Titanomaquia

XXVIII. A Lithiel vai adotar o teu aspeto.


— Concentra-te.

— Estou a tentar…

— Não fales! Concentra-te!

Franzi ligeiramente o sobrolho, arreliada, mas empenhei-me em fingir que era invisível e que ninguém me conseguia ver. Era nesse pensamento que me deveria concentrar se queria que a camuflagem se manifestasse… ou, pelo menos, era isso que Nevra e Lithiel diziam. Eu nunca sabia se a camuflagem estava a funcionar; não sentia nada diferente quando funcionava. Eram os meus dois orientadores que me guiavam durante o processo, descrevendo o que estava a acontecer.

— Estás a perder a cor — disse Lithiel — Continua…

— Estás bem na minha frente, mas eu não consigo sentir a tua presença — murmurou Nevra — É incrível…

Segurar o encanamento era quase tão difícil como suster a respiração e eu estava no meu limite. Fiz um último esforço para manter a camuflagem, mas acabei por desistir com um longo suspiro.

— Chega, preciso de uma pausa — implorei.

— Não temos tempo para pausas. A viagem é já amanhã! — lembrou Nevra.

— Não podemos partir amanhã se o Leiftan não regressar até lá — constatei, aceitando o cantil de água que Lithiel me estendia. Murmurei um agradecimento e levei o gargalo aos lábios.

— O Leiftan chegou há hora de almoço.

A revelação de Nevra sobressaltou-me tanto que quase cuspi a água.

— Ele já chegou? — admirei-me — Porque é que ninguém me avisou?!

— Porque é que isso te interessa?

— P-porque… — gaguejei, atrapalhada — Eu queria falar com ele!

— Sobre?

— Uma coisa.

— Que coisa?

— Nada que te diga respeito!

— Podes falar comigo sobre tudo, Eduarda…

— Não, nem tudo.

— Vais falar com ele sobre mim? — arriscou Nevra, esperançado.

— O quê? Não!

— Então…?

— Já chega, Nevra! — exclamou Lithiel, aborrecida — Desde quando tens crises de ciúmes?

— Eu não estou com ciúmes! — defendeu-se o vampiro de imediato.

Lithiel levou uma mão ao nariz, sacudindo a outra diante do rosto como se estivesse a afastar um cheiro desagradável.

— Para com isso! — exigiu o Mestre da Sombra.

— Para de mentir — volveu a rapariga.

— Eu não…! — Nevra deteve-se e inspirou fundo, tentando acalmar-se —Pensa o que quiseres. Desisto de continuar esta conversa. Temos assuntos mais sérios a discutir!

— Como o quê? — perguntei.

— Há uma parte do plano que tu ainda não conheces…

— Ah, sim? — inquiri, desconfiada.

— Sim. É que… nós acreditamos que há algum tipo de elo entre ti e o titã…

— Foi assim que conseguiu encontrar-te nas masmorras — acrescentou Lithiel.

— Ele, provavelmente, vai servir-se novamente dessa ligação para nos seguir durante a viagem e, mesmo sem saber quão forte ou específico é o elo, achámos que seria mais seguro arranjar uma maneira de o confundir.

— Como? — questionei, curiosa.

— A Lithiel vai adotar o teu aspeto.

— Adotar o meu aspeto? O que queres dizer com…?

Nevra indicou Lithiel com um gesto de cabeça e eu emudeci quando… me vi a mim. Eram os mesmos cabelos castanhos, os mesmos olhos violeta, a mesma pele pálida com pequenas sardas na cana do nariz. Se a figura ao meu lado não estivesse vestida com a roupa de Lithiel, eu acharia que estava a olhar para o meu reflexo num espelho!

— Mas que por… — comecei a praguejar.

— A Lithiel é uma doppelganger — revelou Nevra — Tem a habilidade de adotar a aparência de qualquer pessoa que tenha visto.

— A aparência de qualquer mulher — corrigiu a rapariga com a minha voz — Eu não posso transformar-me num homem ou num animal, nem em faeries muito grandes ou muito pequenos. É uma habilidade bastante limitada, na verdade.

— Serve perfeitamente o seu propósito de camuflar-te no meio da multidão — defendeu o vampiro — Serve perfeitamente para confundir o titã e aumentar a hipótese de sucesso da nossa missão.

— Isso quer dizer que a Lithiel vai fazer a viagem… assim? — perguntei, indicando a minha dupla com um gesto da mão.

— Sim — confirmou Nevra — Eu pedi à Purriry para fazer alguns conjuntos de roupa iguais, certifiquem-se de que os usam durante a viagem.

— Como é que vocês nos vão distinguir? — inquiri, insegura.

— Pelos guizos.

Eu dirigi um olhar arregalado aos guizos no pulso de Lithiel, lembrando-me do nosso pequeno acordo. Eu achara estranho o seu pedido para lhe tirar a pulseira, mas agora…

— A Purriry prometeu entregar os conjuntos de roupa até ao final do dia — continuou Nevra, alheio aos meus pensamentos — Venham ver-me depois de jantar e entregar-vos-ei tudo. Combinado?

— Combinado — murmurou Lithiel, regressando lentamente ao seu aspeto normal.

— Ótimo. Dou a sessão de hoje por terminada. Vejo-vos logo à noite.

Nevra dirigiu-nos um pequeno aceno de despedida e saiu do pequeno estúdio onde decorriam os meus treinos. Lithiel tentou imitá-lo, mas eu segurei-a pelo pulso quando ela passou por mim. Os guizos tilintaram entre nós.

— O que foi? — perguntou a rapariga na defensiva.

— Qual é o propósito desta pulseira? — perguntei sem rodeios.

Lithiel soltou um suspiro arreliado.

— Porque é que isso interessa?

— Interessa porque pediste-me para tirá-la! A pulseira não é só um adereço, pois não? Tem um objetivo!

— Achas que sim?

— É uma identificação. A pulseira serve para te reconhecer caso te transformes noutra pessoa!

— Sim… E daí?

— Tu pediste-me para tirar-te a pulseira… porque não queres que os outros sejam capazes de te distinguir do original!

Lithiel abriu um pequeno sorriso que me pareceu algo… triste.

— O que vais fazer com essa informação, Eduarda? Denunciar-me?

Eu soltei lentamente o seu pulso, deixando cair a mão ao lado do corpo. Lithiel fez o mesmo.

— Não preciso chegar a tanto — neguei — Basta não tirar a pulseira.

— Vais quebrar a tua promessa?

— Nós não fizemos uma promessa, fizemos um acordo, e eu não tenho de cumprir a minha parte enquanto tu não cumprires a tua.

O sorriso de Lithiel alargou-se.

— É verdade… mas quando eu descobrir a verdade sobre o Lee… o que farás? Vais recusar tirar a pulseira?

— Depende. O que planeias fazer quando ela já não estiver no teu pulso?

— Vou transformar-me na Eweleïn e enfiar-me entre os lençóis do Ezarel.

— O quê? — perguntei, chocada — A Eweleïn e o Ezarel…?

— Sim, eles têm uma “coisa” — disse Lithiel, desenhando aspas com os dedos.

— Não fazia ideia…

— Estás aqui há duas semanas, é normal.

— Presumo que sim… mas a tua súbita vontade de ir para a cama do Ezarel não é normal. Estás a mentir-me, não estás?

Lithiel abriu um pequeno sorriso.

— Estás a ficar boa nisto…

Eu revirei os olhos.

— Treino contigo há uma semana, já percebi que a tua tendência para mentir emerge quando queres esconder alguma coisa. Aliás, parece-me que tens alguma dificuldade em controlar essa tendência… porquê?

— Faz parte da natureza da minha espécie — disse Lithiel, encolhendo levemente os ombros — Nós mentimos sobre o nosso aspeto e a nossa identidade, porque haveríamos de ser honestos com o resto?

— Tu és honesta — defendi — Tentas, pelo menos.

Lithiel fez um pequeno sorriso entristecido.

— Tento… e para quê? Nunca ninguém acredita em mim. Serei sempre a mentirosa, a traidora, a assassina…

— Isso não é verdade.

— É a verdade — estalou ela, virando-se de costas — Eu luto contra a minha natureza, mas são mais as vezes em que perco do que aquelas em que ganho… E quando consigo vencer… as mentiras dos outros impõem-me a derrota.

— O que queres dizer com isso?

Lithiel inspirou fundo, soltando o ar com um suspiro trémulo.

— As pessoas acreditam apenas naquilo que querem… e a verdade nem sempre lhes convém. Torna-se imprópria e incómoda quando tudo o que conheces é mentira. Eu perdi tudo a lutar por uma verdade que ninguém desejava… mas vou fazê-los pagar por isso — voltou-se para mim com uma expressão resoluta — Eu irei desmascarar os mentirosos e levá-los à justiça, nem que seja a última coisa que faça.

— A verdade de que falas… é a da Titanomaquia?

— Sim…

— Foi para concretizares o teu plano de repor a verdade que me pediste para tirar-te a pulseira?

— Sim…

— Estou a ver – murmurei, fixando pensativamente o chão — Nesse caso, não tenho razões para quebrar o nosso acordo. Tirar-te-ei a pulseira quando o momento chegar.

— Obrigada…

— Gostaria, no entanto, de conhecer essa verdade — cortei — O que aconteceu na Titanomaquia?

— Não te preocupes com isso — disse Lithiel, encaminhando-se para a porta — Concentra-te no portal e no regresso a casa. Não te disperses por assuntos que poderão custar-te a vida.

Feito o aviso, Lithiel abandonou a sala. Eu demorei-me a olhar a porta, trincando o lábio enquanto ponderava.

Lithiel tinha uma boa parte de razão. Se realmente queria regressar a casa, eu não devia intrometer-me naqueles assuntos polémicos. Corria o risco de distrair-me ou, pior, ser desautorizada a abrir o portal como punição por meter o nariz onde não era chamada. A minha curiosidade, porém, estava demasiado atiçada. Eu queria saber a verdade sobre a Titanomaquia e não pretendia atravessar o portal sem descobrir. Só precisava de encontrar o melhor método. Lithiel não me diria nada. Os livros na biblioteca também não… mas os registos originais da guerra, sim.

Eu passara bastante tempo na biblioteca durante a última semana. Quando não estava a treinar, estava sentada diante da prateleira com as compilações dos Sacerdotes, folheando lentamente os volumes sobre a Titanomaquia. Invariavelmente, Adonis aparecia para me aconselhar a sentar numa secretária e eu aproveitava a oportunidade para conversar um pouco com ele. A confiança do centauro em mim aumentava a cada dia… mas não era ainda suficiente para fazê-lo falar sobre a sua misteriosa e temida habilidade. Havia uma grande possibilidade de não ser também suficiente para convencê-lo a levar-me aos registos originais, mas eu precisava de tentar. Tudo dependia da forma como abordaria o assunto…

Chegada à biblioteca, ocupei o meu lugar habitual diante das compilações, sentada no chão com as costas apoiadas contra a estante. Poisei o segundo volume da Titanomaquia nas coxas e fui virando lentamente as páginas enquanto lia algumas frases aleatórias. Deparei-me, entretanto, com um longo excerto de um documento original onde um brownie descrevia a ocasião em que um titã atacara a sua pequena vila e o pavoroso momento em que enfrentara a criatura cara a cara. Era uma citação longa, detalhada e tão emocionante que fiquei genuinamente frustrada quando chegou ao fim. Eu precisava daqueles relatos…

— Pareces chateada… Aconteceu alguma coisa?

Um sorriso abriu-se nos meus lábios quando escutei a voz que mais queria ouvir naquele momento.

— Não, não aconteceu nada… Só estou chateada porque estava a gostar do relato deste brownie, mas a compilação não tem o texto completo.

Adonis aproximou-se e espreitou as páginas do livro.

— O relato de Naby — constatou — É bastante famoso.

— Adoraria ler o relato na íntegra… mas o Kero não me deixa aceder aos relatos originais — choraminguei, forjando um beicinho.

— Pois, eles não deixam ninguém lê-los…

— É uma pena… — dirigi-lhe um olhar curioso, mas inocente — Tu já os leste?

— Eu? Não — negou o pequeno, rindo.

— Mas tens acesso a eles, não tens?

— Não, nada disso…

— Só pessoas autorizadas pela Sacerdotisa têm acesso aos relatos originais — revelou uma nova voz.

Adonis e eu virámos a cabeça para ver uma rapariga ruiva com orelhas de coelho surgir por detrás de uma estante próxima. Eu conhecia-a. Era a rapariga que me encontrara a conversar com Lithiel e me pedira para ficar longe da dita.

— Pareces bastante interessada nos relatos da Titanomaquia, Eduarda! — continuou a rapariga, desconfiada — Posso saber porquê?

— Curiosidade — respondi sucintamente.

— Imagino — volveu num tom quase ácido — Eu desistiria desse devaneio, se fosse a ti.

— Qual devaneio?

— Sabes perfeitamente do que estou a falar — disse ela, dando meia volta e começando a afastar-se — Não cometas os mesmos erros que a Lithiel!

— Erros?

A rapariga não se voltou para me responder, continuando o seu caminho. Eu troquei um olhar confuso com Adonis.

— Do que é que ela está a falar? Qual é o problema dela com a Lithiel?

O centauro encolheu os ombros.

— Não sei… Acho que elas se zangaram.

— Elas são amigas? — admirei-me.

— Eram. Há já dois meses que não falam uma com a outra. Não sei o que aconteceu, mas, avaliando pelo comportamento delas… parece que a Lithiel fez ou disse algo que chateou muito a Ykhar. Eu nunca a vi assim, é assustador… Parece a Amaya quando está de mau humor.

— Amaya?

— É o mascote do Leiftan.

— Leiftan! — exclamei, levando as mãos à cabeça — Esqueci-me completamente…! Bolas…! Eu preciso da tua ajuda! — anunciei, virando-me para Adonis.

— A, c-claro — gaguejou a rapaz, desorientado — Do que precisas?

— Preciso de encontrar o Leiftan. Tens alguma ideia de onde ele possa estar agora?

— Não, mas… posso procura-lo contigo. Só preciso de avisar o Kero de que vou sair.

— Ótimo! Vamos, então!

Adonis concordou com um aceno e afastou-se com passos apressados. Eu segui-o, censurando-me mentalmente pela minha estupidez.

Como pudera esquecer-me do regresso de Leiftan? Como não pensar naquilo antes?! Leiftan era o investigador privado da Miiko, não era? Ele fora destacado para investigar a cidade destruída pelo titã… logo, deveria ser uma das poucas pessoas com autorização para ler os relatos originais. Não bastava saber qual era a minha raça faery, Leiftan devia saber também a verdade sobre a Titanomaquia! Maldito!

Eu e Adonis passamos o resto da tarde a procurar o homem de cabelo loiro e negro, mas não o encontrámos em lado nenhum. Percorremos o quartel de uma ponta à outra, saímos para o procurar no mercado, perguntámos a algumas pessoas se o tinham visto, mas… nada.

— Já é hora de jantar… Talvez ele esteja no refeitório? — sugeriu Adonis.

Não estava e eu começava a achar que a notícia do seu regresso fora uma piada do Mestre da Sombra…

Aproveitámos a ida ao refeitório para fazer uma pausa e comer qualquer coisa. O grupo de amigos de Adonis estava sentado numa mesa no centro da divisão e nós decidimos juntar-nos a eles. Lee e Karenn também estavam lá e foram os únicos que retribuíram o meu cumprimento. Os restantes estavam demasiado entretidos a conversar aos sussurros.

— Não pode ser…

— É verdade!

— Eu já ouvi rumores, mas não quis crer…

— Eu só acredito quando vir com os meus próprios olhos!

— Queres fazer uma aposta?

— Vamos apostar!

— Eu aposto dez moedas de ouro que tem!

— Eu aposto cinco que não tem!

— Esperem lá, como é que vamos saber se tem ou não?

— Eu posso fazê-la tropeçar e levantar-lhe a saia…

— Ouçam lá! — intrometeu-se Karenn — Vocês não têm vergonha? Não podem fazer apostas sobre essas coisas!

— Cala-te, Karenn, ninguém pediu a tua opinião!

— Tu não percebes!

— É uma questão de vida ou morte!

— Vocês estão a apostar o quê? — perguntou Adonis, curioso.

Um dos rapazotes voltou-se na sua direção para explicar com um sorriso empolgado:

— Estamos a apostar se a Ykhar tem um rabinho de coelho ou não!

— Isso é possível? — perguntei, surpreendida — Pensei que os brownies só tinham características animais na cabeça. Orelhas, chifres, dentes…

— É raro, mas os brownies podem nascer com caudas — explicou Adonis.

— Conseguem imaginar o rabinho da Ykhar? — perguntou um dos rapazinhos com ar sonhador.

— Não temos de imaginar, podemos ver — defendeu um outro — A Ykhar está ali…

As atenções em redor da mesa voltaram-se todas na direção em que o rapazinho apontou. A rapariga ruiva com orelhas de coelho estava a ziguezaguear por entre as mesas, encaminhando-se para a saída do refeitório. Estava quase a abandonar o mar de mesas e cadeiras quando um rapazote do grupo fez um gesto brusco com a mão. Uma cadeira caiu sem razão aparente diante da rapariga-coelho, fazendo-a tropeçar e cair para a frente com um grito estridente. A saia colorida que lhe descia para lá dos joelhos ergueu-se de forma pouco natural… e caiu sobre as suas costas, deixando o seu traseiro completamente à mostra.

— Bingo — murmurou um dos rapazes, abrindo um sorriso matreiro.

O refeitório explodiu em gargalhadas enquanto a rapariga permanecia caída de joelhos. O pequeno tufo de pelo laranja e branco que escapava de dentro das cuequinhas de renda estremeceu enquanto as longas orelhas caiam de embaraço.

— Vocês são impossíveis — ralhou Karenn, sacudindo a cabeça com reprovação.

Eu concordei com um aceno e comecei a levantar-me para ir ajudar a brownie, mas Lithiel foi mais rápida. Ela tinha acabado de entrar no refeitório quando a cadeira caiu e não parecia divertida com o sucedido. Muito pelo contrário… Lithiel avançou com passadas largas, agarrou o braço da brownie e ergueu-a com um puxão rude, empurrando a saia para baixo ao mesmo tempo. Não trocou uma palavra ou sequer um olhar com a rapariga; afastou-se com a cabeça baixa assim que se certificou de que a outra se sustinha de pé e veio na nossa direção. Chegou mesmo a tempo de apanhar parte da conversa dos rapazes que estavam a acertar as suas apostas e franziu desconfiadamente o sobrolho.

— Foram vocês que fizeram aquilo? — perguntou.

— Não sei do que estás a falar — disse um rapazinho com ar inocente.

Lithiel deu-lhe uma sapatada na cabeça, arrancando-lhe um queixume de dor.

— Volta a fazer algo do género e eu esfolo-te vivo. Estamos entendidos? — voltou-se para mim antes de o rapaz ter tempo de responder — O Nevra já tem a nossa roupa. Vamos busca-la.

Lithiel virou-se e começou a afastar-se sem esperar a minha confirmação. Eu levantei-me e segui-a a correr, deixando metade do jantar no prato.

— Lithiel — chamei, esforçando-me para a alcançar — Eu soube que tu e a brownie eram amigas…

— Éramos — concordou a rapariga, num tom seco — Já não somos e eu preferia não falar nesse assunto. Podemos concentrar-nos na missão e deixar os nossos problemas pessoais de parte?

— Ah… C-claro — murmurei, acanhada — Só fiquei curiosa porque…

— Não quero saber — interrompeu ela — Não te metas na minha vida e eu não me meto na tua, pode ser?

— C-claro… Desculpa…

Lithiel soltou um pequeno suspiro e não voltou a falar até chegarmos ao gabinete do Mestre da Sombra.