Titanomaquia

IV. Encontrei a humana.


Eu tentei voltar-me para enfrentar a sombra atrás de mim, mas o susto que apanhara fora tão grande que perdi a pouca força que tinha nas pernas e caí de costas contra a parede. Poisando uma mão no peito, como se estivesse a segurar o coração que me martelava as costelas, analisei a criatura atrás de mim.

Se aquele sorriso rasgado não fosse coroado por um belo par de caninos afiados, eu teria julgado que era um homem. Quero dizer, um homem normal, sem quaisquer características animais. O brilho prateado dos seus olhos era um pouco perturbador e a pala sobre o olho esquerdo era algo pouco habitual, mas de resto… parecia humano.

— Estava à tua procura, bombom — revelou ele com um suave ronronar.

Antes de ter tempo de reagir, a porta que levava ao suposto átrio abriu-se de rompante e um outro homem juntou-se a nós. Era enorme, com perto de dois metros de altura e ombros largos e fortes. Ele olhou de mim para o espécime de vampiro com uma sobrancelha erguida.

— O que se passa aqui? — perguntou numa voz profunda e poderosa, o tipo de voz que esperamos encontrar num general do exército.

— Encontrei a humana — disse o espécime de vampiro com ar satisfeito.

— Porque não estás a prendê-la e a levá-la à Miiko?

— Ia chegar lá, ia chegar lá…

O homem com voz de general revirou levemente os olhos dourados e aproximou-se de mim. Eu debati-me quando ele me tentou agarrar, mas, como acontecera com o homem-javali, fui facilmente dominada. Ele limitou-se a fechar um punho de aço em redor do meu pulso e a dar-me um puxão para me levantar do chão, arrastando-me depois através da porta.

— Larga-me! — exigi, tentando puxar a minha mão da dele — Eu não fiz nada, vocês não têm razões para me fazer isto…! Larga-me!

O homem com voz de general ignorou-me completamente e o espécime de vampiro riu-se algures atrás de mim.

— Invadiste a sala do cristal, tentaste roubá-lo, fugiste da prisão e ainda dizes que não temos razões para te fazer isto? — admirou-se ele.

O quê?! Eu não roubei nada!

— Porque o Jamon te impediu — disse o homem com voz de general.

— Não foi nada disso! Eu não estava a tentar roubá-lo, só… só lhe toquei!

— Imagino com que intenção…

Eu abri a boca para me continuar a defender daquelas acusações ridículas, mas só consegui pronunciar um lamento quando vi para onde ele me estava a arrastar:

— Ah, não… Mais escadas não!

Fui prontamente ignorada e não tive outra opção que não subir os degraus atrás do meu captor. Tropecei uma data de vezes, mas ele não abrandou os seus passos, continuando a puxar-me como se nada tivesse acontecido. Ainda lhe tentei pedir para ter mais calma, mas voltei a ser ignorada. Quando finalmente chegámos ao topo das escadas, eu já quase não sentia as pernas.

A única coisa que havia ali em cima era uma grande porta de madeira clara, cuidadosamente esculpida e vigiada por dois guardas de armaduras negras. Ambos se colocaram em sentido ao ver-nos, levando o punho direito no peito e inclinando-se numa pequena vénia. O homem com voz de general ergueu uma mão, como se os libertasse daquela formalidade, e entrou pela porta sem sequer bater. Que raio, se calhar ele era mesmo um general!

Não tive sequer tempo de olhar em volta depois de atravessarmos a porta. O dito general deu-me um forte puxão no braço e foi então que as minhas pernas debilitadas me falharam, fazendo-me cair de joelhos diante dos seus pés.

— Encontrámos a humana — anunciou.

Ergui rapidamente os olhos para ver com quem é que ele falava e deparei-me com o olhar desprazido da mulher-raposa, sentada atrás duma secretária da mesma madeira clara da porta. O homem-javali detinha-se de pé do seu lado direito e, diante da secretária, estava um homem com umas longas orelhas de elfo a espreitar por entre os cabelos azuis.

— Ótimo, excelente trabalho, Valkyon — elogiou a mulher-raposa, erguendo-se com o seu cajado de madeira na mão.

— Hã… Peço desculpa, mas fui eu quem a encontrou — intrometeu-se o vampiro, sendo prontamente ignorado.

— Chegas em boa hora, o Ezarel já concluiu a poção — continuou a mulher-raposa.

— Poção? — repeti, com um mau pressentimento a arrepiar-me os cabelos.

A mulher-raposa dirigiu-me um sorriso forçado igual ao último que lhe vira.

— Importas-te de a segurar, Valkyon?

— O quê…? Não! — gritei, começando a debater-me quando senti as mãos do general prender-me os braços contra o tronco — Por favor, eu não fiz nada, por favor…!

O elfo de cabelos azuis aproximou-se de mim e eu comecei a debater-me ainda mais, tentando forçar as pernas a mexer-se para poder fugir dali. Não tive qualquer tipo de sucesso. No entretanto, o elfo ajoelhou-se diante de mim e tirou a rolha de cortiça do frasco que trazia na mão.

— Vais tomar a poção pacificamente ou obrigar-me a despejar-ta goela abaixo?

Senti uma raiva monstruosa consumir-me ao ouvir aquilo. Então aquela era a única escolha que eu era livre de fazer? Como tomar uma poção que eu não queria beber e que nem sequer sabia o que me faria? Não me dariam antes uma oportunidade de me explicar e de colocar as minhas próprias questões? Oh, pá…

Se tivesse as mãos livres, teria mostrado ao elfo o meu melhor dedo. Como não tinha… cuspi-lhe na cara.