Leonard McCoy soube que havia algo de errado no momento em que olhou para o rosto pálido e inexpressivo de James Kirk. O jovem capitão, que era sempre muito alegre e expressivo, atravessou a enfermaria sem dar qualquer sinal de que tinha notado a presença de qualquer enfermeira, médico ou paciente que cruzou seu caminho. Jim simplesmente contornou cada um deles até alcançar McCoy.

– Podemos conversar em particular? – a voz de Jim saiu fraca e cansada.

McCoy sabia que o Almirantado havia solicitado uma reunião com Jim e Spock naquela manhã. Reuniões com cada um, separadamente, o que não era um bom sinal. Pelo aspecto do amigo, McCoy suspeitou que as coisas não tivessem corrido muito bem.

McCoy deixou a enfermaria sob o comando da enfermeira Chapel e guiou Jim até sua sala.

― Alguma notícia ruim? — ele perguntou cautelosamente. Ele se sentou e indicou a cadeira para Jim.

― Não. Bem... Depende do ponto de vista. — Jim apertou a ponte do nariz e esfregou os olhos, claramente tentando se livrar de uma dor de cabeça. — Inesperado, com certeza.

McCoy esperou que o amigo continuasse. Jim inspirou profundamente, como se suas próximas palavras exigem muito mais fôlego ou muito mais força para serem ditas. Jim começou sua explicação tentando soar menos abatido.

― A Frota Estelar construiu um novo navio classe Constitution. Não tão grande quanto a Enterprise, mas é uma beleza. A missão será estudar uma Singularidade que surgiu na fronteira do Quadrante Delta. É uma missão em conjunto com a Academia de Ciência de Vulcano. É basicamente uma nave científica e será tripulada quase que inteiramente por vulcanos. A Frota quer alguém capacitado e com experiência em campo para o comando. Eles querem o Spock ― o discurso de Jim quebrou. Demorou cinco longos segundos para ele concluir em um fio de voz. ― Irão promovê-lo a capitão.

McCoy não sabia bem o que dizer. Ele também não esperava por isso. Uma promoção, fosse quem fosse o oficial, era sempre um motivo de alegria. Mas era óbvio que aquela notícia tinha afetado Jim de uma maneira negativa.

― Jim...

De repente, Jim bateu a mão sobre a mesa, assustando o doutor, e explodiu em alegria simulada. Colocou-se de pé e começou a andar de um lado para outro.

― Isso é maravilhoso, não é? Ser promovido a capitão. Spock merece isso. Ele é mais do que capaz. E essa missão é muito importante cientificamente, aposto que ele vai adorar. Sem falar que ele vai ser o chefe de um bando de vulcanos da ACV, isso eu gostaria de ver. Já te contei a história de quando Spock recusou a oferta de estudar lá? Ele sabe ser insolente quando quer, oh, sim. Preciso te contar essa história. Mas, enfim, é uma oportunidade maravilhosa para ele, Magro, se é...

― Jim, você está falando sem respirar. Por favor, sente-se. ― McCoy pediu. Ele estava se sentindo um pouco tonto, não sabia se pela notícia inesperada ou se por Jim estar para lá e para cá em seu escritório, despejando uma palavra após a outra. Mas Jim ignorou o pedido do médico e continuou a repetir como Spock estava tendo uma oportunidade de ouro.

― Claro, quando Komack me contou para que tinha convocado a reunião, eu fiquei surpreso. Minha primeira reação foi dizer o quanto nossa tripulação sentiria a perda do nosso melhor Oficial de Ciências e tentei convencê-lo a deixar Spock ficar. Foi quando eu me dei conta, Magro. Spock é o melhor Oficial de Ciência e o Melhor Primeiro Oficial de toda a Frota Estelar, o comandante mais bem qualificado. Faz ideia de quanto a Frota investiu nele? Ele já deveria ser capitão de sua própria nave há muito tempo. E por que isso ainda não tinha acontecido? Porque eu sou um idiota egoísta que nunca sequer pensou em indicá-lo para a capitania. Eu estou atrasando o progresso profissional dele prendendo-o aqui.

– Jim, Spock disse uma vez que não almejava o comando de uma nave.

– Mas será que isso é verdade mesmo? Ou será que ele nunca buscou isso por lealdade a mim? Ou por lealdade a Pike, que me colocou aqui? Nós sabemos que ele chegou a Enterprise primeiro. Ele merecia ser capitão daqui mais do que eu.

– Calma lá, Jim. Não diga isso. Você fez por merecer o comando da Enterprise, você sabe disso. Spock sabe disso, por isso te respeita.

― Mas isso não responde a questão mais importante, Leonard.

― Que seria?

― Spock realmente não deseja ser capitão? Ele é um cientista, Magro. Um pesquisador, um explorador. Ele é curioso, como eu. Eu sei. Não acredito que ele deseje passar o resto da vida como meu Primeiro Oficial, na mesma nave, com as mesmas pessoas. Vulcanos querem sempre aprender mais e mais. Aqui ele só teria mais do mesmo.

―Tudo bem, garoto, pare e escute um minuto. Primeiro: ninguém aqui vai passar o resto da vida nesta nave. A missão dura apenas cinco anos, talvez a Frota renove para mais cinco, que Deus me livre. E o que são dez anos na vida de um vulcano? Esses safados de sangue verde vivem em média 240 anos. Dez anos não é tempo suficiente para vulcanos ficarem entediados, se é que eles ficam. E segundo: talvez Spock não pense assim. Eu acredito que ele gosta de trabalhar com você. Você já perguntou isso a ele? Vai ver ele adora trabalhar nessa banheira cercado de humanos ilógicos.

― Talvez ele adore mais trabalhar em sua própria banheira cercado de vulcanos lógicos.

Jim finalmente voltou a se sentar. Não havia tristeza aparente, nem a euforia simulada, apenas resignação. McCoy suspirou.

― Mas afinal, o que você disse a Komack?

― Eu disse que estava feliz por Spock, e estou, de verdade, e que eu daria todo o apoio necessário com a papelada. Mas... Komack não estava pedindo minha autorização. Ele estava apenas me informando da decisão do Almirantado. De qualquer forma, a decisão final não cabe a mim.

― E Spock?

― Komack o chamou quando eu saí. Devem estar conversando agora. Não sei o que ele vai decidir.

McCoy queria dizer a Jim para não se preocupar, que era óbvio que Spock ficaria. Mas a verdade é que ele não tinha essa certeza. De fato, era uma oportunidade única e Spock seria um louco se recusasse. E vulcanos não costumam ser loucos.

Ele tinha percebido como a amizade de Jim e Spock tinha crescido nesses últimos anos, principalmente depois da experiência de quase... bem, da morte de Jim. McCoy tinha consciência da afeição de Jim por Spock, e sabia agora que Spock também tinha afeição por Jim. O vulcano não ficara um dia sequer sem visitar Jim no hospital, aguardando que ele saísse do como e sempre perguntando a McCoy sobre o progresso da recuperação de Jim.

McCoy não tinha dúvidas de que Spock considerava Jim como seu amigo. O que ele não tinha certeza era se Spock compreendia plenamente o que essa amizade significava para Jim. Porque, pelos céus, parando para pensar, nem McCoy compreendia plenamente a amizade Jim por Spock.

Ninguém tinha como adivinhar o que se passava na cabeça daquele vulcano. McCoy se perguntava se Spock seria capaz de agir por emoção e escolher ficar na nave onde ele tinha amigos e uma namorada ou se ele seria lógico e racional como sempre e assumiria o posto de capitão em uma nova nave.

Se Spock decidisse ir, McCoy temia que Jim encarasse isso como abandono. O que Jim provavelmente faria.

― Jim, embora eu ache que é desperdício de tempo e de saúde ficar se preocupando com algo que ainda nem aconteceu, e que talvez nem aconteça, tem de encarar a possibilidade de Spock aceitar a promoção. E se ele aceitar?

― Se ele aceitar, tudo bem. É bom que ele vá. Uma experiência nova para ele. Um novo desafio. ­― Jim deu de ombros, como se não fosse nada.

­― An-ham... E como você fica?

Jim apertou o tecido da calça de seu uniforme brevemente.

― Eu sou um homem adulto, Leonard. E um capitão. Sei me virar muito bem sem o Spock.

McCoy não o contradisse, mesmo que não acreditasse nem um pouco em Jim. Principalmente quando Jim voltara a um estado introspectivo, talvez perguntando a si mesmo até que ponto sua afirmação tinha veracidade.

Os dois caíram em um longo silêncio e não ousaram dizer mais.

.

.

Cinco horas tinham se passado desde a reunião com o almirante Komack e Jim ainda não tinha encontrado com Spock.

Jim não sabia se ele estava evitando Spock inconscientemente ou se Spock estava o evitando. Ou talvez fosse só coincidência e Spock estivesse trabalhando em alguma experiência nos laboratórios de pesquisa. Em todo o caso, Jim nem se aproximou de qualquer setor científico. Talvez ele realmente estivesse evitando encontrar Spock.

Era uma atitude ilógica, Spock diria. Eles estavam presos em uma nave no meio do espaço, uma hora eles se encontrariam. Se não fosse naquele mesmo dia, seria na manhã seguinte, na ponte de comando. Ele e Spock tinham o Turno Alfa juntos.

Uma hora Jim teria de saber a decisão de Spock. E ele repetia a si mesmo que não deveria parecer cabisbaixo quando Spock o fizesse. Spock tinha o direito de tomar suas próprias decisões sem qualquer influência de Jim.

Todo o esforço de Jim em se esconder se provou inútil quando Spock o abordou no corredor ao voltar da Engenharia. Jim forçou o sorriso de sempre para seu Primeiro Oficial, tentando parecer natural e animado como sempre.

― Capitão ― o vulcano o cumprimentou.

― Senhor Spock. ― Jim se surpreendeu ao ouvir como seu cumprimento soou genuinamente entusiasmado. Talvez fosse uma resposta natural ao ver o amigo. Força do hábito.

― Capitão. Você teria um tempo livre esta noite, as 2100? Há algo que eu gostaria de tratar.

― Claro, Spock. Em meu escritório?

― Não faço objeções.

― Até lá, então.

Jim ficou um pouco desconfortável com a forma que Spock estava olhando para ele. E temeu que o vulcano percebesse que seu sorriso estava começando a parecer forçado.

― Com licença, Capitão ― Spock se despediu com um leve inclinar de seu corpo e se afastou.

Jim soltou o ar lentamente. Ficou olhando para as costas de seu amigo enquanto ele se afastava e se viu desejando que a noite nunca chegasse.

Jim sempre soube que alguém poderia ser promovido ou transferido para outra nave, mas nunca relacionou essa possibilidade a Spock ou Leonard. Ele gostava de imaginar eles três sempre juntos. Era meio fantasioso, pensando agora.

Quando Spock saiu do seu campo de visão, Jim tomou consciência de que não sabia o que faria sem ele. Seria muito egoísmo da sua parte, pedir que ele ficasse?