Eu ainda estava surpreso sobre como Asgard não era congelante.

Bom, pelo menos não tanto quanto imaginei.

Quer dizer, acho que deveria ser. Porque, no imaginário nórdico, era como a terra em que eles viviam: fria. Muito fria. Mas, de alguma forma, a Asgard de verdade arranjava um jeito de manter uma temperatura confortável-mesmo dentro do palácio de ouro puro.

E também não havia entendido como as camas praticamente medievais podiam ser tão boas. Pareciam feitas de penas.
Depois do jantar- que, por sinal, estava ótimo -eu fui direto para a cama. Meio que todos nós fomos, afinal 'crianças não podem ficar acordadas para o fim das festanças', dissera a marionete de Balder(Aryeh, claro. Algo nele ainda me deixava com a pulga atrás da orelha). Não que eu ou Ben ou Howl estivéssemos a fim de obedecer, mas fora um dia grande. Grande e cansativo. Minha pálpebras começavam a pesar.

***

Quando dei por mim, estava em um gramado enorme e cheiroso. Pedaços de dente-de-leão saíam de toda a parte, e o sol brilhava aconchegante. Eu estava em minhas roupas normais, uma bermuda jeans com camisa vermelha e tênis all-star. Consegui ouvir os gêmeos Stark e Parker rindo e conversando, enquanto Kate cantarolava algo e Josh ajudava Gabi e um menino-que-reconheci-como-Aryeh com alguma coisa. Logan estava deitado perto da Barton, tirando uma soneca, e Lizzie penteava os cachos negros de Kate. Ouvi uma respiração profunda ao meu lado, e, por cima do cheiro doce da grama, pude sentir o cheiro de perfume-brasileiro-que-copiava-o-nosso-ensino-médio de Alyss.

Se eu sabia qual era porque havia espirrado um pouco em meu cachecol só para sentir o cheiro? É claro que não. Isso seria tão idiota.

Enfim.

Parecia um dia tranquilo de verão. Um daqueles que eu não tinha fazia muito tempo, mas andava precisando. E todos os meus amigos estavam ali, o que era estranho. Até Aryeh, e acho que, se fosse pra sonhar com ele, seria um pesadelo.

Não devia ter pensado isso.
O céu começou a escurecer. Eu segurei firme a mãozinha sedosa de Ally, ao meu lado, por puro instinto. O ar começou a rodopiar, e parecia que eu estava em um filme de terror. Os olhos dos meus amigos estavam negros e fundos, e todos haviam parado o que faziam e me encaravam. Olhei para Alyss, para checá-la, e vi que sua face havia envelhecido. Ela estava ficando acinzentada.

–Nos salve, James- ela disse, e me lembrei do outro sonho. -Nos salve.

Eles começaram a falar coisas do tipo muito rápido, desordenadamente. Eu não entendia, e estava aterrorizado. A mão de Alyss apertava a minha agora, e doía. Por cima do coro bagunçado, a voz do garoto e da garota, com as mesmas charadas e frases incompletas de sempre.

O filho... O prepotente... Thor... Ele virá... Salve-nos..., era o que eu ouvia.

Mas como?, eu pensava. Então, como um quebra-cabeça que começa a se encaixar, eu vi que já tinha uma informação.

O filho de Thor. É Erik.

***

E que grande peça, hm?, pensei, segundos antes de acordar. E, bom, não fiquei surpreso ao ver que estava me debatendo e gritando. Muito menos quando vi Ben, Howl e Owen sentados no pé da minha cama. Bom, a bem da verdade, Owen estava em pé ao lado de Aryeh- o que raios ele estava fazendo no meu quarto?

–Cara.- Howl disse, o semblante preocupado. -Você tem que ver um médico.

Grunhi.

–Ah, Howard.- devolvi, me recostando. -Se sairmos dessa vivos, eu vou em quantos médicos minha mãe quiser.

Ben riu.

–Duvido.

–Duvide, então. Que seja.
Vai perder.- eu estava com sono ainda. -Eu nunca pensei que fosse dizer isso, mas eu quero minha mãe.

–E eu a minha.- Howl e Owen disseram juntos.

–Estaria satisfeito só com minha casa, por hora.- Ben suspirou. -Mas ter a mamãe aqui não faria mal.

Nos entreolhamos. A pele muito branca de Owen, e Howard, e Ben- bem, de todos os meus amigos menos eu -estava ainda pior. Eles estavam muito pálidos, beirando o fantasmagórico. As olheiras já profundas de Ben se destacavam, e as mãos de Howard pareciam mais nervosas que o normal. Owen, por sua vez, parecia prestes a entrar em parafuso o tempo todo.
Alguma coisa estava muito errada no nosso time. Aliás, será que ainda éramos um?
Aryeh, que estava quase sumindo nas sombras, limpou a garganta.

–E-eu... Eu sinto muito por vocês. Não consigo imaginar como é estar na sua situação.- ele olhou na direção que eu supus ser a do quarto de sua mãe, e eu me esquentei por dentro. Pelo menos ele era sincero, e isso já lhe dava uns pontos à mais. -Se houver qualquer coisa que eu possa fazer para tornar a estadia confortável, não sintam receio em dizer. Não quero que levem má impressão de Asgard. Nos dias normais, é uma cidade muito boa.

–Nos perdoe, Aryeh, mas acho que até mesmo Alyss vai levar más impressões- Owen constatou -É uma cidade linda, e parece ótima, mas estamos presos à sabe-se lá qual é a distância de nossos pais. Não há como tirarmos uma boa impressão.

–Eu levaria vocês para o que temos de melhor aqui, mas vocês não estão no melhor estado de espírito pra isso.- o moreno constatou, ao passo que Ben deu uma risada leve, antes de um silêncio meio constrangedor encher o ambiente.

–Por que vocês vieram aqui?- perguntei, numa tentativa de quebrar aquela situação embaraçosa.

–Alyss te ouviu gritar e me acordou.- Aryeh disse. -Ela parecia preocupada.

–Com razão.- Ben acrescentou. -Cara, daquela vez você teve espasmos e agora esses gritos. Pode ser sério. Pânico do sono ou algo assim.

Refleti um pouco. Minha mãe me contou que sempre tive sonhos que, de alguma forma, previam o que estava por vir. Ela não tem religião, mas diz que, para o espiritismo, pessoas assim são chamadas de médiuns; e sonhos assim são sonhos mediúnicos.

Se esse fosse um deles, estávamos ferrados.

–Pânico do sono acarreta apneia, Ben.- Howard devolveu. -Saberíamos se o James tivesse apneia.
E meus amigos mergulharam em uma conversa sobre eu ter ou não pânico do sono, os três geniozinhos e suas teorias. Aryeh se apoiava em meu criado mudo, olhando para eles com a mesma cara que eu.

–Consegue entender alguma coisa?- ele perguntou.

–Não.- admiti.

–São sempre assim?

–25 horas por dia.

–Uau. Minhas condolências.

–Valeu.

E, por menos que eu goste de Aryeh, começo a pensar que somos parecidos. Talvez até demais.

–Ok, pessoal, hora da cama.- eu digo, expulsando os quatro. -Amanhã será um longo dia e todos nós precisamos de dormir.

Ben, que estava dormindo no mesmo quarto que eu, fecha a porta quando os Stark e o nórdico cruzam o batente; e então se deita na cama do outro lado do quarto.

–James?- ele pergunta.

–Oi, Ben.- respondo.

–O que tu sonhou no primeiro dia de treinamento?

A memória do sonho me vem à mente de supetão, e eu me assusto. Meus amigos arranhados, um labirinto de espelho, duas vozes falando coisas aleatórias- ou nem tanto -de uma forma sombria. Medo. Impotência.

–Coisas ruins.- eu devolvo. -Juro que conto amanhã, não é exatamente uma história de ninar.

–É com isso que ainda anda sonhando?- ele insiste.

–É melhor pararmos, Ben, ou você também vai ter pesadelos.- eu o paro bruscamente. O lugar onde Benjamin está tentando chegar é frio e escuro. -Bons sonhos.

–Bons sonhos, James.

***

Na manhã seguinte, Ben me acordou à uma altura que, para meu cérebro exausto, pareceu cedo. Não deveria ser menos de nove e meia, na verdade, mas eu poderia dormir por uns três dias seguidos.

Disse que eu deveria colocar uma roupa quente, porque havia nevado a noite inteira. Vi, assim que saí de debaixo dos cobertores, que ele estava certo; e abracei meu próprio tronco numa tentativa de me proteger do frio. Coloquei uma roupa parecida com a do dia anterior, e, assim que calcei minhas botas, alguém bateu na porta.

–O café está na mesa!- a voz de May disse, do outro lado da porta.

–Andem logo!- Howard adicionou. -Tô morto de fome!

–Quem me dera.- resmunguei e Ben riu, antes de sairmos para o palácio dourado.

Meus olhos costumavam a se acostumar com o brilho, mas eu nunca me acostumaria com a ideia de que o palácio era literalmente feito de ouro. Em casa, aquilo custaria muito. Até para o tio Tony seria muito. O chão, ao menos, não era dourado: de um marfim branco e impecavelmente limpo, acho que era até pior. Quantos elefantes teriam morrido para aquilo?

–Minha madrinha não quer que tenhamos de nos sentar à mesa principal hoje.- Alyss anunciou.

–Então vamos para uma pequena sala de lado, tomar café com minha irmã e prima.- Aryeh terminou. -E, só para que vocês não se assustem, elas podem ser meio imprevisíveis. A minha irmã mais nova é um bocado esquentada e minha prima tem, bem, um talento um tanto quanto anormal.

–Talento?- eu perguntei, e ele engoliu em seco.

–Dito isso, a porta é essa.- ele abriu uma pequena(para os padrões do palácio) porta também(adivinhem) dourada.

Dentro da sala à qual essa levava, podíamos ver duas garotas sentadas em um sofá que servia uma mesa. Uma delas, a morena, ria até chorar em seu lugar, enquanto a outra fazia um gesto com a mão e olhava para um pequeno duende no chão perto da porta. O pobrezinho se pulava como uma macaco e fazia uma dancinha estranha, e só pude concluir que a loura estava manipulando sua mente. Não pude segurar um sorrisinho ao ver a brincadeira.

–Lena! Helmi!- Aryeh bradou, ao passo em que a morena se sentou direito e tentou parar de rir e a loura fingiu que estava somente tomando seu chá. -Mamãe e papai já falaram com todos nós sobre isso!

–Ah, Ary, larga de ser tão careta.- a morena disse. -Estávamos só brincando um pouquinho.

–A Helmi pediu.- a loura que concluí ser Lena jogou, visivelmente acanhada. -E ela me fez cosquinhas até que eu fizesse.

–Lena, você tem poderes sobre a realidade e a mente mas não consegue resistir à cosquinhas?- Aryeh perguntou, sarcástico.

–Vamos ao que interessa, irmãozinho. Quem são esses?- a que deveria ser Helmi o interrompeu.

–São os midgardianos que chegaram ontem, quando Erik se foi.- ele se voltou para nós. -Pessoal, estas são Helmi, minha irmã- a morena acenou. -, e Lena, minha prima.

–É um prazer.- as duas disseram juntas.

–Estes são James, Benjamin, Owen, Howard, May e Alyss.- ele nos apresentou.

–Peralá.- Helmi o interrompeu. -A Alyss?

–Claro que é A Alyss, sua gênia.- Lena devolveu. -Sentem-se. Devem estar mortos de fome.

–Não achei que magia fosse algo comum por aqui.- May comenta. -Pelo que nos mostraram, a parada de vocês são espadas e forças da natureza.

–Lena é diferente.- Aryeh disse. -Mas eu lhes avisei. E acho que preferiríamos não falar sobre isso.

–Aryeh, você é péssimo em ganhar a confiança das pessoas.- Helmi disse, balançando a cabeça, enquanto tomava um pouco da bebida em seu copo.

–Terrível.- Lena concordou. 'Nem imaginam quanto', eu acrescentei mentalmente.

–Ué, Lena nunca gostou de falar disso.- o moreno disse, continuando a comer.

–Nem Lena nem nenhum de nós nunca precisou tão desesperadamente de confiança ou informações.- sua irmã retrucou.

–Poderiam só nos falar logo?- Ben pediu, impaciente.

–Se você é quem pede.- Lena começou, mas Ally a interrompeu.

–Não diga.- minha melhor amiga disse, parecendo meio assustada. -Seu pai é... Seu pai é Loki.