Isso não pode estar acontecendo. Só pode ser mais um sonho maluco, ou algum tipo de brincadeira de mal gosto... e muito criativa. Minhas mãos ficaram sem forças até pra segurar o jornal, e eu deixei ele cair no chão. Comecei a andar lentamente até achar um banco pra sentar, porque a tontura que eu sentia antes estava duas vezes pior agora, e minha visão estava turva. Eu mal ouvia a atendente da banca reclamando que eu não paguei o jornal.

Quando finalmente achei um banco, sentei e apoiei minha cabeça nas mãos. Eu sentia que ia desmaiar a qualquer momento. Droga, aquilo estava real demais para ser um sonho, e estranho demais para ser real. Eu não sabia mais no que acreditar.

Pensando por um lado, até que faz um pouco de sentido, pois ontem Anna enfiou essa idéia na minha cabeça e eu fiquei pensando como seria ter a chance de voltar no tempo até pegar no sono. Mas eu nunca pensei que poderia realmente acontecer. Eu sempre fui muito realista, nunca acreditei em coisas sobrenaturais a não ser Deus. Mas agora já não sei mais.

Eu havia realmente viajado no tempo. Aquilo estava na minha cara, e eu não queria enxergar. Era só olhar em volta, estava tudo diferente. As pessoas, os carros, os comércios. De longe se via que era a década de 80.

Levantei a cabeça e a balancei. Agora eu tinha que pensar no que fazer, porque eu não iria ficar sentada esperando voltar para 2016 num passe de mágica. Existia um motivo para eu estar ali, e eu sabia exatamente qual era. Eu queria a chance de reverter as coisas que levaram à morte do meu ídolo, e eu não iria jogá-la fora. Mas é claro que eu não iria conseguir nada sentada ali. Eu precisava ir atrás dele, então juntei os pontos:
Era 4 de novembro de 1982, Michael devia estar gravando Thriller. Uma vez eu li em um site que Thriller foi gravado em três lugares: Teatro Palace, avenida Carroll e avenida Pacific. Primeiro pensei em olhar no Teatro Palace, que foi onde gravaram a cena do cinema, mas como é uma das primeiras cenas do curta, imaginei que já tinham terminado de gravar lá há tempos. Então decidi ir à avenida Carroll, que é onde fica a famosa casa no final do curta. Eu já havia ido lá algumas vezes, pois é aberto pra turistas. Não era longe dali. Claro que com esse salto vai ficar mais difícil, mas dá pra ir a pé.

Levantei do banco e respirei fundo. Eu ainda estava meio tonta com aquela idéia. Sentia um misto de felicidade e desespero. Estava prestes a ficar cara-a-cara com meu ídolo, só que em 1982. Bem... vamos lá.
Comecei a andar na direção da avenida. À medida que eu me aproximava de lá eu sentia que minhas pernas ficavam cada vez mais bambas e eu poderia cair no chão como uma boneca de pano a qualquer momento, por isso tentei me distrair com outras coisas. Fui olhando em volta de mim. Eu já havia passado por aquela rua antes, mas de modo algum parecia a mesma. As casas estavam mais coloridas, os jardins mais floridos e os vizinhos conversavam entre si, o que era raro se ver em 2016.
Ver aquilo me fez pensar em como as coisas mudaram com o tempo, e mudaram pra pior. As pessoas não são mais alegres e simpáticas, ninguém mais vive como antes. Só o que se vê são pessoas enfiadas no mundo virtual e em redes sociais. E é por isso que eu costumo dizer que nasci na época errada.

Estava tão distraída que nem percebi quando cheguei na avenida. A casa ficava um pouco mais à frente, e eu voltei a sentir as pernas bambas.

Porra, mas e quando eu chegasse lá? O que eu diria a ele? ''Olá, eu sou uma fã que veio do futuro pra impedir que sua cabeça pegue fogo e você morra''? Não, eu precisava que ele confiasse em mim, e isso não vai acontecer se eu agir como uma louca. Primeiro irei conquistar sua confiança, depois direi toda a verdade, e em nome dos céus eu realmente espero que ele acredite.

Cheguei perto da famosa casa. A decoração feita para o curta ainda estava lá, mas não tinha ninguém, nem equipamentos de filmagem, nem nada. As gravações aqui já devem ter acabado. Minha única opção agora é a avenida Pacific. Se ele não estiver lá, bem, então não sei o que fazer. O único problema é que a Pacific fica um pouco mais longe, e eu estava sem dinheiro pra pegar um táxi, então teria que ir a pé denovo, mas tudo bem.

Andei tranquila até a metade do caminho, mas meus pés começaram a doer por causa do salto alto, então tirei os sapatos e continuei descalça. Até aí tudo bem. Até eu passar perto de uma enorme poça d'água e um caminhão passar correndo e me deixar molhada dos pés à cabeça.

— FILHO DA PUTA! — berrei. O desgraçado me deixou ensopada, e eu não tenho outra roupa pra colocar. Agora sim Michael vai achar que eu fugi de um manicômio. Mas eu não tinha escolha, pelo visto. Ou eu ia até ele, ou ficava aqui e virava uma sem-teto. Eu até poderia voltar pro hotel, mas mais cedo ou mais tarde eles iriam me botar pra fora, pois não tenho dinheiro pra pagar, então continuei meu trajeto toda molhada mesmo. E rezando para que valha o esforço.

Depois de andar umas 7 quadras, estava tremendo de frio e com uma dor insupotável nos pés, mas já conseguia ver uns três ou quatro seguranças na entrada da avenida. Imaginei que ali teria uma multidão de fãs e paparazzis tentando entrar, mas não havia ninguém do lado de fora além dos seguranças. Tentei entrar direto, mas fui barrada por um cara. Ou melhor, um armário.

— Onde pensa que vai, moça? — ele disse, e a voz dele me deixou com dor de cabeça de tão grossa que era.

— Ah... Eu só queria... — eu mal terminei de falar e ele me pegou pelo braço e me levou para longe do portão onde estava.

— Queria atrapalhar as gravações, não é? — ele me interrompeu — Pois sugiro que vá embora antes que eu chame reforços.

Ok, não precisava de tudo isso. Mas eu prefiro não arrumar problemas, então apenas fiquei quieta e saí. Mas antes de virar a esquina e refazer todo o trajeto que havia feito, olhei para o lado, e ali tinha uma grade que provavelmente dava para dentro do local de filmagem. Chequei se o segurança estava olhando, e quando ele virou o rosto, corri até a grade, mas estava trancada com uma corrente. A minha sorte é que sou magra e pequena, e o portão, mesmo com a corrente, abria o suficiente para eu conseguir passar, e assim fiz.
Avistei algumas plantas ali e me escondi atrás delas antes que alguém me visse. Dali eu conseguia ver tudo, as câmeras, a equipe de filmagem, e o mais importante: Michael. Ele estava ali, há apenas alguns metros de mim, e eu estava com uma imensa vontade de ser beliscada para ter certeza de que não era um sonho. Estavam gravando a parte em que Michael está cantando e caminhando na rua com Ola Ray.

Eu tive que me segurar muito pra não começar a chorar e pular em cima dele, mas é claro que eu não consegui evitar algumas lágrimas. Afinal, eu estava em 1982, vendo meu ídolo gravar um dos vídeo-clipes de mais sucesso da história. Não tem como não ficar em êxtase. No meu caso, eu estava tanto que nem percebi que estava apoiada numa parte do cenário que estava prester a cair, mas quando vi já era tarde demais. O estrondo foi tão grande que a equipe toda se assustou, e pararam de gravar no mesmo instante.

— O que foi isso? — perguntou o diretor — Quem derrubou isso aí? — algumas pessoas haviam se aproximado pra colocar o cenário no lugar, e eu tentei me esconder denovo, mas os seguranças foram mais rápidos. Eu não tinha percebido que havia alguns ali dentro também. Dois deles me seguraram e me tiraram do meu ''esconderijo'', um em cada braço meu.

— Acho que foi essa peste aqui — disse um deles. Espera, peste? Eu não sou nenhuma criança, droga.

— Deve ser só mais uma fã maluca — disse o outro apertando meu braço.

— Em primeiro lugar — disse já impaciente — Eu não sou nenhuma fã maluca. E segundo, pode parar de apertar meu braço antes que eu crave minhas unhas em você? — eu sei que não deveria ameaçar um cara daquele tamanho, mas meu braço já estava dormente. Sem falar que Michael estava ali vendo tudo e não fez nada, além de me olhar como se eu fosse algum bixo esquisito.

— Soltem-na — disse ele — Quero conversar com ela — soltei a respiração que nem sabia que havia prendido e fiquei um pouco mais calma. E nervosa também. Michael queria falar comigo. Minhas pernas estavam tremendo. Os dois brutamontes me empurraram na direção de Michael e eu quase caí em cima dele.

— Michael — disse quase como um sussurro. Eu estava cara-a-cara com ele. Meu Deus, acho que já posso morrer aqui mesmo — Hãn... Obrigada por ter pedido pra me soltarem — eu já não sabia mais o que estava dizendo — Sabe... eles estavam me machucan-

— Quem é você? — ele me interrompeu — E pra quem trabalha?

— Como é? — olhei pra ele e quase comecei a dar risada. Do que ele estava falando?

— Você estava atrás do meu cenário espionando as gravações do meu curta — disse ele sério — Certamente deve trabalhar pra algum jornal ou algo do tipo. E considerando o jeito que você se veste — apontou pra minha roupa, que ainda estava molhada e com cheiro de esgoto — não deve ganhar muito bem, por isso estava me espionando. — eu não acreditava que estava ouvindo aquilo da boca de Michael Jackson, o artista mais generoso que eu já conheci. Ele devia me ajudar, não pisar em mim dessa forma.

— Hey, você não me conhece — respondi-o com um tom indignado e ao mesmo tempo decepcionado, porque era assim que eu estava me sentindo agora. Decepcionada. — Quem te deu o direito de dizer essas coisas? Acha que eu sou o que? — eu já conseguia sentir meus olhos se enchendo d'água.

— Não sei, talvez uma sem-teto — ninguém nunca me olhou do jeito que ele estava me olhando agora. Parecia... nojo? — Tirem-na daqui — disse aos seguranças. Eu nem fiz questão de ficar ali para ouvir ele dizer coisas piores. Estou tão arrependida de ter vindo atrás desse cara. Esse não é o Michael Jackson que eu conheço, é só... um estranho.