Leta quase não conseguiu abrir os olhos naquela manhã, era um amanhecer de inverno e o frio invadia o quarto mesmo com as janelas fechadas. O Natal seria dali a dois dias e a Lestrange era uma das poucas alunas que não haviam ido pra casa naquele recesso, porém já estava acostumada. Passava quase todos os natais em Hogwarts devido ao pai ausente e a mãe que havia morrido há anos.

O frio percorreu rapidamente a pele negra de Leta, fazendo-a arrepiar. Ela gostava daquele clima e adoraria passar o resto da semana na sua cama quente, convidativa e confortável, no entanto, tinha planos para aquele dia. Planos com alguém, mais especificamente.

Movida pelo entusiasmo que atingiu sua mente ao lembrar do compromisso que havia criado, Leta levantou-se rápido e logo foi se preparar para o que a aguardava durante o dia. Vestiu as roupas mais quentes que achou e, mesmo com a nevasca intimidadora que fazia lá fora, foi correndo em direção ao Salão Principal.

Durante o caminho, um certo lufano não saía de sua mente, de uma forma que a sonserina negaria mesmo sob a mais dolorosa maldição Cruciatus.

Entrou eufórica no Salão esperando ver os olhos azuis que tanto amava, porém a única coisa que viu foram dois ou três gatos pingados da grifinória conversando enquanto tomavam o café da manhã.

‘’Era o esperado’’, a garota suspirou consigo mesma. ‘’Ele nunca come no horário certo.’’

Então, Leta comeu a refeição num piscar de olhos, movida pelo anseio de ver quem tanto queria. Assim que engoliu o último pedaço de torta de abóbora e bebeu o último gole de água gaseificada — sua preferida — foi correndo com toda a sua pressa para a torre pouco frequentada próxima à Sala Comunal da Corvinal.

Subiu as escadas com o coração na mão e sentiu ele sair pela boca assim que o avistou.

Newt Scamander estava ali, sentado próximo à janela que iluminava a torre, com seu caderno sobre criaturas mágicas em mãos. Era comum ele ser pego fazendo diversas anotações e desenhos detalhados sobre os bichos que tanto o encantavam.

Em um olhar mais atento, percebeu que seus cabelos estavam bagunçados, como se acabasse de acordar, mas Leta duvidava que sequer houvesse dormido. Seus olhos azuis estavam tão concentrados nas palavras que escreviam que não notaram a chegada da Lestrange à torre.

— Newt! — a menina falou, feliz. O garoto finalmente a olhou.

— Ah, olá, Leta! — Deixou a pena e o caderno de lado. — Acordou cedo.

— Foi, sabe como é… O clima frio não me deixa dormir muito bem. — mentiu. Não admitiria que estava ali tão cedo só porque tinha a certeza que ele também estaria.

— Acho que sei. — Newt simplesmente falou e esboçou um pequeno sorriso.

— Então, sobre o que está escrevendo? — Leta continuou puxando assunto, pois sabia que caso não o fizesse, Newt também não o faria.

— Você não vai acreditar. — o loiro falou demonstrando um pouco mais de animação. — Eu encontrei um tronquilho aqui nas imediações. Lembra que eu havia falado deles?

— Não são aqueles seres minúsculos que vivem em árvores e são meio tímidos ou algo assim?

— Esses mesmos! Dei sorte de encontrar uma árvore com eles, normalmente é bem difícil achá-los assim do nada. — O brilho nos olhos de Newt era incomparável.

Enquanto ouvia o Scamander falar sobre a nova descoberta, Leta começou a pensar em como o lufano gostava dos animais que encontrava. Desde que se conheceram, toda semana, sem falta, ele fazia uma nova descoberta ou achava uma nova criatura em Hogwarts. A garota não conseguia entender como animais tão estranhos e, muitas vezes, perigosos, podiam atrair tanto a atenção de Newt.

No entanto, mesmo sem compreender muito bem, a Lestrange ouvia atentamente a cada palavra do lufano com afinco e um afeto que ele não fazia nem ideia. Ela gostava de ouvir a voz de Newt e ver seu entusiasmo ao sustentar um assunto pelo qual era fascinado.

Muitas pessoas diziam que a única companhia do loiro, além de Leta, eram aqueles monstros — um termo pejorativo para as belas criaturas que Newt descobrira. A menina da sonserina odiava aquele tipo de comentário que faziam sobre seu amigo e logo punhava-se a defendê-lo. Era certo que nunca entenderia o amor do Scamander por aquelas criaturas, mas isso não era motivo para deixá-lo ser alvo de chacotas.

Olhando a torre ao redor e com diversos pensamentos em mente, Leta começou a relembrar dos momentos em que haviam passado ali, principalmente quando se conheceram. Talvez fosse a luz que entrava pela janela ou o brilho no cabelo loiro de Newt que a fez ser tomada pelas memórias, não sabia, mas estava tendo recordações cada vez mais frequentes nos últimos dias. Por alguns segundos, Leta sentiu como se tivesse onze anos novamente.

ϟ

Os dois haviam se conhecido no final do primeiro ano em Hogwarts.

O sobrenome Lestrange, apesar do que muitos pensam, não era tão prazeroso de se ter. Era complicado para a menina ser julgada por algo que ela nem sequer podia escolher — sua família. Hogwarts inteira parecia falar sobre os Lestrange e Leta era sempre conhecida como ‘’a garota do irmão morto’’. Logo quando embarcara no trem pôde sentir os olhares sobre si e ouvir os murmurinhos que vinham de todos os cantos da locomotiva.

— É verdade que seu irmão morreu? — uma das garotas que estavam na mesma cabine com ela havia perguntado meio hesitante.

— Eu ouvi falar que foi o próprio pai que o matou. — falara um garoto ruivo e sardento.

— Eu também ouvi falar isso. Dizem que foi porque a esposa havia o traído, aí ele a matou e matou o filho também, né? — outra menina entrara na conversa.

Leta havia saído angustiada da cabine, indo apressada chorar no banheiro. Então era àquilo que se resumiria sua trajetória em Hogwarts?

E foi.

Os burburinhos apenas aumentaram quando entrara na Sonserina. Além disso, sua personalidade forte e desafiadora não a ajudava muito. Não costumava levar desaforo pra casa, ainda mais sobre um assunto tão delicado.

A sonserina havia passado quase um ano inteiro sem ter sequer um amigo. Era sempre a esquisita, a malvada, a cruel. Ninguém nunca a chamava de inteligente, bonita, corajosa, nunca a elogiavam. Nem mesmo a maioria dos professores parecia querer a companhia da Lestrange.

Porém no fim do primeiro ano ela conhecera Newt Scamander. Já tinha ouvido falar dele durante tempo em Hogwarts através das fofocas que percorriam os corredores da escola. O nome dele era quase tão popular quanto o dela, mas aquela não era uma fama boa. Nem um pouco. Os alunos das outras casas o achavam esquisito devido ao seu jeito introvertido e muitos diziam que o garoto falava com os animais. Houvera um boato que uma menina da Grifinória o pegara conversando com um hipogrifo — e ele nem tinha tempo suficiente em Hogwarts pra estar perto de um hipogrifo.

Leta achava bobagem tudo o que falavam sobre Newt, sabia muito bem como era ter seu nome na boca do povo, então havia concluído que a maioria dos boatos sobre o garoto eram tão falsos quanto os boatos que envolviam o nome Lestrange. Porém, um dia quando o encontrara na torre perto da Sala da Corvinal falando sozinho com uma criatura que tinha em mãos, começara a se perguntar seriamente se os rumores eram verdadeiros.

— Hã, você está bem? — ela questionara o menino que a olhara assustada.

— S... sim, estou. — o Scamander havia respondido coberto de vergonha e nervosismo. Talvez pensasse que a sonserina seria mais uma que tiraria sarro com a cara dele.

Ao contrário, Leta aproximara-se devagar, sentara-se ao seu lado e havia observado curiosamente o animal que ele tinha em mãos. Parecia uma lontra, só que bem mais estranha. Era uma pequena bola de pelos, que cabia na palma das mãos e naquele momento parecia estar dormindo.

— O que é isso? — perguntara para o menino, que parecia surpreso ao perceber que ela não estava ali pra fazer piadas sobre ele.

— Ah, é u… um pelúcio. E... encontrei alguns dias atrás. — Ele aproximara o filhote para que a garota pudesse vê-lo melhor.

— Eu posso tocar?

— C... claro. — Newt dera ainda mais espaço para que ela pudesse alisar o pelo da criatura.

O pelúcio havia se mexido um pouco e abrira os olhos, movera o nariz como se estivesse farejando alguma coisa e, em um movimento rápido, estava pendurado nos brincos de Leta. A menina, mesmo assustada, tentara manter a calma e não fazer uma cena na frente do lufano, apesar de todos os seus instintos avisarem pra ela gritar e sair dali o mais depressa possível.

— M… me desculpe por isso. E… ele gosta de o... objetos brilhantes. — O garoto, um tanto nervoso, se inclinou para tirar o animal de sua orelha.

Leta gargalhara como nunca antes da situação e Newt começara a rir, talvez de nervoso.

— Que gracinha. Ele faz isso sempre que vê um brinco ou eu fui a escolhida? — a sonserina falara e o menino dera o sorriso mais sincero que Leta já havia visto em toda a sua vida.

Naquele mesmo dia, começaram a conversar sobre os mais diversos assuntos, principalmente sobre os animais que Newt encontrava e catalogava por aí. Ele lhe havia confidenciado que seu maior sonho era ser um magizoologista e ter o maior número de criaturas encontradas, tratadas e catalogadas possível.

No final do longo papo, ambos se deram conta do quão tarde estava ficando e que logo precisariam retornar às suas Salas Comunais.

— É, p... pode parecer indelicadeza, m... mas eu não sei o seu nome. — Newt falara sem jeito.

— Leta. Leta Lestrange. — ela respondera um pouco hesitante ao falar o sobrenome.

— Sou Newt Scamander. — O loiro estendera a mão e garota a apertara, num cumprimento formal. — Bem, agora e... eu tenho que voltar à Sala da L... lufa lufa.

— Tudo bem, nos vemos depois? — Leta abrira um largo sorriso. Newt havia sido o primeiro naquela escola que não se importara com o nome que carregava. Sem perguntas, sem olhares feios e, se analisasse bem, concluiria que ele sequer havia ouvido antes.

— N... nos vemos amanhã. Aqui n... no mesmo horário? — perguntara o loiro.

— Combinado. — A garota havia sorrido e vira o Scamander descer as escadas.

Assim, havia surgido sua primeira — e talvez única — amizade em Hogwarts.

ϟ

A Lestrange suspirou com a lembrança vindo nítida em sua mente. Desde aquele dia, os dois não haviam mais se desgrudado. Leta aprendeu a lidar com a introversão e as criaturas de Newt e o garoto mostrava-se cada vez mais acostumado com o jeito defensivo da morena. Nos anos seguintes, perdeu as contas de quantas detenções havia levado por conta do amigo e em quantas brigas os dois haviam se metido com os outros alunos, mesmo sendo Leta que causasse toda a confusão. Todo dia era uma aventura, fosse nos perímetros da escola ou na Floresta Proibida.

Newt foi a única pessoa que demonstrava gentileza e compaixão por Leta. Ele era calmo, atencioso e gentil, além de ser um ótimo ouvinte. Não costumavam conversar muito sobre suas vidas pessoais, pois as conversas se limitavam aos animais de Newt, aos dias de ambos e a um ou outro dever atrasado que combinavam de fazer juntos. Mesmo assim, esses tópicos os faziam passarem horas e horas naquela Torre que havia se tornado o principal ponto de encontro de ambos.

Era sempre bom lembrar daqueles detalhes e, como uma boa sonserina, Leta gostava de analisar tudo à sua volta, saber com que estava lidando e estudar minuciosamente sua amizade com Newt e as relações com todos à sua volta. Estar preparada para tudo, aquele era seu lema.

Em meio a tantos devaneios, a garota quase não percebeu que havia se desligado do que Newt estava falando. O Scamander a encarava com um olhar confuso e um pequeno sorriso no rosto.

— Você está legal? — ele perguntou.

— Estou sim, só estava distraída, pensando em algumas coisas. — a menina respondeu, piscando depressa pra reconectar-se com o mundo.

— Algo específico? Você parecia bem concentrada. — Newt também piscou algumas vezes.

— Não! — Leta exclamou, com medo de que o lufano descobrisse que ela estava pensando nele e naquela gama de momentos que viveram.

— Tá bom. — O loiro riu um pouco nervoso. — Quer que eu vá embora?

— Não, não é isso. — A menina bufou. — Foi só uns pensamentos aleatórios, acho é porque os NOMs estão muito próximos.

— Ah, entendo.

— Mas o que você estava falando... tronquilhos, certo? — Tentou retomar a conversa, rezando para que não houvesse divagado por muito tempo.

— Na verdade, estava falando sobre um Furanzão. Aquele que você comentou semana passada, o Connor ouviu nossa conversa e veio me perguntar sobre eles. — Newt sorriu sem graça.

Droga. Então ela realmente havia divagado por mais tempo. Muito mais tempo do que imaginava. Não fazia nem ideia de como saíram de tronquilhos para chegarem em Furanzões.

— Desculpe-me. Desfoquei totalmente. — Ela riu desajeitada esfregando o rosto com uma das mãos.

— Não tem problema.

Depois da distração de Leta, eles continuaram conversando sobre diversos assuntos. Newt, impressionantemente, havia parado um pouco de falar sobre os tão amados animais e passou a ouvir a Lestrange falando sobre o que havia descoberto nas aulas de Astronomia. A menina amava falar sobre as constelações que descobria, as estrelas e a imensidão do Universo e Newt gostava de ouvir o raro entusiasmo da amiga.

Como sempre, os amigos passaram horas naquela Torre que havia se tornado o porto seguro de ambos. O Scamander mostrou os desenhos e anotações que estava fazendo antes de Leta chegar e esta passou os dedos maravilhada pela caligrafia bem trabalhada do amigo.

— Não tá tão ruim, né? — Newt perguntou meio apreensivo.

— Newt, você está de brincadeira? Isso aqui é maravilhoso em tantos sentidos que eu nem tenho palavras! — ela retrucou com entusiasmo. — Você, definitivamente, vai ser um magizoologista extraordinário.

— O… obrigada, Leta. De verdade. — O rosto do lufano ficou vermelho e o sorriso em sua face tinha uma gratidão sincera e algo a mais que Leta não conseguiu identificar.

A sonserina percebeu que o amigo havia gaguejado, coisa que não fazia há muito tempo desde que havia começado a receber ajuda do Professor Dumbledore, porém deixou aquela observação de lado. Não era nada demais.

Após alguns segundos de um silêncio confortável, os dois decidiram que estava mais que na hora de irem almoçar. A manhã havia passado num piscar de olhos, de tal maneira que Leta nem havia percebido que já devia passar de meio-dia. Sempre acabava impressionando-se em como o tempo passava depressa quando estava ao lado de Newt.

Todos os momentos que passavam juntos na torre, resultavam em uma nostalgia infinita vinda de Leta que, ao se despedir, não conseguia deixar de falar:

— Nos vemos depois?

Algo dentro dela suspeitava que Newt lembrava do dia em que se conheceram tão nitidamente quanto ela, pois ao ouvir aquela frase ele abriu um sorriso brilhante antes de responder.

ϟ

Após um longo período de inverno, Hogwarts estava finalmente conhecendo a primavera. Os dias já estavam mais quentes e a neve já havia derretido, dando mais cor ao ambiente escolar. Leta estava lendo à beira do lago, como gostava de fazer quando o clima estava agradável igual ao daquele dia — nem muito quente nem muito frio.

A morena estava com um livro de transfiguração em mãos, estudando para os NOMs que estavam cada vez mais perto. O fato de ter poucos amigos e muito tempo livre a faziam ser uma excelente aluna. Se havia algo que a sonserina gostava era da sensação de superioridade, de acertar uma pergunta em sala de aula, de ver a cara de contrariedade de alguns professores. Havia muita gente em Hogwarts que não gostava dela, aquilo era inegável, mas ninguém podia afirmar que ela era uma aluna ruim.

As notas impecáveis vinham acompanhadas de um sorriso debochado e um olhar transcendental a todos na sala de aula. Talvez fosse coisa dos Lestrange mesmo que custasse à Leta admitir essa necessidade de se mostrar superior.

Esse tipo de pensamento narcisista dominava a mente da menina, principalmente quando Newt não estava por perto. Quando o lufano fazia companhia à garota, seus pensamentos eram contagiados por toda a calmaria e gentileza que ele trazia consigo. Para ela, era óbvio: ele a tornava mais humana.

Mas naquele momento Leta estava concentrada demais no livro que tinha em mãos para pensar em qualquer outra coisa. Talvez fosse por esse motivo que não viu as três garotas chegando, duas da sonserinas e uma da corvinal.

A garota da corvinal se chamava Carmen Hernandez, tinha traços cubanos e um nariz em pé que muitos sonserinos invejavam. As duas garotas que estavam com ela se chamavam Bianca e Beatrice Hughes e eram gêmeas, loiras, altas e esguias, o sonho de todos os garotos daquela escola - o problema era quando abriam a boca, falavam mais asneiras que qualquer um dali. As três nunca haviam dado muita bola pra Leta, mas nos últimos dias a sonserina observava que as meninas a olhavam torto, como se houvesse alguma mágoa dentro de si, principalmente dentro de Carmen. Semana passada tinham até ido parar na diretoria após um bate boca casual. Algumas ofensas trocadas, nada mais. Leta não entendia de onde havia surgido aquela implicância das garotas, que nem eram conhecidas pela morena antes de começarem a provocá-la.

Todavia, desde que as ofensas começaram elas pareciam que não iam ter um fim. E isso se aplicava naquele momento, quando as três aproximaram-se da garota que lia em paz.

— De novo sozinha, Lestrange? — a corvinal falou. — O que houve? Porque o Scamander deixou o monstro preferido dele assim largado?

— Não enche, Hernandez. — Leta falou sem nem tirar os olhos do livro, porém pôde sentir o sangue em suas veias esquentando.

— É, Hernandez, não enche. — Beatrice, a gêmea mais alta, falou em tom de zombaria. — Você sabe como ela fica quando falam do namoradinho dela, não é?

Leta apenas revirou os olhos e bufou com impaciência antes de voltar a focar nas palavras bem diante de seus olhos.

— Ela tá ficando bravinha. — Carmen fez um biquinho. — Parece que o monstrinho não gosta que falem do seu dono.

— Mas que tipo de monstro ela seria? — a outra gêmea perguntou com um sorriso maldoso.

— Acho que ela se parece bastante com um Agoureiro. — a corvinal citou, fazendo referência ao pássaro que haviam estudado na semana anterior.

— Parece mais com um testrálio — a gêmea mais alta falou.

— Não, já sei! Parece as sereias do lago. Aquelas criaturas me dão arrepios, assim como a Lestrange. — a menina com traços cubanos da corvinal, zombou e as gêmeas riram.

— Bom saber que te dou arrepios, Carmen. Isso é medo reprimido? — Leta finalmente fechou o livro e encarou as três com um olhar desafiador.

Carmen fechou a cara na hora, brava com a resposta da rival. Olhou pras duas amigas e as três pareciam que se comunicavam telepaticamente, pois empunharam as varinhas ao mesmo tempo e as apontaram para a morena que as olhou sem se deixar abater.

— Wingardium Leviosa. — as meninas falaram em uníssono.

Em poucos segundos Leta estava no ar. Sua expressão confiante se desfez e o medo tomou conta dos seus olhos quase que instantaneamente. As meninas sorriram maldosas enquanto permaneciam com as varinhas apontadas para a que agora estava flutuando.

— Suas imbecis! Que merda vocês estão fazendo? Me ponham no chão agora. — Leta gritou num misto de raiva e desespero.

— Ora, ora, Lestrange. — Carmen riu e depois seu rosto se contraiu de raiva. — Você acha que eu vou mesmo perdoar o que você fez com minha irmã? A Elena ainda está na enfermaria, sabia?

— Quem diabos é Elena? De quem você está falando? — Leta tentou fugir daquele assunto, mesmo lembrando com clareza do que fizera. Não sabia que Elena era irmã de Carmen, mas parando pra pensar, fazia sentido.

— Ah, quer que eu te lembre? Foi a mesma garota que você imobilizou na aula de feitiços. O professor disse que nunca viu uma aluna com tanto… Qual foi a palavra mesmo? Ah sim, desejo nos olhos. Desejo de poder. Mas relaxe, ir um pouco além da conta não faz mal. Foi o que você mesma disse, certo? — A corvinal rangeu os dentes. O ódio em seu olhar era perceptível.

Aquele incidente já fazia uma semana e Leta não fazia ideia de que a garota ainda estava na enfermaria. Não havia passado pela sua mente que fizera tanto mal a ela. Só havia se descontrolado. Achara que teve sorte pelos professores abafarem o caso e ele não vir aos ouvidos de toda a escola, no entanto, ali, naquele exato momento, percebeu o quanto estava errada.

— Foi sem querer, eu juro. Droga, eu não tinha intenção de machucá-la. — Leta falou nervosa e olhou para Carmen, num pedido silencioso de desculpas. Se não fosse tão orgulhosa e arrogante, até verbalizaria tal súplica e imploraria para que a colocasse no chão.

— Nós também não temos intenção de machucá-la. — Carmen falou e riu, acompanhada das outras duas meninas.

Em um movimento rápido e sincronizado com as varinhas, as três fizeram a morena flutuar de onde estava e cair agressivamente nas águas geladas do Lago Negro. E, com pressa, deixaram o local correndo.

ϟ

Leta odiava água. Desde o incidente com seu irmão ficava longe de rios, lagos ou mares abertos. Qualquer lugar com uma quantidade significativa de água a deixava receosa.

Ela sabia que sentar próxima ao Lago Negro seria uma péssima ideia, mas os corredores cheios da escola e os olhares tortos na biblioteca a deixaram sem outra escolha.

Parando pra pensar, lidar com o barulho de Hogwarts e com o julgamento que recebia na biblioteca teria sido a melhor opção, pois agora ela estava afundando.

O ar escapava depressa de seus pulmões e o peso do seu corpo a fazia ir mais e mais para o fundo do Lago, que parecia interminável. A Lestrange não sabia mais nadar, pois os anos de aversão à água fizeram-na desaprender. Portanto, era apenas um corpo se debatendo em meio a todo aquele líquido.

A garota pensou seriamente que aquele seria seu fim. No momento do desespero só conseguiu imaginar seu corpo morto sendo achado 3 dias depois, quando alguém sentisse sua falta. Ou mais tempo. Talvez passassem semanas até as pessoas começarem a realmente sentir sua falta.

Afundar pareceu uma eternidade. Já estava perdendo a consciência e a falta de oxigênio estava começando a afetar seu cérebro. Teria o mesmo destino que o irmão.

Leta achou interessante como o carma realmente vem pra todos. Iria morrer da mesma forma que o bebê que matou. O destino iria se encarregar disso. Morreria na água, afogada do mesmo jeito que o irmão. Tal pensamento a atordoou por alguns segundos até começar a perder completamente a consciência.

Eu aceito o meu destino.

Foi a única coisa que pensou antes de não sentir mais nada.

Pareceu apenas um instante, mas quando Leta acordou a primeira coisa que viu foram os olhos azuis de Newt. Jurou que estava morta e aquela era só uma memória antes da fase espiritual que iria começar a viver. Porém o azul nos olhos do amigo se misturavam à preocupação e os toques que a sonserina sentia em seu rosto eram reais.

Então deu-se conta que estava viva.

— Leta? Leta! Meu Merlin, Leta! Você está me ouvindo? — a voz de Newt por alguns segundos pareceu distante até a Lestrange retomar inteiramente a consciência.

A de cabelos cacheados sentou-se assustada, respirando fundo, apressadamente e com dificuldade. Tossiu sem parar e sentiu suas roupas e cabelos encharcados. Newt Scamander estava ao seu lado e suspirava aliviado.

— Leta, que susto você me deu! — o lufano quase gritou. A garota nunca havia o visto tão agitado.

— Newt? — falou confusa, ainda tossindo. — O… o que aconteceu?

— Eu não sei. Estava passando aqui por perto quando eu vi três meninas te levitarem e te jogarem no lago. Elas por acaso são loucas? — explicou aflito.

— E como eu saí de lá? — Leta perguntou, percebendo logo em seguida que Newt estava tão encharcado quanto ela.

— B... bem, você não achou que eu ia te deixar morrer, achou? — o garoto respondeu com timidez.

Leta sorriu contente, mas logo sua alegria foi sumindo ao se lembrar das palavras de Carmen antes jogá-la no Lago. Aquilo tudo havia sido sua culpa. Como sempre. Não podia incriminar Carmen que só estava vingando a irmã. Leta nem sequer imaginava o que faria caso alguém machucasse Newt. Ela era mesmo o monstro que haviam a rotulado. A sonserina secou um pouco os cabelos antes de voltar a falar, trêmula.

— Newt, foi tudo minha culpa. Eu fiz algo horrível com a irmã de uma delas na aula de Feitiços. Eu atraí isso pra mim mesma. Acho que eu deveria era ter afundado naquele lago.

— O que? Leta, não diga isso. Tenho certeza que foi tudo um mal entendido. — o Scamander falou, no seu habitual tom gentil.

— Mal entendido como? Eu sou má, Newt. Eu quis fazer aquilo com a irmã dela. Merlin, não sei como você ainda anda comigo. — Leta gesticulou, exausta de si mesma.

— Como assim?

— Você é bom demais, Scamander. Você é sempre paciente, gentil e calmo. Talvez seja isso que te impeça de enxergar que eu sou um monstro! — a Lestrange falou a última palavra num tom mais alto, com asco de tudo em sua vida.

— Um monstro? — Newt riu. — Leta, você está longe de ser um monstro.

— É isso mesmo Newt, você só não enxerga porq… — a menina ia continuar falando, mas foi interrompida pelo garoto.

— Leta Lestrange, você está longe de ser um monstro. — o loiro voltou a repetir, dessa vez olhando fundo nos olhos da amiga. — Não quero que repita isso. E, mesmo que fosse um monstro, o que eu não concordo que você seja, acho que você já devia ter percebido.

— Percebido o que? — a morena perguntou, quase num sussurro.

— Bem, o que dizem por aí… Que eu tenho essa mania de amar os monstros. Não importa o quão esquisitos ou desajustados eles sejam.

Newt lhe lançou um olhar firme antes de perceber o que havia falado e ficar mais vermelho que um pimentão. Leta sorriu como nunca em sua vida e, guiada por impulsos, se jogou no braços do garoto o envolvendo em um abraço sincero e apertado. Mesmo surpreso, o lufano a abraçou de volta, afundando seu rosto nas roupas molhadas da Lestrange.

Quando se separaram, olharam-se com ternura antes de rirem meio sem jeito.

— Desculpa por isso. — Leta falou, a timidez fluindo em seu corpo.

— N... não precisa se d... desculpar. — Newt disse sorrindo, porém mais sem graça que nunca.

O Scamander foi o primeiro a se levantar. Olhou feliz e instigante para Leta antes de oferecer ajuda para a garota sair da grama molhada. A sonserina, mesmo sendo uma orgulhosa nata, aceitou a mão do amigo e se pôs de pé ao lado dele. Limpou com as mãos a grama que havia grudado no uniforme e no cabelo enquanto observava Newt fazer o mesmo em suas roupas.

— Acho que precisamos nos limpar e nos secar. — Leta falou com obviedade.

— Concordo. Que bom que conheço um feitiço perfeito pra isso. — o loiro respondeu — Vamos?

Então Leta entrelaçou um dos braços ao do amigo e ambos foram caminhando em direção ao castelo, provavelmente até a torre perto da Corvinal onde costumavam se encontrar.

Leta Lestrange saiu dali com água da cabeça aos pés, com o passado batendo à porta e com o coração transbordando um sentimento incomum: amor.

Desde que havia conhecido Newt Scamander, a vida da sonserina em Hogwarts havia mudado drasticamente. Animais e criaturas extraordinárias agora faziam parte de sua vida e ela os recebeu de bom grado. Detenções semanais agora eram rotineiras, mesmo isso sendo ruim para o seu histórico. Olhos azuis e cabelos loiros que pareciam ter acabado de levantar da cama agora preenchiam seus dias. Disso ela não reclamava.

Talvez aquele amor que descobrira segundos atrás sempre estivera ali dentro do peito caótico de Leta. Mas a garota não tinha certeza e não queria arriscar. Era orgulhosa, teimosa e sonserina demais para aquilo. E não queria e nem iria admitir que o lufano mais problemático que já conhecera a fazia sentir aquele turbilhão de sentimentos que jurara nunca sentir. Mesmo assim, a realidade estava ali na cara dela.

Leta sabia que não era uma garota fácil de lidar. Seu passado a assombrava constantemente, moldando sua personalidade desafiadora e fazendo-a construir uma muralha em torno de si. A Lestrange tinha consciência de todos os erros que já cometera e de todos os aspectos negativos de sua personalidade.

Sim, era um monstro.

E a cada dia que passava aquela ideia se firmava cada vez mais em sua mente junto com a imagem do irmão afundando na escuridão.

Porém, possuía alguém disposto a passar por todo aquele caos generalizado junto com ela. Alguém que a fazia acordar motivada, mesmo nos dias mais frios de inverno. Alguém que via beleza no monstro que ela possuía dentro de si.

Porque além de todas essas questões, Leta tinha algo a mais pra pensar: Newt Scamander. E quando o pensamento de que era um monstro lhe voltava a mente, a sonserina conseguia respirar fundo e lidar com isso, pois finalmente havia algo que a acalmasse:

A certeza de que nunca houve um monstro que Newt não amasse.



Este é o último capítulo disponível... por enquanto! A história ainda não acabou.