma para morar com o irmão e uma prima de 2º grau, era um pouco metódica e quando se estressada logo arrumava algo para limpar; e, embora fosse uma amiga fiel e companheira, tinha muita dificuldade para se aproximar das pessoas.

— Como ele se chama mesmo? — Thalita sondou sutilmente, após analisá-lo.

— Edoardo. Por que pergunta? — Se empertigou enquanto respondia, numa postura um tanto defensiva.

— Curiosidade. — Thalita deu de ombros. — Tirando o cabelo com o qual você obviamente tem uma implicância, ele até que é bem... charmoso, não acha?

— Se você gostar de idiotas... — Revirou os olhos e ergueu o dedo indicador. — Aviso logo: se você estiver criando qualquer interesse e quiser que eu os apresente: não vai acontecer. Ele é um... Um... Argh! Eu não tenho palavras pra explicar o quão babaca o Incanti é! — Sua voz se exaltava um pouco mais a cada palavra e sem se dar conta começou a reclamar em seu idioma natural, deixando as colegas confusas. — Non ho mai trovato nessuno che sia più stronzo! In fatti...

— Stronzo... — Thalita a interrompeu. — Creio que já a ouvi usar essa palavra antes... Quando foi mesmo? — Levou a mão ao queixo num gesto reflexivo. Eleonora ainda chegou a abrir a boca para respondê-la, porém antes que pudesse dizer qualquer coisa, Thalita se recordou. — Ah, sim! Como pude esquecer? Você tava muita puta xingando alguém pelo telefone. Lembrando agora até que foi um pouco engraçado. Acho que nunca a vi ficar tão irritada. Exceto por agora.

— Quando foi isso que eu não fiquei sabendo? — Lana, que não presenciara a cena, perguntou. — E quem você estava xingando?

— Não sei por que fazem perguntas tão óbvias — suspirou frustrada. — É claro que era o maldito do Incanti. E antes que perguntem: não. Eu não vou falar o porquê dele ter me deixado com tanta raiva. Não aguento mais aquele imbecil invadindo cada segundo da minha vida. Vim para Londres na esperança de que pudesse me livrar dos problemas que ele me trouxe, mas parece que a distância me deixou mais obcecada. Aliás, é por isso que as convoquei aqui.

— O que quer dizer? — perguntaram juntas.

— Bom, decidi embarcar num intercâmbio no meio do ensino médio justamente porque Roma estava trazendo muito drama adolescente. Às vezes tinha sensação de que alguém estava me empurrando prum enredo de novela mexicana ruim. Logo comigo que odeio drama e sou amante da tranquilidade. Não aguentei. Eu precisava tirar umas férias pra respirar. E ainda que eu saiba que empurrar os problemas para debaixo do tapete não os resolve, sempre vale a tentativa, né? E além do mais quando eu voltar um dos problemas em questão já terá quase terminado o liceo. O caso é que ainda que meu corpo esteja na Inglaterra, minha mente e meu coração continuam em Roma. Estou aqui há o que? Um? Dois meses? Não sei. Tudo o que sei é que parece que não estou me movendo para lugar algum. Quando não estou estudando, gasto todo o meu tempo presa ao celular atualizando o feed do instagram quinhentas vezes por segundo, torcendo para que as meninas postem uma foto nova e eu possa sentir que ainda sei o que se passa com elas, ainda que no minuto seguinte tenha a sensação de que estou perdendo tudo de importante e que quando voltar nada mais será o mesmo. Ou então verificando as notificações à espera de que Eva me envie algum áudio porque eu continuo fodidamente apaixonada por ela e ouvir a voz dela me faz bem. E até mesmo dando uma bisbilhotada na minha caixa de directs com a esperança de que tenha alguma mensagem porque... Bem... Não importa o porquê. O que realmente importa é que eu não aguento mais viver nesta tortura. E só vocês podem me ajudar.

— Como? — perguntou Thalita de imediato. De todas elas, a brasileira era a mais sensível e, por consequência, aquela que possuía a maior necessidade de agradar as pessoas e fazê-las se sentir bem. Era natural que fosse a primeira a se solidarizar com o sofrimento de Eleonora.

— Não sei. Já visitei alguns pontos turísticos e tal, mas como nossos horários nunca batem acabei fazendo a maioria desses passeios sozinha e aí não foi tão legal. Sinto que preciso sair mais, conhecer pessoas novas, esquecer um pouco meus amores italianos, enfim... Viver.

— Não acredito que estou ouvindo isso! Se isto é uma missão, só tem uma coisa que posso responder: CHALLENGE ACCEPT! — exclamou Lana. Em seguida, soltou uma risada empolgada e pescou o próprio celular na bolsa a tiracolo que carregava. Os dedos ágeis se moviam pela tela a procurara de algo, quando enfim o encontrou, virou a tela para as colegas, mirando-as com expectativa. Thalita ampliou um pouco a foto e foi deslizando devagar de um lado para o outro, permitindo que lessem com atenção os detalhes do panfleto. — Meu deus, esperei tanto pelo momento em que viraria a fada madrinha das amigas de vidas pacatas e tediosas. Eu penso que é um sinal do destino. E então? O que dizem?

— Primeiramente: vidas pacatas e tediosas? Sério mesmo? Me sinto ofendida. Segundo: se é pela recuperação do coração partido da Nora e a felicidade geral da nação, eu digo que aceito.

Thalita mal tinha terminado sua sentença e já se podia ouvir os gritinhos animados de Lana, enquanto batia palmas apressadas. Nem sequer esperara uma resposta de Eleonora. E talvez não houvesse muito que se esperar, tendo em vista que como a pessoa pedinte de socorro, esperava-se que embarcasse em qualquer mínima loucura. Ou ao menos assim pensava Lana.

— Vocês sabem o que isso significa? — Lana enganchou o braço no pescoço das duas, aproximando-as de si, e então gritou: — We gonna party, bitches!