Capítulo 11: Reconciliação

― Você parece triste, Jim. Espero que não seja nada com seu sobrinho. ―Selek comentou depois de alguns segundos de silêncio. Ele tinha notado a mudança no humor de Jim assim que o humano apareceu em sua porta, mas esperou alguma conversa ser dita antes para, enfim, trazer esse fato para a conversa.

Jim suspirou, cansado. E colocou sua xícara de chá vazia sobre a mesa.

― Não. Peter está bem.

― Seu desânimo tem alguma relação com a razão pela qual você está voltando para a Terra três dias antes do que tinha planejado?

Jim olhou para o velho vulcano um pouco surpreso. Jim sorriu. Selek o conhecia, ou pelo menos parecia ter conhecido muito bem seu próprio Jim Kirk.

Jim olhou para o vulcano a sua frente, a quem chamava de Selek, mas que ele sabia ser na verdade Spock. Ou melhor, uma versão mais velha do Spock, vindo de uma realidade alternativa.

Uma realidade que Jim começava a desejar cada vez mais.

Jim olhava para aquele rosto enrugado e conseguia enxergar o Spock jovem que um dia fora. Os olhos eram os mesmos. O mesmo tom de castanho que Jim se acostumara a ver nos olhos de seu próprio Spock. Ainda assim, o Spock a sua frente, Selek... Selek tinha algo que Jim jamais teria de seu próprio Spock; nem teria de Selek, pois já pertencia a outro Jim Kirk.

― Eu fiz algo que não devia ter feito. ― Jim falou devagar, observando se Selek demonstrava alguma reação de entendimento ou de descontentamento. ― Spock ficou... zangado. Ou eu estou zangado com ele, não sei. Bom... as coisas ficaram um pouco estranhas entre nós.

― Tenho certeza de que ele não está zangado com você.

― Como você poderia saber?

― Eu sou ele. ― Selek disse em um tom divertido. Jim sorriu.

― Verdade. Mas não exatamente ele. Ele é... diferente... em muitos aspectos.

― De fato. No entanto, o que estou tentando dizer é: meu Jim e eu tivemos várias discussões e desentendimentos ao longa de nossas vidas, mas jamais cheguei a ficar genuinamente zangado com ele. Imagino que para Spock não seja diferente.

― Seu Jim parece ter sido um cara legal, centrado, responsável e maduro. Consigo ver porque você o admirava tanto. Já eu... Eu posso ser um idiota irritante às vezes. Você provavelmente não agüentaria passar cinco anos preso comigo numa nave.

― Você parece ter uma visão meio idealizada do Jim Kirk que eu conheci.

Jim deu de ombros.

― Bem, você contribuiu para isso, meu velho. Sempre que você o menciona, tenho a impressão que ele era tudo o que eu não consigo ser. Tudo o que eu gostaria de ser.

― Você está errado, Jim. Você tem mais em comum com ele do que imagina. Meu Jim era menos rebelde e menos autodestrutivo do que você, mas isso não quer dizer que ele nunca colocou sua vida em risco desnecessariamente. Em caráter, pelo que percebi, vocês são iguais. Acredito que as maiores diferenças entre vocês seja a cor dos olhos, a altura e algumas experiências de vida. De resto, vocês são idênticos. Não cobre tanto de si mesmo. Você ainda é jovem, tem muito para aprender. Há tempo, Jim. Não fique ansioso se as coisas não estão como você gostaria agora. Há tempo. ― Selek fez uma pausa. ― Como você, o meu Jim temia a solidão.

Jim levantou os olhos, enormes de surpresa, brilhantes de emoção. Selek não precisou de uma confirmação falada para saber que ele estava certo; este Jim também temia a solidão. Este jovem James Kirk, assim como o James Kirk que ele conhecera, estava sempre rodeado, admirado e desejado por muitos, mas estava muito sozinho dentro de seu peito. Selek conseguia sentir a emoção e a mente de Jim o atraindo, mas ele não podia fazer nada para aliviar isso. Ele não estava ligado a este Jim. Ele não tinha esse direito.

Selek sabia que ele não seria o suficiente para sanar a solidão de Jim, assim como este Jim jamais poderia preencher o espaço que outro Jim ocupara na mente de Selek.

― Jim tinha uma personalidade forte. Poucas pessoas eram próximas o suficiente para conhecê-lo de verdade, então, a maioria ou o amava ou o odiava.

― Você o amava. ― Não era uma pergunta.

― Eu era próximo o suficiente para conhecê-lo de verdade.

― Quão próximo? ―a pergunta simplesmente saiu, e Jim começou a falar rápido e nervosamente. ― Quero dizer, você não precisa dizer se não quiser, mas também não precisa mentir. Eu sei que vocês tinham uma coisa.

Selek o olhou por um momento, profundamente.

― Dizer que “tínhamos uma coisa” é colocar em termos muito simples. Contudo, como você sabe?

― Pela forma como você fala dele. Pela forma como você olha pra mim. Com profundo carinho, amor e saudade. ― Jim se interrompeu e, num tom mais baixo e envergonhado ele admitiu: ― é a forma como eu gostaria que Spock olhasse para mim.

Depois de dizer isso, Jim não teve mais coragem de levantar os olhos para Selek. Por que ele estava dizendo essas coisas para Selek? Isso só faria Selek triste. Talvez Jim só queria que pelo menos um Spock mostrasse que o amava, mesmo que não fosse exatamente o Spock que ele tinha em mente. E Jim se sentiu mal por parecer tão egoísta.

― Jim? ― Jim assustou-se quando sentiu a mão do vulcano segurando a sua. Jim imaginou que Selek estava fazendo um de seus truques vulcanos, pois ele imediatamente começou a sentir sua pulsação desacelerar e sua mente mergulhar em clareza e tranqüilidade. Jim ergueu os olhos para encontrar os olhos de Selek. Os olhos de Spock. ― Dê tempo a Spock, Jim. Seja paciente com ele, como meu Jim foi comigo.

― Vocês foram casados? Vocês foram felizes? Você e seu Jim? ― Jim disparou a perguntar.

Selek retirou a mão do contato com Jim, não suportando a intensidade da dor e demais emoções que emanavam do jovem homem.

― Receio que seja melhor que eu não lhe forneça mais nenhuma informação sobre James e eu, Jim. Se as coisas não acontecerem para você como aconteceram para mim, isso só o faria infeliz.

Jim deu um pequeno e triste sorriso.

― Não precisa dizer. Eu já tenho minhas respostas.

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Jim se surpreendeu ao ver Spock esperando na frente da casa de Selek. O vulcano estava encostado em um hovercarro, mas pôs-se em uma postura perfeita e rígida quando viu Jim se aproximar.

― O que você está fazendo aqui, Spock? ― Jim indagou sem energia.

― Vim buscá-lo.

― Eu disse que pegaria um táxi.

― O que já não é necessário, visto que estou aqui e posso levá-lo.

Spock não esperou Jim dizer qualquer outra coisa, ele deu a volta no hovercarro e abriu a porta do passageiro para Jim.

Jim suspira. Ele não quer discutir.

Não havia razão para ele estar zangado com Spock, ele pensou. Por outro lado, Spock tinha todo o direito de estar bem chateado. Mas ainda assim, aqui estava o vulcano, tentando construir uma ponte entre eles. Jim resolveu tomar essa atitude como uma prova da humildade e da diplomacia de Spock e não um sinal de esperança.

“Jim. Seja paciente com ele, como meu Jim foi comigo.”

Jim não tinha certeza se um sinal de esperança era algo realmente bom ou doloroso.

Spock tinha retribuído aquele beijo por um momento. Isso poderia significar que Spock gostava dele, poderia significar nada além de resposta biológica. Agora, Jim tinha certeza que Spock-Selek era apaixonado por seu Jim Kirk, mas isso não era garantia de que o Spock desta dimensão amaria Jim da mesma forma. Afinal, este Spock estava com Uhura por anos.

“Seja paciente com ele.”

Jim tomou o banco do passageiro e ficou quieto.

Depois de vários minutos de silêncio, Spock finalmente falou.

― Eu voltarei com você para a Terra.

Jim olhou para Spock, surpreso. Ele não conseguia entender.

― Você não precisa voltar agora, Spock.

― Nem você, Jim. ― Spock respondeu em um tom quase acusador.

Os olhos de ambos se encontraram por alguns segundos, e Jim sentiu aquele calor dentro do peito, uma sensação de reconhecimento e familiaridade. Aquela velha rivalidade Primeiro Oficial e Capitão de quando eles discordavam em alguma coisa. Jim sorriu, ainda que minimamente.

― Você é um homem teimoso, senhor Spock.

Spock relaxou os ombros.

― Você já me disse isso algumas vezes. ― o tom de Spock era mais leve agora. Jim podia reconhecer a diversão naqueles olhos castanhos. Spock voltou sua atenção para a estrada.

Jim suspirou. Ele sentia seu peito apertado.

Jim pediu que Spock estacionasse o carro. O vulcano olhou para ele com uma sobrancelha levemente erguida, Jim podia ver que Spock estava preocupado e intrigado. Jim se perguntou quando exatamente ele começou a perceber e a diferenciar as micro expressões de Spock.

Spock não entendeu o que Jim pretendia, mas atendeu ao pedido. Quando Spock estacionou no acostamento, Jim abriu a porta e saiu do veículo. Ele imediatamente sentiu o calor abrasador do deserto. Jim virou-se para encarar Spock, que estava parado do outro lado do carro, olhando-o com cautela.

― Spock, Eu... me desculpe. Eu estraguei tudo.

― O que exatamente você estragou, Jim?

― Nossa amizade. Eu não planejei aquilo, ok? Beijar você. Eu não deveria ter feito isso. Eu só queria te dizer o que eu sentia por você, mas então... Eu não pensei em você, não pensei na Uhura, eu não pensei em nada além da vontade de... ― Jim olhou para Spock e viu que o vulcano estava voltando a ficar tenso. ― Eu sinto muito. Eu me excedi.

Spock ficou olhando para o teto do carro entre eles. Ele estava tentando encontrar as palavras certas para dizer.

― Você não... se excedeu. A minha curiosidade e falta de controle teve sua parcela de culpa.

Spock fez uma pausa. Ele parecia estar criando coragem para dizer mais. Jim esperou.

― Quando você se aproximou de mim, eu sabia que você iria me beijar da forma humana. Você me deu tempo para recuar, mas eu não o fiz. Eu... quis saber como seria... a sensação. Eu cedi à minha curiosidade. Você prosseguiu porque eu deixei. As emoções foram muito... Eu perdi o controle. Não foi sua culpa.

Jim ficou olhando para Spock com olhos arregalados. Seu coração martelava no peito. Spock continuou:

― Além disso... Eu estou em um relacionamento com Uhura. Eu tenho muito respeito por ela. Quando me dei conta de que o que eu estava fazendo era errado e a magoaria, eu não pude continuar. Por mais que eu...

Jim sentiu sua garganta apertar e arder. Sua respiração queimava. Spock estava um tanto verde, e Jim suspeitou que o vulcano não fosse dizer mais nada.

― Eu sinto muito por fazer você passar por isso.

― Também peço desculpas pelo meu comportamento posterior. Eu fui... grosseiro e insensível, eu vejo agora. Mas espero que você fique e conceda a nós dois a oportunidade de concertar isso.

― Você realmente quer que eu fique? Não está zangado? ― Jim olhou para o horizonte vermelho alaranjado ao fazer a pergunta. ― Eu não quero deixar você desconfortável.

― Eu não estou zangado com você, Jim. E o meu convite para você se estende por mais três dias, tempo que eu gostaria de compartilhar com você. Eu ficaria grato se você decidisse ficar. Mas se você realmente quiser voltar, para estar com sua mãe e seu sobrinho, eu entendendo perfeitamente. Mas se você não quer ficar porque eu não pude retribuir...

― Não, Spock! Não é isso. Eu só não quero fazer você se sentir mal por causa do que eu fiz. Eu... Eu quero ficar com você. Você é meu amigo, Spock. Acima de tudo, você é meu amigo. Eu não quero que isso mude. Isso, não.

Jim sentiu-se tonto e nauseado. Respirar estava cada fez mais difícil. Seu peito parecia estar sendo pressionado por uma força invisível.

― Algum problema? ― Jim ouviu Spock perguntar.

― Estou um pouco tonto.

Spock deu a volta no carro rapidamente e segurou Jim pelo braço, ajudando-o a manter-se em pé e levando-o de volta para dentro do carro. Spock colocou os dedos sobre o pulso de Jim.

― Quando foi a última vez que tomou o composto Tri-Ox que o Dr. McCoy lhe deu?

Jim fez uma careta.

― Antes de irmos buscar Peter.

― Jim. ― Spock conseguiu falar numa mistura perfeita de piedade e repreensão.

― Estou com... dificuldade... para respirar.

― Você está sofrendo os efeitos da pressão atmosférica de Novo Vulcano, tente ficar calmo.

―... Spock, eu não...

― Jim, abstenha-se de falar. ― Spock aconselhou, mas Jim já tinha perdido a consciência.

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― Não se preocupe. Ele ficará bem assim que o remédio começar a fazer efeito. Em uma hora ele estará liberado.

Spock teria suspirado de alívio se ele não estivesse em um hospital e rodeado por médicos e enfermeiros vulcanos, que veriam tal ato como um comportamento humano.

― Posso ficar com ele? ― Spock indagou, e a enfermeira vulcana o olhou como se não tivesse entendido. Ela não via lógica em ficar ao lado de um paciente que não precisava de assistência.

― Não há necessidade. Mas me disseram que pacientes humanos costumam preferir companhia quando em hospitais. Você tem permissão.

A enfermeira se afastou para atender outro paciente e Spock seguiu para o lado da maca de Jim. A visão de Jim deitado ali trazia lembranças ruins a Spock. O humano já estava acordado e sorriu ao ver Spock se aproximar.

― Por favor, me diga que você não contou a minha mãe que estou aqui. ― então Jim olhou para Spock, assustado. ― Você não contou ao Magro, contou?

― Certamente que não.

― Graças! Oh, ele me encheria os ouvidos pelo resto da missão.

― Ele também me repreenderia, e com razão. Ele exigiu que eu cuidasse de sua saúde aqui e eu, obviamente, falhei.

― Bobagem, não foi sua culpa. Eu não sou uma criança.

― Começo a ter dúvidas. ― Spock falou, não havia tom de brincadeira. Apenas uma ameaçadora frieza vulcana. ― Você foi irresponsável, Jim. Negligenciou a sua saúde. Poderia ter morrido.

― Não foi nada. Eu só desmaiei. Já estou bem. E eu estava com outras coisas mais preocupantes na cabeça para me lembrar dos malditos hyposprays.

Jim viu Spock apertar os punhos e corrigir sua postura. O assunto delicado foi trazido à tona de maneira não muito agradável. Justo quando eles estavam tentando consertar as coisas.

― Me desculpe. ― Jim falou.

Eles ficaram em silêncio por vários segundos até a enfermeira sair.

― Como poderei me concentrar em minhas próprias missões, se do outro lado do espaço você estará constantemente colocando a sua vida em risco? ― Spock perguntou. Jim sentiu seu coração acelerar novamente.

― Outro Primeiro Oficial terá que se preocupar com a minha falta de autopreservação, você poderá ficar tranqüilo.

― Estou incerto disso.

― Provavelmente. Ninguém cuidaria de mim como você.

Spock abriu a boca para dizer algo, mas se refreou. Então...

― De fato. Você ainda terá o doutor McCoy.

Jim riu.

― Verdade. Ele tentará me manter na linha. Mas nunca será o mesmo sem você.

― Devo lembra-lo que sua mãe e sobrinho deixarão o planeta em aproximadamente três horas. ― Spock mudou o tema da conversa inesperadamente.

― Verdade.

― Sua resposta então?

Jim piscou, confuso, sem saber a que Spock se referia. Então ele chegou a compreensão, lembrando-se da conversa que tiveram na estrada.

― Eu vou ficar.

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Eles já tinham chegado à casa de Sarek quando Spock perguntou antes que Jim saísse do carro.

― Jim?

― Sim, Spock?

― Você gostaria de jantar?

― Jantar? Você diz... sair pra jantar?

― Foi o que eu disse.

― Tipo... nós dois? Você e eu?

Spock piscou, confuso com a redundância ilógica.

― Exato.

Jim pensou por um momento. Ele não sabia o que aquele pedido de Spock significava, mas Jim se recusou a criar expectativas ou esperanças. Ele simplesmente aceitou o que lhe era oferecido.

― É claro, Spock. Eu adoraria.

Jim abriu um enorme sorriso e saiu do veículo.

Spock sentiu seu coração bater de um jeito que não deveria.