Todo o Espaço Entre Nós

Capítulo 15: Avelã e Cerúleo


Spock enrolou seu tapete de meditação e se levantou com alguma dificuldade. Ele estava pronto para dormir. Ele olhou para as estrelas da janela e soltou um suspiro resignado. Mesmo depois de tantos anos, o período da noite ainda era o momento mais difícil do dia. Se ele fechasse os olhos, ele ainda poderia ouvi-lo dizer “Venha logo para cama, ashayam”, e ele recordaria seu cheiro e a sensação do toque de sua pele. E por um instante Spock poderia acreditar que ele estaria lá, exceto que apenas uma cama vazia o esperava.

Como todas as noites, ele buscou em sua mente o antigo link mental. O vínculo ainda estava lá, mas adormecido. Spock não sentia nada na outra ponta. Um silêncio que durava anos. Isso poderia significar que aquele que estivera ali, morrera. Mas Spock jamais sentiu sua morte, portanto, secretamente, ele ainda acreditava que Jim estava vivo.

— Sinto sua falta, meu amigo. Você pode me escutar? — ele disse para as estrelas, porque se James T. Kirk ainda estivesse vivo em algum lugar, seria entre elas. — Dê-me um sinal que sim.

Ele não esperava uma resposta verdadeiramente, mas ele estava velho e se permitia pequenas ilogicidades.

Ele se sobressaltou com o chilrear da porta de entrada. Ele olhou para a porta e para o céu estrelado com incredulidade.

— Ilógico! — disse a si mesmo e foi atender seu visitante inesperado.

Quando abriu a porta, foi surpreendido pelo jovem Spock e por uma onda de emoções e pensamentos vagos envolvendo Jim.

— Aconteceu alguma coisa com Jim? — ele indagou preocupado. Mas o jovem informou que Jim estava bem, e que sua visita era por razões pessoais.

O ancião vulcano deu espaço para que seu jovem homólogo entrasse e se acomodasse no sofá. Ele serviu chá para eles dois, mas o jovem vulcano nem tocou em sua xícara.

— Embaixador Spock—

— Você não precisa me chamar assim. Todos aqui me chamam de Selek. Eu não me importo.

Spock pensava que era ilógico se dirigir a este vulcano por outro nome que não fosse o dele, principalmente quando não havia ninguém ali além deles dois. Spock sabia que o Embaixador fazia isso por respeito a ele, como se o ancião não merecesse usar seu próprio nome neste universo. Mas Spock estava ciente de que não era o primeiro nem o único Spock a existir, e provavelmente não seria o último.

No entanto, Spock não queria contrariar o Embaixador. O ancião já estava sendo imensamente compreensivo por recebê-lo em hora tão imprópria; quando Spock chegou o cronômetro marcava exatamente onze minutos após a meia-noite, e isso foi antes do Embaixador gastar mais 7.9 minutos para preparar um chá.

— Senhor Selek, há algumas questões que eu gostaria de esclarecer com você. Estou tentando reunir o máximo de informações possíveis para uma decisão que estou prestes a tomar.

— Compreendo.

— São questões de natureza pessoal. — Spock sentiu a necessidade de enfatizar. Se o ancião não fosse favorável, ele estava livre para dizer, e Spock se retiraria sem qualquer ofensa.

— Você já me informou isso. E lhe concedo permissão para questionar o que quiser. Eu não me importo de te fornecer as respostas. Se eu julgar que posso fornecê-las, é claro.

Spock meneou a cabeça afirmativamente. Provavelmente, ser direto era a forma mais prática.

— Seu relacionamento com Nyota Uhura foi bem sucedido?

Selek ergueu uma sobrancelha.

— Tenente Uhura?

Quando o Embaixador fez a pergunta, Spock percebeu que o ancião jamais se referiu a Nyota pelo primeiro nome. Talvez por respeito. Talvez por falta de familiaridade. Spock observou o ancião levantar sua xícara de chá aos lábios, claramente debatendo como responder à questão ou se deveria responder.

— Eu jamais tive qualquer relacionamento com ela, exceto o profissional. Ocasionalmente conversávamos sobre assuntos de mutuo interesse; às vezes, para entreter a tripulação, a pedido do Capitão, eu e ela fazíamos uma apresentação musical juntos: ela cantava e eu a acompanhava com minha lira. Ela era uma pessoa agradável, inteligente e uma excelente profissional. Eu a admirava e a respeitava como colega, nada mais. Devo confessar que seu envolvimento com a Uhura deste universo foi o segundo fato que mais me surpreendeu quando cheguei aqui, pois jamais pensei nela de forma romântica.

O jovem Spock considerou isso. Não era uma surpresa, Spock já suspeitava. Em todas as conversas que tiveram, o Embaixador Spock jamais fez qualquer questionamento em relação à Nyota. Por outro lado, o Embaixador sempre tinha uma pergunta ou outra sobre o Capitão Kirk.

A cabeça de Spock caiu um pouco para o lado, um movimento que ele fazia inconscientemente sempre que refletia sobre algo. Analisando todas as palavras do discurso de Selek, algo atrai a curiosidade de Spock.

— Qual foi o primeiro fato que mais o surpreendeu? — Spock pergunta. E no momento em que a última palavra sai de sua boca, ele percebe que essa é provavelmente uma pergunta cuja resposta não lhe diz respeito.

O ancião não parece surpreso ou ofendido, apenas contemplativo. E quando ele fala, sua voz soa gentil e quente.

— Essa é uma questão muito pessoal.

— Entendo. Eu não pretendia ofendê-lo.

— Você não fez. Não é uma coisa grande, na verdade. Eu certamente poderia dizer a você sem que isso afetasse qualquer coisa, mas é um pequeno detalhe que gera respostas emocionais. E é sobre essas últimas que não estou pronto para falar. Mas não se refreie, faça qualquer outra pergunta.

— Então você se casou com T’Pring?

— T’Pring escolheu o Kal-if-fee no dia do nosso casamento. Ela escolheu Stonn.

Spock não estava surpreso. A própria T’Pring que ele conheceu o ameaçou de fazer justamente isso se Spock não concordasse em romper o vínculo pré-marital com ela. Mas havia uma questão, se o Embaixador Spock tinha chegado ao ponto de ter que se submeter ao Kal-if-fee, isso significava...

— Você matou Stonn? — Spock perguntou com cautela. A morte durante o Kal-if-fee era considerada uma morte justa, não punida como um assassinato; era apenas um resultado possível de um ritual antigo de casamento. Mas a vida era sagrada para os vulcanos, tirar uma vida era sempre um fardo pesado para o Katra.

— Negativo.

Spock contraiu levemente as sobrancelhas.

— Eu não entendo... Você não matou Stonn, não morreu no Kal-if-fee e obviamente não morreu por... —Spock hesitou, ele se endireitou no sofá, seus olhos se desviaram para o chão, ele podia sentir suas orelhas queimarem. Spock só desejava que seu rosto não estivesse completamente verde. Ele tentou convencer a si mesmo que não havia lógica em sentir vergonha diante de um homem que, em teoria, era ele mesmo. Spock tentou olhar nos olhos do Embaixador, mas não conseguiu. Aquele constrangimento estava arraigado nele. — Você... você não passou por Pon Farr?

Selek notou a pequena nota de esperança no tom hesitante e constrangido de Spock.

— Pelo contrário, eu passei por isso. Por mais de um, na verdade, ao longo da vida.

Spock suspirou. — Eu esperava que por minha natureza híbrida, esse aspecto da biologia vulcana jamais me atingisse — ele confessou.

— Assim como um dia acreditei nisso. Mas confie em mim, não é possível controlar Pon Farr apenas com meditação. — O ancião olhou para o vapor quente saindo da xícara em suas mãos. — O dia do meu casamento com T’Pring foi o mais infeliz possível. Os eventos ocorreram de forma inesperada. T’Pring guardava rancor de mim, ela foi a primeira vulcana a escolher o kal-if-fee durante o Koon-ut-kal-if-fee em oitenta e nove anos. Para proteger Stonn, T’Pring escolheu outra pessoa para duelar comigo. Eu venci o duelo.

O ancião fez uma pausa, havia uma pequena e quase imperceptível contração entre suas sobrancelhas e Spock podia ver as falanges dos dedos dele embranqueceram quando ele apertou a xícara.

— Felizmente ninguém morreu, realmente. No fim, eu percebi que não a queria, então a entreguei a Stonn. Ficamos em paz. Posteriormente, eu encontrei um companheiro.

— Um Parceiro de Necessidade?

Spock não queria parecer rude, mas seu tom saiu quase reprovador. Recorrer a um Parceiro de Necessidade era quase tão vergonhoso quanto o Pon Farr. Muitos vulcanos que ainda não possuíam um parceiro adequado quando o Pon Farr os atingia, não viam alternativa a não ser recorrer a um Parceiro de Necessidade. Alguém com quem fariam um elo superficial, alguém apenas para satisfazer a luxúria. Uma atitude desesperada, e até compreensível, para salvar a própria vida.

. Aqueles vulcanos que se voluntariam a ser um Parceiro de Necessidade são vistos com grande respeito, pois ajudam a salvar vidas, mas Spock sempre pensou que preferia morrer a permitir que um estranho toque seu corpo e sua mente enquanto ele estiver despido de sua capacidade de raciocínio. Mas talvez não haja escolha; talvez o instinto de sobrevivência seja tão forte quanto o próprio Pon Farr.

— Pelo contrário, ele e eu estávamos ligados — Selek respondeu.

Spock olhou o ancião nos olhos pela primeira vez desde que trouxe o Pon Farr para a conversa. Alguma coisa nos olhos do Embaixador, algo na maneira dele falar, fez o coração de Spock bater mais rápido; e ele sentiu o que os humanos provavelmente chamariam de uma intuição.

Ele? — o jovem indagou. E não havia surpresa em seus olhos, apenas curiosidade.

— Por que você não faz a pergunta que esteve em sua mente desde que chegou aqui? — Disse o Embaixador. Sua expressão facial estava se suavizando, e Spock podia notar todos os pequenos traços que sugeriam um discreto sorriso. — Estou curioso, você me perguntou sobre Uhura e T’Pring, mas não me perguntou sobre Jim. Suas emoções e pensamentos em relação a ele estão tão fortes que os notei desde o momento em que você chegou. No entanto, você está evitando mencioná-lo.

— Como você...?

— Nossa telepatia é mais forte do que a da maioria dos vulcanos, você já deve ter notado; podemos projetar e podemos absorver se estivermos a uma curta distância. E você não está se protegendo muito bem.

Spock ficou um pouco envergonhado por seu lapso, ele nem percebeu que estava projetando suas emoções. Seus controles mentais definitivamente não estavam como deveriam estar.

— Você disse que ele era apenas seu amigo.

— Eu disse que ele e eu desfrutamos de uma amizade que nos definia. Eu jamais disse que ele foi apenas um amigo. James Kirk foi muitas coisas para mim.

— Você queria que isso se repetisse aqui. Seu relacionamento com Kirk. Você queria que eu me envolvesse romanticamente com Jim. Por isso me aconselhou a procurá-lo. Você planejou isso.

O Embaixador ergueu uma sobrancelha e suspirou sem qualquer cerimônia.

— Está enganado. Eu respeitei sua vida e suas escolhas. Eu soube do seu envolvimento com a tenente Uhura, por isso não quis interferir. Mas a amizade de Jim foi importante para mim. Eu esperava que vocês dois tivessem isso, a amizade, se não pudessem ter nada mais. Eu esperava que você encontrasse um amigo em Jim, com o tempo. Se você se apaixonou por seu capitão, eu não poderia ser responsabilizado por isso. Ninguém poderia, exceto você mesmo.

O jovem abaixou a cabeça. Seus olhos fixos na xícara intocada a sua frente.

— É sobre isso que estamos falando? Você se apaixonou por ele?

Pela primeira vez Spock esticou o braço para pegar sua xícara de chá. A porcelana já estava fria ao toque e havia um pouco de condensação em volta da borda. Spock sorveu o líquido lentamente, um ato deliberado para ganhar tempo mais do que para apreciar o sabor das especiarias. Ele não poderia se recusar a responder, não quando ele fizera tantas perguntas pessoais e recebera respostas sinceras; ele provavelmente não receberia tanto de qualquer outro vulcano. Além disso, Spock suspeitava que se alguém poderia compreender suas ações seria o vulcano a sua frente.

— Eu pretendo terminar meu relacionamento romântico com Nyota Uhura. E desejo iniciar um com Jim, agora que sei que ele também tem sentimentos românticos por mim. No entanto... ainda há alguma medida de incerteza.

Selek não demonstrava qualquer sinal de surpresa, reprovação ou acusação, apenas uma leve inclinação nos lábios. Não era um sorriso, mas certamente provava que ele estava satisfeito.

— O que o preocupa?

— Apesar de alguns desentendimentos, Nyota e eu conseguimos manter uma relação estável até o presente momento. Eu consigo ver como ela poderia ser uma companheira adequada e eu seria um bom marido para ela. Uma relação romântica com Jim ainda é uma incógnita. E Jim costuma ser... volátil... e intenso em suas relações amorosas. Eu temo que...

— Você duvida dos sentimentos de Jim?

— Não. — Spock respondeu com força, quase ofendido pela insinuação. Ele havia compartilhado uma fusão mental com Jim, ele sabia que os sentimentos de Jim eram verdadeiros.

— Duvida dos seus sentimentos, então?

— Não. Eu não sei. Eu temo que eu não seja adequado para ele. Que eu não possa dar o que ele precisa ou o que ele está acostumado a receber. O que eu sinto por Jim é um tanto assustador. Desajusta meus controles mentais. É... muito. — Spock franziu a testa para si mesmo, não era muito vulcano. Ele também nunca soou tão impreciso e incompleto sobre qualquer coisa. Ele tinha consciência de que não era emocionalmente habilitado para lidar com tudo isso, todos esses sentimentos que envolviam James Kirk. — Sempre que estou com ele, e isso foi desde o início, tenho dificuldade para manter meus controles mentais no lugar. Mesmo agora, depois de tê-lo deixado a quilômetros daqui, ainda posso senti-lo. É como se suas emoções penetrassem em mim, e continuassem em mim mesmo quando eu me afasto. E continua muito tempo depois. É simplesmente muito. Se poucas horas com ele é assim, imagino como seria... Tenho medo de me perder, e de perdê-lo em seguida.

Spock se sentiu envergonhado, principalmente quando percebeu que o silêncio se prolongava e o Embaixador continuava olhando para ele. Spock sentiu que voltara a ser uma criança, incapaz de controlar e esconder seu emocionalismo, sob o escrutínio reprovador de Sarek.

Para sua surpresa, o Embaixador se levantou e se sentou ao lado dele no sofá. Spock não sabia o que pensar dessa atitude, ele olhou para o Embaixador com curiosidade. E não foi reprovação que ele viu naqueles olhos. Eram os mesmos olhos de Amanda Grayson. O mesmo olhar carinhoso e tranqüilizador. Spock quase esquecera disso: ele tinha os olhos de sua mãe.

— Spock, eu vou lhe dizer algumas coisas que só aprendi depois de muitos anos de vida, depois de muito sofrimento. Mas espero que você não interprete isso como uma tentativa minha de manipular o seu futuro. Em vez disso, encare como um conselho de um irmão mais velho. Ou um tio-avô, levando em consideração a minha idade avançada.

Spock assentiu.

— Você não é o único vulcano a ter dificuldades para controlar as próprias emoções. Alguns vulcanos têm mais habilidade de controle, outros têm menos. Não tem nenhuma relação com você ser meio-humano. Eu passei algum tempo em um mosteiro em Seleya e também fui auxiliar voluntário de um Curador da Mente durante 14.3 meses. Durante essas duas experiências, eu aprendi que muitos vulcanos, vulcanos de sangue puro, também tinham suas próprias dificuldades de controle, alguns em maior grau que outros. Eu desejei que alguém tivesse me dito isso enquanto eu estava crescendo, porque para um meio-vulcano, tudo parecia uma fraqueza resultante da minha biologia híbrida. É, na verdade, algo comum a todos os vulcanos.

Spock queria muito acreditar nisso, mas ele ainda se sentia muito duvidoso.

— O nosso povo aderiu à lógica e ao controle das emoções porque era necessário. Nossa raça foi outrora dominada pela violência, a paixão e a luxúria. Isso não desapareceu com os milênios, apenas aprendemos a controlar. Portanto, ao longo da vida, todos os vulcanos vão experimentar emoções como raiva, alegria, tristeza, amor... desejo. Nada disso é errado. Apenas natural. Você só precisa aprender a lidar com essas emoções. Não as suprimir. Dominá-las. Ou elas dominarão você em algum momento.

— Como eu as domino?

— Experimentando-as. Testando-as. Observando até que ponto você é capaz de senti-las e apreciá-las sem sofrer qualquer dano.

Spock lembrou da última vez que se propôs a experimentar uma emoção e uma sensação, quando se deixou levar por um desejo: o beijo de Jim. Um turbilhão de emoções e sensações quase sufocante. Foi uma experiência surpreendente, assustadora e prazerosa em proporções iguais.

— Experimentar pode não ser muito sábio.

— Depende de como você faz isso, e em quem você confia para compartilhar isso.

De repente Spock se sentiu um pouco incomodado, porque ele não tinha mais certeza sobre o que eles estavam falando.

— O que exatamente você esperava quando decidiu vir até aqui?

— Acredito que eu buscava confirmação.

— Confirmação?

— Eu preciso saber se estou tomando a decisão certa e não cometendo um erro baseado em pura paixão e emocionalismo. Minhas decisões poderão machucar duas pessoas que tenho em grande estima.

— Pode machucar você também.

Spock não havia levado isso em consideração.

— Você veio aqui em busca de uma certeza. Faça a pergunta então.

O jovem corrigiu sua postura e perguntou:

— Você e seu capitão Kirk tiveram um relacionamento romântico?

— Afirmativo.

— Você o amava?

Ainda o amo.

Spock considerou aquela última resposta e perguntou com cautela:

— Você planeja buscar um relacionamento romântico com o Jim deste universo?

— Por que você pensaria isso?

— Vocês compartilharam uma união de mentes. Vocês mantiveram contato em segredo por 4.3 anos. Ele parece muito à vontade em sua companhia e você na dele. Quando eu e ele tivemos um... desacordo, ele veio até você por consolo. Você recentemente o presenteou com um traje Vulcano; não é costume vulcano presentear outros machos com roupas, exceto se forem seus companheiros. Você tem a intenção de cortejá-lo?

— Eu considero Jim, seu Jim, apenas um amigo. Quase um filho. Ele me disse que você o convidou para um jantar, por isso eu dei a roupa para ele. Eu achei que você iria apreciar. Eu nunca pretendi cortejá-lo.

— Você queria que eu me sentisse atraído por ele.

— Eu queria que você notasse como ele pode ser agradável aos olhos. Diga-me, como ele parecia? Ele ficou bem?

O jovem soltou uma lufada de ar pelo nariz.

— Bem é uma definição muito pobre para Jim. Ele parecia muito, muito—

— Spock, não se refreie por minha causa.

— Ele estava extremamente belo. Mais do que o normal.

— Como um príncipe Vulcano.

— De fato.

— Se me permite perguntar, se eu tivesse respondido que eu tive um relacionamento amoroso e satisfatório com Nyota Uhura, e que jamais me envolvi romanticamente com meu capitão, qual seria sua decisão em relação a Jim?

— Com base nas evidências e em minha própria experiência durante o tempo em que já estive em um relacionamento romântico com Nyota, a escolha lógica certamente é manter o meu relacionamento com ela. Eu tenho grande apreço por ela e posso dizer que a amo. É muito mais do que eu poderia conseguir com qualquer casamento arranjado com uma mulher vulcana.

— Mas..

— Eu não a amo tanto quanto eu amo Jim.

Spock se surpreendeu ao perceber como a frase era tão simples e tão verdadeira. Todo o seu dilema e inquietação, sua guerra interna em busca de respostas e entendimento estavam agora resumidos em uma única linha.

Ele amava Nyota, isso era fato. E Spock suspeitava que sempre a amaria. Ela sempre ocuparia um espaço importante em sua vida e em seu coração. Eles compartilharam muito até aqui. Ele realmente a amou. Mas em algum momento, ele também começou a se apaixonar por Jim. No início ele pensou ser apenas amizade, e quando os sentimentos começaram a ficar muito semelhantes ao que ele sentia por Nyota, Spock os reprimiu na esperança que eles sumissem. Mas aquele sentimento só foi se tornando maior, e ele nem sabia dizer como ou porquê.

Spock amava Jim mais do que qualquer outra pessoa. Isso também era fato.

Ele sentiu que não havia mais perguntas a serem feitas, e decidiu que era hora de partir e deixar o seu homólogo descansar.

Quando Spock estava de saída, o Embaixador disse:

— Avelã.

— Perdão?

— Você me perguntou qual foi a primeira coisa que mais me surpreendeu quando cheguei aqui. Foi a cor dos olhos de Jim. Azul cerúleo. Meu Jim tinha olhos cor de avelã. Olhos e cabelos dourados. Às vezes eu olhava para ele e pensava que ele era o próprio sol, forjado nas areias do Monte Seleya. Foi quando percebi que estava me apaixonando por ele. Sempre que olho para este jovem Jim Kirk, o azul de seus olhos, embora também belo e raro, me lembra que ele não é o meu Bondemate. E jamais poderá ser.

Era curioso que os olhos azuis eram a característica física de Jim que mais o atraia. Spock não tinha como olhar diretamente para ele, sem sentir que estava olhando para o fundo de uma piscina ou para o céu terráqueo.

Mais uma vez, Spock ficava surpreso com a carga de emoção na voz de seu homólogo e em como ele ainda era capaz de manter um semblante estoico e postura perfeita. Spock não conseguia captar nada deste Vulcano, nada que o Vulcano não quisesse deliberadamente mostrar ou deixa-lo sentir. Era esse tipo de equilíbrio e controle que Spock sonhava em alcançar.

— Eu quero que ele seja o meu. — O mais jovem confessou.

— Acredito que muitos diriam que não há nada mais lógico do que querer estar com quem você realmente ama.

— Eu devo considerar isso.

.

.

.

Mais uma vez Sarek encontrou James Kirk sentado no jardim nas primeiras horas da manhã, curvado sobre um livro de capa desgastada.

Na primeira noite em que Sarek viu James ali, na penumbra, por um instante, sua mente o traiu, e ele acreditou que fosse Amanda.

O humano parecia ter algum tipo de distúrbio de sono, de todos os dias em Kirk esteve ali, Sarek sempre o viu se levantar muito cedo. Às vezes se perguntava se o humano sequer tinha dormido. Era um comportamento deveras curioso.

Kirk parecia gostar particularmente do jardim. Talvez Kirk não estivesse se adaptado ao planeta e o jardim o fazia se lembrar da Terra. Havia muitas espécies de plantas e flores nativas do Planeta Terra. Sarek recriou um jardim semelhante ao que Amanda cultivou em Vulcano.

— Não se preocupe, eu estou bem. Só estou aproveitando minha última manhã neste planeta. — A voz de James era carregada de uma suavidade que, Sarek suspeitou, fosse dirigida somente a Spock.

— Você sempre pode voltar se assim desejar.

James girou o corpo para trás, e sua postura ficou imediatamente mais rígida ao ver Sarek.

— Desculpe, eu pensei que fosse Spock.

— Eu percebi. Devo pedir desculpas por não ter sido um anfitrião muito presente.

— Não é necessário. O senhor é um Embaixador e tem suas obrigações, eu compreendo. Eu é que agradeço por me receber, e por receber minha família também.

— A senhora Kirk é uma mulher muito interessante. Tivemos uma conversa intelectualmente estimulante, embora breve. Você gosta de livros impressos?

James deu um sorriso tímido. Ele fechou o livro e o virou de um lado a outro nas mãos como se estivesse vendo a capa pela primeira vez.

— Os digitais são práticos, mas nada se compara a ter um livro antigo de capa dura em mãos. É quase um vício.

— Minha esposa pensava o mesmo.

Jim não sabia o que mais dizer depois disso. E ele ficou mais desconfortável quando notou Sarek o observando.

— Por favor, siga-me, James.

Jim piscou antes de levantar e seguir o vulcano. Sarek o guiou até o escritório, único cômodo da casa que Jim ainda não tinha conhecido. Sarek parou e aguardou que James estivesse no meio da sala. Ele apontou para uma estante ao lado esquerdo, cheia de livros.

— Escolha o que quiser.

Parecia mais uma ordem do que uma oferta. Jim olhou para Sarek, a postura perfeita e altiva sem dúvida lhe passava um ar de autoridade e respeito. Jim virou-se para a estante e se aproximou para tocar os livros. Seus dedos deslizavam pelas lombadas enquanto ele lia os títulos rapidamente. Havia alguns títulos terráqueos em meio a obras médicas de Denóbula, contos de Andoria, uma Peça teatral Klingon e outras coisas bem variadas.

— O senhor tem uma coleção bem mista, Embaixador Sarek — Jim falou em voz alta. Uma tentativa de distrair a si mesmo da sensação de ter o vulcano olhando para a suas costas.

— Conhecer a literatura de outros planetas é uma maneira prática de aprender mais sobre a cultura deles.

Jim parou sua busca quando notou um livro médio de capa azul. O mesmo azul dos uniformes de ciência.

Os Ensinamentos de Surak em Inglês Padrão por Amanda Grayson.

— Sábia escolha. É seu agora.

Jim se sobressaltou com a voz de Sarek próxima a ele. Ele nem percebeu que ficara folheando o livro. Havia uma pequena biografia e uma fotografia de Amanda nas últimas páginas. Uma Amanda Grayson muito mais jovem. Jim sorriu ao notar que os olhos de Spock eram muito semelhantes aos de sua mãe.

— Não posso aceitar.

— Por favor, aceite. É um presente, e vulcanos não costumam aceitar de volta o que foi dado como presente.

Jim continuou olhando a mulher sorridente do livro.

— Foi assim que nos conhecemos, Amanda e eu. — Sarek começou a falar.

Jim ficou surpreso, não era comum vulcanos falarem de assuntos tão pessoais. Principalmente quando o Vulcano em questão era o pai de Spock. Jim tinha quase certeza de que Sarek não gostava muito dele.

— Em uma de minhas viagens a Terra, ela veio a mim e apresentou seu projeto. Ela tinha feito uma tradução dos Ensinamentos de Surak e precisava que um vulcano nativo atestasse se a tradução era realmente fiel ao seu significado original. Eu fiquei fascinado pela inteligência e a dedicação dela. Eu estava curioso para saber mais a respeito dela e ela, ao contrário da maioria dos humanos que conheci, parecia confortável com a minha companhia. Ela sempre arranjava alguma desculpa para conversamos, e eu percebi que apreciava isso. Fomos ficando cada vez mais próximos e...

— Em pouco tempo vocês estavam casados. — Jim falou com um enorme sorriso e se esforçou para conter o sorriso quando Sarek olhou para ele com a sobrancelha arqueada.

— Não em tão pouco tempo, mas sim. Amanda tinha profundo conhecimento da língua e da cultura vulcana, isso a ajudou a se adaptar melhor ao nosso planeta e aos nossos costumes.

James ficou pensativo.

— Uhura tem muito em comum com ela. Agora entendo porque Spock a escolheu.

— Um casamento interespécies nunca é algo fácil. Ambos os cônjuges precisam estar preparados para os desafios que isso traz. Eu tendo como para alguns, ter uma relação com um ser de outro planeta pode parecer exótico, instigante ou romântico, mas é algo extremamente sério e não pode ser encarado de forma leviana. A escolha de um parceiro para a vida é algo extremamente sério para os vulcanos.

Jim coçou a nuca, repentinamente muito desconfortável.

— Humm... Por que estamos tendo essa conversa?

— Estou tentando descobrir se você seria um companheiro adequado para meu filho.

— O senhor não...

— Por favor, senhor Kirk. Eu posso ser velho, e Vulcano, mas até eu sou capaz de perceber quando duas pessoas estão apaixonadas. Vocês são amantes?

— Não, senhor. Eu juro. Somos apenas amigos.

— Mas você deseja mais.

— O que eu desejo não importa. Spock merece alguém melhor do que eu.

— É isso mesmo?

Sarek colocou as mãos atrás das costas como Spock costumava fazer.

— Ontem, meu filho veio até mim e me perguntou se eu realmente ficaria muito ofendido se ele, hipoteticamente, escolhesse se unir a um macho humano em vez de uma mulher. Veja bem, senhor Kirk, Spock pode mentir para si mesmo, mas ele é meu filho e eu o conheço melhor do que ele imagina. Eu sei que ele tem sentimentos por você. E a julgar pela falta de controle dele em torno de você, imagino que logo ele agirá de acordo com esse sentimento. Eu sei que os humanos podem ser inconstantes e que não é da natureza de todos vocês manter a monogamia ou um relacionamento duradouro. Vulcanos não são dados a fofocas, James, mas até eu já ouvi rumores sobre suas aventuras românticas.

— A maioria é ficção, senhor, eu asseguro...

— Seu passado não importa. Mas seu futuro sim, caso Spock escolha tomar você como um companheiro. Eu preciso ter certeza de que você estará lá quando o Tempo de Spock chegar.

— O Tempo dele?

— Eu não me importo se você é macho ou fêmea, um humano, um romulano, você poderia até ser um klingon. Meu filho escolheu você e eu preciso saber se seus sentimentos por ele são realmente sinceros. Você o ama?

— Com a minha vida, senhor. — Jim falou com convicção. Sem hesitação ou constrangimento. Tinha a postura de capitão. Sarek gostou dessa maturidade.

— Promete estar com meu filho durante o Pon Farr? É tudo o que eu preciso saber, senhor Kirk?

— Eu prometo. Eu prometo.

— Eu acredito em você, James.

Naquele momento, Spock apareceu na entrada do escritório olhado cautelosamente entre o pai e Jim. Por sua vez, Jim percebeu como seu coração estava acelerado e sua respiração pesada.

— Eu preparei o desjejum — disse Spock. — Jim, temos que nos apressar.

— É claro. — Jim estava aliviado por ser resgatado, e seguiu Spock para longe de Sarek.

— Meu pai estava incomodando você?

— Não. Estávamos só conversando.

Jim atravessou a cozinha em direção ao replicador e selecionou algumas torradas.

— Spock... o que é Pon Farr? — Jim perguntou distraidamente, como se perguntasse se Spock queria manteiga em suas torradas.

Jim girou imediatamente seu corpo em resposta a um enorme estrondo. Spock tinha derrubado a chaleira com água quente no chão.

— Você está bem? — ele se aproximou de Spock.

— Estou ileso. Onde, onde você ouviu esse termo?

— Seu pai me fez prometer que eu estaria com você durante o Pon farr.

Jim começou a ficar preocupado porque jamais vira Spock tão verde, e ele tinha os olhos arregalados. Jim olho para as mãos de Spock e viu que elas tinham manchas verdes.

— Spock, você se queimou!

Jim rapidamente puxou Spock para a pia, afastou as mangas da camisa de Spock até a altura dos cotovelos e colocou as mãos dele sob a água corrente. Spock se deixou guiar por Jim, sem conseguir tirar os olhos do humano.

— O que, que você respondeu?

— Eu disse que sim.

Jim ouviu Spock prender a respiração.

— Você se comprometeu a fazer algo sem nem mesmo saber o que é? James T. Kirk, você é muito imprudente.

— Bem, sim. Mas você é meu amigo, Spock, se for para o seu bem, eu faço qualquer coisa.

— Eu vejo.

— Afinal, o que é esse tal Pon Farr?

Spock se afastou da pia e sentou-se. Ele ficou observando Jim umedecer um pano, puxar uma cadeira para perto, e envolver o pano umedecido em suas mãos.

— Eu direi a você... futuramente. — Spock disse finalmente.

— Okay. Tudo certo.

— O que aconteceu aqui? — Sarek olhou para o chão da cozinha encharcado e folhas de chá esparramadas.

— Spock derrubou a chaleira. — Jim respondeu. — Ele se queimou.

— Estou bem. — Spock insistiu, mas Sarek o ignorou.

— Vou buscar um regenerador dérmico.

.

.

As portas da nave de transporte se abriram e dispersou pelo terminal de São Francisco vários humanos, vulcanos, andorianos e outras espécies. No meio deles estava Kirk e Spock. Eles caminhavam em silêncio, completamente alheios aos demais viajantes em volta. Estavam tão próximos que seus braços roçavam um no outro. Não era um ato realmente proposital, mas o contato parecia natural e bem-vindo. Eles nem pensavam em como outros veriam a proximidade entre eles.

Eles pararam quando estavam a trinta passos do portão de saída. Kirk moveu-se para ficar diante de Spock.

— Então... é isso. — Kirk soltou sua mala a seu lado, pretendendo abraçar Spock ou algo assim. Mas vendo o Vulcano a sua frente, reto e sério, ele pensou que não fosse uma boa ideia. Enfiou as mãos nos bolsos de seus jeans e deu de ombros. — Obrigado pelo convite. A viagem foi maravilhosa, apesar de alguns contratempos e do infeliz motivo que me levou até lá.

— De fato. Aredito que depois daqui estaremos muito ocupados com as preparações da voltar ao espaço.

— Sim. Mas talvez a gente se encontre pelos corredores ou em alguma reunião inesperada para capitães.

­— Talvez.

Eles se encararam em silêncio por mais alguns segundos antes de Spock dizer:

— Pelo que chequei dos nossos cronogramas, parece-me que o senhor Scott vai demorar ainda 2.3 semanas para fazer os ajustes necessários na Enterprise. Portanto, a USS T’Saura vai partir antes. Estive pensando se você poderia estar presente durante o meu embarque.

— Você quer que eu vá me despedir de você? — os olhos de Jim estavam brilhantes e suas pupilas estavam incomumente dilatadas, Spock notou.

Spock assentiu. — Se você não tiver suas próprias obrigações no dia e horário de minha partida, logicamente.

— Não precisa pedir Spock, é claro que eu vou estar lá. Eu vou.

Não se contendo, Kirk segurou os braços de Spock, apertando os bíceps com força moderada, transmitido a intensidade do seu desejo em abraçar o Vulcano. Spock percebeu e ergueu a própria mão numa posição agora familiar para Kirk. Jim soltou os braços de Spock e espelhou o gesto, mantendo seus dedos numa posição semelhante ao ta’al e permitindo que sua mão se unisse a mão do Vulcano.

— Estou gratificado. — A voz de Spock saiu como um sussurro.

— Não vou perder a chance de ver você com o uniforme dourado.

— Spock!

Os dois se viraram para Uhura se aproximando. Percebendo pela primeira vez o quão próximo estavam, Jim deu dois passos para longe de Spock.

Uhura se pendurou no pescoço de Spock e o beijou nos lábios com uma naturalidade de quem estava acostumada a fazer aquilo. Spock ficou muito quieto, embora. Era uma cena romanticamente doce, Jim diria, se a interação não lhe causasse um aperto no coração.

E pela primeira vez desde que botara os pés em Novo Vulcano, Jim sentiu como se despertasse de um sonho. O que ele estava fazendo? No que ele estava pensando? Ele olhou para Spock e Uhura e só conseguia se perguntar como ele pensou que poderia se intrometer entre eles e causar sua separação. Mas Sarek disse que Spock...

Jim se sentiu um tolo quando percebeu que Uhura estava falando com ele.

— O quê?

— Eu disse “Meus pêsames por seu irmão, Capitão”.

— É Jim. E obrigado. — Jim tossiu para limpar a garganta e se amaldiçoou internamente por sua voz soar embargada.

— Seu sobrinho está bem?

— Sim. Sim, ele está bem. Considerando tudo. Ele está com minha mãe. Eu prometi que os encontraria assim que chegasse na Terra.

Os três ficaram se olhando em silêncio, sem mais assuntos para abordar. Kirk pigarreou e sorriu, foi quase teatral.

— Então... eu realmente preciso ir. Obrigado pela hospedagem, Spock. Foi bom te ver, Uhura. — Jim agarrou sua mala e começou a se afastar rapidamente.

— Jim! Um minuto, por favor. — Spock o chamou e Jim esperou até que o Vulcano o alcançasse. — Está tudo bem, Jim?

— Sim, não se preocupe. Estou ótimo. — Embora fosse uma mentira, seu sorriso tímido era genuíno. Não importava quem Spock escolhesse, eles sempre seriam amigos. Pelo menos ele esperava que sim.

— Jim, eu apreciaria se pudesse encontrá-lo, em particular, antes da minha partida.

Jim abriu a boca surpreso. Ele olhou para Spock e para Uhura parada a três metros atrás de Spock.

— Bem... Você sabe onde eu moro. — Jim disse suavemente, seu semblante estava limpo de qualquer expressão.

Spock assentiu.

Eles não disseram tchau. E como se tivessem ensaiado, deram as costas um para o outro ao mesmo tempo; Spock de volta para Uhura e Jim em direção ao Portão de Saída IV.

Depois de duas semanas na presença constante de Jim, quando eles finalmente se distanciaram, Spock sentiu uma leve pressão em sua mente. Como um puxão. A sensação de algo se esticando e se dissolvendo, até que ele não fosse mais capaz de sentir a presença de Jim. Spock parou, achando a sensação completamente estranha. Ele vasculhou sua mente, e, para seu alívio, ela ainda estava ali. A tênue ligação com Jim. Ela existia, era um fato. Spock não sabia exatamente como ela havia se formado, ou qual sua verdadeira natureza. Ele a chamou de vínculo de amizade e não queria que ela se partisse.

Ele estava tão ocupado checando se o elo ainda estava intacto, que demorou vários minutos até perceber que Nyota estava muito quieta.

.

Nyota insistiu em acompanha-lo até seu apartamento temporário, mesmo depois de Spock dizer que não era necessário. Durante o percurso, eles trocaram algumas perguntas e respostas sobre a viagem um do outro. Sempre que era a vez de Spock fornecer algum detalhe sobre a estadia dele e Jim em Novo Vulcano, ele notou que Nyota olhava para ele como se ele fosse um novo idioma recém descoberto, cuja a sintaxe lhe causava alguma dificuldade de compreensão.

Spock tinha feito todo um planejamento de como revelaria para Nyota seus sentimentos, seu desejo de encerrar o relacionamento romântico e como conversaria com ela sobre Jim. Spock preparou seu discurso mentalmente e repassou palavra por palavra várias e várias vezes. Ele não queria de forma alguma magoar Nyota, e queria deixar claro que seus sentimentos por ela sempre foram verdadeiros, e que também era uma grande perda para ele ter de terminar.

Não seria a primeira vez que eles rompiam, mas seria a primeira vez que ele tomava a decisão de fazer isso. Ele esperava que Nyota fosse tão compreensiva com ele, quanto ele foi com ela no passado.

Sim, Spock planejou cada palavra, e como cada uma seria dita. Entretanto, no momento em que eles dois estavam dentro do apartamento, Spock percebeu que todo o seu planejamento tinha sido um esforço em vão.

— O que está acontecendo entre vocês dois? — ela tinha os braços cruzados na frente do corpo, sua expressão era uma incógnita. Spock não sabia dizer se ela estava zangada ou não.

— O quê? — Spock indagou realmente confuso. Nyota olhou para ele agora com perceptível severidade.

— Você e Kirk. O que está acontecendo entre você e Kirk?

Spock ficou surpreso por Nyota saber sobre Jim. Mas Nyota sempre foi muito perceptiva e Spock começava a perceber que ele nem sempre foi muito sutil.

— Não está acontecendo nada entre nós neste momento. Embora—

— Não me venha com essa merda, Spock. Você acha que eu sou cega? Vocês têm agido estranho em torno um do outro há muito tempo. E eu sei como você ficou depois de Khan. E então essa viagem, e esses jantares, e esses passeios só vocês dois. Eu vi como vocês estavam próximos no espaçoporto. E ele estava tocando sua mão! O que era aquilo? Você deu a ele um beijo Vulcano?

— Não era um beijo Vulcano.

— Mas pareceu íntimo, Spock. E vocês estavam em público!

— Você me beijou em público.

— Não mude de assunto. Não ouse mentir pra mim.

— Eu asseguro a você que nunca pretendi fazer isso.

— Aconteceu alguma coisa durante essa viagem?

Spock reprimiu o impulso de dizer que, obviamente, uma infinidade de coisas havia acontecido durante essa viagem. Mas Spock supôs que ele sabia a que tipo de coisa Nyota estava se referindo.

Spock suspirou. Ele tinha sido sincero, ele não planejava esconder nada dela. Mas não era assim que ele planejara esclarecer tudo. Mas foi a própria Nyota que os levou nessa direção.

Sem saber qual a melhor forma de prosseguir a partir desse momento, Spock decidiu que a abordagem direta, se não a mais delicada, era sempre a mais prática.

— Perdão, Nyota. Jim e eu compartilhamos um beijo humano.

Nyota olhou para Spock com incredulidade. Seus olhos começaram a queimar e, por um momento, ela não sabia se era por raiva ou tristeza.