–Então vamos lá...- James disse. -A capital do Sudão é Kartoon?

–Não, Jay.- Alyss devolveu, checando no Atlas. -Kartoon é a do Sudão do Sul. Eu acho.

–Ah, ótimo.- eu disse. -Eu tinha escrito isso.

–Apaga, esperto.- meu irmão replicou, checando em seu próprio Atlas.

–Owen, espertalhão, eu não tenho lapiseira.- devolvi no mesmo tom. -James, você teria-

–Corretivo? Não.- James disse, colocando sua própria folha de lado e recomeçando.

–Ah. Que delícia.- ironizei, o imitando. -Por que é que nós temos que fazer isso mesmo?

–Talvez porque você é o James aqui estão quase devendo em Geografia?- Alyss sorriu falsamente. -E isso arruinaria sua reputação de bom aluno, Howl, e a do Jay de aluno regular?

–E só talvez.- Owen acrescentou. -Para de reclamar e recomeça.

–Não é nossa culpa se não somos cabeções igual a Lizzie.- James disse, escrevendo sem parar.

–Bom, nós também não somos cabeções igual a Lizzie e estamos indo bem.- Alyss devolveu, arregalando os olhos.

–Mas, venhamos e convenhamos, como é que a Lizzie decora isso tudo?- Owen disse. -É muita coisa. E ela nem estuda.

–Já parou pra pensar que ela é filha de uma das maiores mentes do mundo?- James ironizou.

–Modéstia à parte, eu também sou.- eu, Alyss e Owen dissemos juntos; e James erguei os braços em rendição.

–Mas a mente da Lizzie parece só ter espaço para o Hunterish e o tio Bruce. E nós, às vezes.- Owen disse. -Howl, a capital da República Tcheca é Praga, não Bruxelas.

–Bom, então parece que nós também temos que ocupar nossa cabeça com o Hunterish, o tio Bruce é conosco.- Alyss brincou. -Porque a Lizzie é a melhor aluna da turma dela. De todas as turmas dela.

–Onde será que ela está a essa hora?- perguntei. -E como se soletra Sarajevo?

–S-A-R-A-J-E-V-O.- Owen respondeu. -Podemos ligar pra ela.

–Ceeerto.- James concordou, largando o lápis. -Uma pausa.

Alyss pegou seu celular e discou para Lizzie. Então levou o aparelho à orelha.

–Meu viva-voz estragou.- ela alegou. Suspirei.

–JARVIS, coloque a ligação de Alyss no sistema da sala.- eu disse, e ele fez. O toque ressonou pelo cômodo.

–Podemos consertar pra você.- Owen disse.

–Podemos nada, cara pálida.- praticamente cortei Owen. -Ainda tenho que terminar os ajustes da H20.

Owen abriu a boca pra falar alguma coisa(provavelmente debochar), mas uma voz o interrompeu.

–Ally?- perguntou Lizzie. -É você?

–Na verdade, somos eu, Jay, Owen e Howard.- Alyss disse.

–Ah.- Lizzie pareceu meio sem-graça. -Oi, gente.

–E aí, Lizzie?- eu devolvi. -A gente precisava trocar uma ideia com você. -Onde é que você está? Pode vir aqui na torre?- James imitou minha voz, sutil como uma pedra. -É isso que o Howl queria perguntar, Lizzie.

–Ceerto.- ela disse. -Esperem um segundo.- ouvimos Elizabeth abafar o telefone. - São meus amigos, Hunt. É, James, Ally, e os Stark. Parece que precisam de mim... Tá, eu falo pra eles. É, Hunt, meia hora.

–Fala pro palerma do Hunterish- eu falei, levantando o tom de voz para que o namorado de Lizzie me ouvisse. -que eu até ia com a cara dele, sim. Antes dele sumir!

–Howard, o Hunterish disse que já sabe disso. Porque foi o que você disse nas últimas vinte vezes em que falou com ele pelo telefone.- ela devolveu simplesmente. -Eu posso sair daqui em meia hora. Devo chegar lá pelas quatro.

Owen consultou seu relógio e me disse sem som que eram três e meia. Eu assenti.

–Okay.- Alyss disse, sem estranhar. -Então até mais tarde.

–Até.- Lizzie disse, e desligou. Alyss fez o mesmo.

–Ela vai sair de lá num segundo e chegar aqui no outro?- Owen perguntou. -Porque quatro horas é daqui meia hora.

–Eu nem tentaria descobrir onde Hunterish pode estar, se fosse você.- James disse. -Parece ser perto de absolutamente tudo.

–Continuamos quando ela chegar?- Alyss perguntou.

–Claro.- eu disse. -Tenho que ir para a oficina.

–Certo.- James disse. -Eu e Ally vamos para o café da esquina.

–Vou fazer uns ajustes em JARVIS.- Owen riu. -Às quatro, então?

–Perfeito.

❄️❄️❄️

20 minutos mais tarde...

–Okay, JARVIS. Que tal começarmos com... 400% de carga?- eu disse para o mordomo digital, uma vez dentro da armadura.

–Perfeito, senhor.- ele respondeu, a voz retinindo dentro do capacete.

–E, JARVIS?- completei, esfregando minhas orelhas. -Abaixe o volume na parte interna do capacete.

Ouvi alguém rindo com essa última orientação. Me virei para trás e vi Owen encostado na porta que descia de seu quarto, balançando os ombros enquanto ria.

–Você sempre coloca o volume alto demais.- ele disse, indo para sua própria mesa de trabalho.

–Ha-ha.-ironizei, abrindo o capacete. Eu sempre sabia quando Owen queria conversar. Isso é o que dá ser gêmeo: se abnegar em favor dos seus. E olha que isso é quase impossível entre Stark's(fora o fato de que somos os maiores filantropos do mundo, é claro). -O que te incomoda?

–A falta de três parafusos no propulsor do seu pé esquerdo.- ele disse, levantando meu pé. -Ia se desmantelar todo assim que você falasse para o JARVIS te colocar no ar.

–Owen, não fala a palavra com J-

–Senhor Owen, me chamou?- JARVIS disse antes de eu poder terminar.

–Absolutamente, JARVIS.- meu irmão assumiu um tom zombeteiro, ainda parafusando meu pé. -O capacete da H19 está meio amassado da flecha explosiva de Katherine. Poderia consertá-lo?

–Absolutamente, senhor. Mas devo dizer que a Srtª Barton nunca o faria de propósito.- o mordomo devolveu, e eu vi o capacete da H19 sumir.

–Ah, eu te garanto que fez.- me intrometi, arregalando os olhos. -E diga para ela que doeu, Owen.

–Tem certeza?- ele perguntou, largando meu pé.

–Não, não diga. James vai tirar da minha cara eternamente.

–Agora você está fazendo sentido.- Owen riu, e eu abaixei o capacete. -JARVIS, diminua a potência de Howl em 25%. Minhas armaduras também estão nessa sala, e eu gostaria de mantê-las inteiras.

–Claro, senhor Owen.- o mordomo disse.

Resolvi jogar com Owen.

–Ah, e também prepare a O20, com 500% da potência. O mesmo para a H20.- eu disse, e meu gêmeo olhou para mim com cara de interrogação. -Retire todo o equipamento da sala, incluindo câmeras, armaduras e grades de teste.

–Até as câmeras, senhor?

–Absolutamente tudo.- eu olhei para o teto, de onde um lustre enorme pendia. -E recolha aquele lustre. Não sei o que mamãe tinha na cabeça quando colocou ele aqui.

–Certo, senhor Howard. Dê-me um minuto.- o mordomo disse, e pareceu sumir. Enquanto isso, Owen pareceu entender.

–Uma última coisa, JARVIS?- ele disse, se ajeitando na O20. -Desligue o transmissor com essa sala.

Se JARVIS tivesse rosto, sei que ele estaria com cara de interrogação. Sorri para Owen, num quadrado pequeno no topo esquerdo de minha "tela". Ele riu contidamente.

–Ceerto, senhores. Tenham um bom, hã, hm...-

–Treino?- propus, mal conseguindo conter minha própria risada.

–Exatamente.- o mordomo disse, e ouvimos um barulho de pixel indicando o fim da transmissão.

–Papai ficaria orgulhoso.- eu disse, brincando. -Desligamos JARVIS, cara!

–Mamãe vai nos fazer limpar a cozinha por um mês.- meu gêmeo devolveu. -Compramos ou construímos um robô?

–Construímos, obviamente.- eu devolvi, experimentando ligar e desligar o propulsor esquerdo. -Dinheiro não dá em árvore, Owen.

Ele riu baixo- tão baixo que eu não teria ouvido não fosse a conexão entre as armaduras. A última peça do traje dele se encaixou.

–Alçar voo?- ele perguntou.

–Ainda não.- eu sorri, abrindo minha conta do iTunes. -O que vai querer hoje?

Meu gêmeo pensou um pouco antes de responder.

–Society, Eddie Vedder.- disse, por fim.

–Você leu minha mente.-eu respondi, colocando a música que me fora indicada.

–Isso é o que dá ser gêmeo.- ele riu, e nós dois ligamos os propulsores, eu naturalmente subindo um pouco mais que ele. -Você consertou seu propulsor da mão esquerda.

–Claro que sim. Se não, estaria no chão a essa hora.- eu devolvi, redistribuindo a potência entre meus propulsores. Owen se sentou no ar, estabilizado pelos propulsores da parte externa da coxa. -Sobre o que está pensando?

–Mais potência no pé esquerdo, Howl.- ele devolveu, sem me responder.

–Eu já estava fazendo isso.- cerrei os dentes. -Mas você não me respondeu.

Meu irmão suspirou.

–Por que estão fazendo isso com a gente?- ele perguntou. -Treinar-nos como se nunca tivéssemos feito aquilo milhares de vezes antes? É burrice. Porque mesmo antes desse treino todo e essa rotina cansativa que estamos tendo, nós já nos preparávamos.

–Tente entender a mente de Fury e Coulson, irmãozinho, se quiser ter um AVC.- eu disse. -É sem sentido. Tentar entender o que está acontecendo é como atirar sem poder mirar.

Owen meneou a cabeça em meia concordância.

–Então por que eu tenho a sensação de que eles estão fazendo exatamente isso?- disse ele, pensativo.

Digeri as palavras de Owen por alguns segundos, sem exatamente entender o que ele dizia. Atirar sem poder mirar, dar um tiro no escuro. Mas só se atira quando se quer acertar algo. O que será que a SHIELD queria acertar?

–Está dizendo que nós seríamos a prevenção deles para alguma ameaça iminente?- perguntei, por fim.

–Mas qual seria a ameaça, nesse caso?- ele devolveu a pergunta, e minha mente correu ao livro que acháramos. E eu pude ver que a dele também.

–Owen, e se- eu comecei, mas uma ligação para ambas as armaduras me cortou. A minha se identificava como James, e a de Owen como Alyss. Atendi. -James?

–Howard, onde vocês dois estão?- ele perguntou, apressado.

–Na nossa oficina.- foi Owen a responder.

–Diga a eles para trazerem os traseiros aqui, tipo, agora!– ouvi Mayday gritando no fundo.

–Vocês ouviram ela.- Alyss disse, na linha de Owen. -Estamos na nossa base; eu, Jay, May e Ben. Os outros estão a caminho.

–Que, por acaso, é na nossa casa.- eu ironizei.

–Mas, por algum acaso, não conseguimos nos comunicar com vocês pelo JARVIS.- James disse, irônico.

–Ah. Claro. O problema do JARVIS.- Owen disse, enquanto colocávamos nossas armaduras no chão. -É uma longa história.

–Longa e bela. Teremos tempo pra contar quando chegarmos aí.- eu completei.- Desligando.

❄️❄️❄️

–Então vocês estão dizendo que acham que a SHIELD está nos treinando por que a Alyss tem um meio-irmão que é um prelúdio de catástrofe?- Benjamin pergunta, quando acabamos de contar nossa brilhante história. Decidimos que poderíamos repetí-la quando os outros chegassem.

Eles haviam nos chamado porque tia Jane e tio Leo haviam captado uma alteração extra-dimensional perto da Torre Stark, e o diretor dizia que deveria ser nossa primeira missão.

–É loucura!- May diz. -Ally não tem irmãos, tem?

–Não até onde eu sei.- Alyss replica, mas sua mão corre para a bolsa onde eu sei que o livro está guardado.

–É mais ou menos o que acabamos de dizer.- eu digo, coçando a cabeça. -Mas parece que falta alguma coisa...

–Como se estivéssemos montando um quebra-cabeça, mas uma peça ainda estivesse na caixa.- Owen me completa. A frase fica pairando sobre nós por vários minutos, cada um tentando descobrir por si só o que falta, até que Ben coloca a mão no ombro de James.

–Cara, você não parece nada bem.- o ruivo diz. -O que foi?
James não responde de imediato, pálido e tremendo. Alyss encosta a mão em seu braço, e ele se assusta um pouco. Então, a encara.

–Se lembra, no primeiro dia, o pesadelo que eu estava tendo?- ele pergunta, por pouco não falhando no meio da frase. -E-eu acho que não foi só um pesadelo.

Olho para Owen com cara de interrogação, como que perguntando se ele sabia de que pesadelo James estava falando. Owen balança a cabeça, e depois me indica Ben, que suspirou pesadamente. O ruivo repara que estamos olhando para ele e faz um discreto sinal de "depois" com as mãos.

–Jay?- Alyss pergunta. -O que foi que voc- ela é bruscamente interrompida por um tremor que sacode a torre inteira, levando eu e Owen ao chão.

–JARVIS!- eu grito. -O que foi isso?

–Senhor Howard, eu realmente não s-

Eu sei qual foi o final da frase, mas não pude ouví-lo: tudo virou uma mistura de cores, como num arco-íris; e meu corpo parecia estar sem peso. Então, tudo ficou escuro. E eu não vi ou ouvi mais nada até a sala reluzente.