Time

Capítulo 1


Me fitei novamente na cama, eu sinceramente não sabia a quanto tempo eu estava ali, que dia ou horas eram. Ele não estava na cama, vi pelo relógio que eram 8hrs, decidi que estava na hora de me obrigar, me obrigar levantar, me obrigar tomar um banho, me obrigar a respirar. Era essa minha luta diária, me obrigar a tudo quando eu na verdade só queria ficar deitada (dopada de preferencia) tentando absorver aquela coisa toda, absorver que a culpa de tudo aquilo era minha.

Depois de uma ducha, desci e todos me encararam como se eu fosse um Zumbi. Bem, tecnicamente eu havia virado um, andava sem rumo, me alimentava às vezes e soltava alguns grunhidos.

- Oi!

- Oi - Tom e Georg soltaram uníssono.

- Você ta legal?

Apenas concordei com a cabeça enquanto eles ainda se entre olhavam, peguei algo comestível na cozinha e sentei entre eles no sofá. A aura deles eram pesadas, uma vez que agora eu via essa coisa o tempo todo. A de Georg era tão preocupada quanto à de Tom, mas elas tinham cores diferentes. A do Georg eu via melhor, nitidamente, era como um arco que o circulava, até por que eu conhecia cada sentimento dele, estávamos conectados desde a infância. Meu irmão e melhor amigo. A de Tom era diferente, não tão nítida, mas me deixava zonza, costumávamos ser um casal feliz antes do "O Grande Buraco".

- Vão continuar me olhando assim? Vocês querem que eu saia?

- Não, meu amor! Só estávamos preocupados - Tom me puxou para o seu peito - mas se você diz que esta bem - ele beijou minha testa - okay.

Assistimos tv, nos 3 naquele sofá pequeno durante o dia todo, abraçados (os dois me abraçando no caso). Lembrava os velhos tempos, de antes de o grande buraco devastar tudo, engolir tudo que era feliz, engolir toda a minha vida. O grande buraco, algo que eu tentava não pensar, mas estava lá, o tempo todo, no ar, no meu reflexo no espelho, na aparência de Georg. Me peguei flutuando nos vários fios que teciam essa grande manta de luto que me envolvia, devo ter deixado escapar algumas lágrimas. Mas eu não me importava, não mais.

- Emma? Você está ai?

Me assustei com o meu nome sendo chamado, não reconheci a voz, nem o lugar, pulei da cadeira tentando me localizar.

-Emma, está tudo bem. Sou a Dra. Amber. Lembra-se de mim? Emma se lembra de onde está?

-Sim... - eu disse me acalmando - Sim, me desculpa.

A aura dela era serena, mas preocupada. Me fez vacilar um pouco.

- Quer começar a falar? Quer me contar o porquê está aqui?

Concordei com a cabeça.

- Comece por quem é você.

- Eu sou a Emma, eu tenho 22 anos, sou casada e moro com meu marido e meu irmão - ela acenou pedindo pra que eu continuasse - eu, tive um... -hesitei- um acidente.

- Emma, o que houve no acidente?

- Eu estava discutindo com meu irmão, eu perdi o controle do carro, ele capotou algumas vezes. Eu... Eu fui jogada no asfalto, mas ele estava preso nas ferragens... o carro explodiu. Ele morreu. Por minha causa.

Me afundei dentro de mim novamente, era quase que um coma, as coisas passavam como um borrão. Sabia que se mantivesse assim, as horas, os dias passavam mais rápido. E então quando eu olhava na janela já era outono e as folhas inundavam a cidade.

Ouvi a porta abrir de leve, não me dei o trabalho de olhar para o lado.

- Oi. Você levantou. Já é uma coisa, não é?!

Dei ombros e olhei para Bill, sua aura era sempre a pior de todas. Sempre tinha um tom enojado quando olhava pra mim, me dei o luxo de ignora-la.

-Tom me pediu para busca-la, você tem consulta hoje e ele não pode vir.

Olhei para ele e assenti.

- Lembra-se, não é?! A médica...

- Eu não tenho Alzheimer, obrigada.

Nas quartas eu tinha consulta, ela tentava arrancar algumas coisas de mim, mas acabava perdendo todo seu estoque de caramelos.

- Emma, você me disse que tinha umas alucinações. Correto?!

Fiquei me perguntando nas consequências de contar a ela que eu via auras, eu sabia que não estava alucinando. Mas o que antes era fraco e raro se tornou rotina após o acidente e os medicamentos. Sua aura agora era preocupada - muito -.

- Ah, não era nada. São só os medicamentos. Eles me deixam meio zonza. Estou melhor.

À medida que o tempo passava, eu me afastava mais, me guardava mais. E quando dei por mim, já tinha passado cinco meses. Eu estava lá, estava viva, mas me perguntava se minha mente, se meu coração estava também. Às vezes me pegava colocando a mão no peito para ver se ele ainda batia. Me sentia como um fantasma, transitando entre os lugares enquanto as pessoas viam através de mim. Não falavam comigo, eu não falava com eles. O silêncio reinava absoluto em todos os horários do dia, exatamente como meu coração.

- Fazemos 3 anos hoje. - Tom sorriu um pouco

- Feliz aniversário para nós. - eu o abracei

- Ainda te amo do mesmo tanto do que o dia que te vi pela primeira vez.

Sorri e concordei com a cabeça. Georg e eu conhecemos Tom e Bill numa festa a fantasia 3 anos atrás. Não me lembro de quase nada por que passei boa parte dela bêbada. Então no outro dia eu o reconheci e nunca mais consegui desgrudar dele.

- Quer fazer algo hoje?

- O que você fizer está bom.

- Esteja pronta às 16, vamos viajar. Venho te buscar. Roupa de banho, por favor.

Sorri um pouco e comecei a pensar em desculpas.

- Não adianta. Não tem desculpa. Você precisa de um sol. Nem que eu tenha que te sequestrar. - ele beijou minha testa e depois meu nariz.

Após ele sair tomei um banho rápido o suficiente para que eu não me visse no reflexo do box. Não queria ter que olhar pra mim mesma. Sentei no sofá e comi algo enquanto passava algum canal aleatório na tv. Esperando que algo chamasse minha atenção, mas por fim acaba num canal que falava sobre as sobrancelhas das modelos.

Reparei que por muito tempo essa era a primeira vez que ficava completamente sozinha. Meus olhos vagaram em busca de alguém. Não havia ninguém. Me atrevi a levantar devagar, dei passos lentos em direção ao corredor, eu sabia que o último quarto guardava meu pesadelo. Me encorajei, um passo de cada vez. Até que cheguei a porta do último quarto do corredor, olhei pra porta branca por uns 10minutos. Segurei a maçaneta, puxando-a com os olhos fechados.

- O que pensa que esta fazendo? - alguém gritou, eu pulei.

- nada, eu só... - gaguejei.

- Saia dai, saia agora. Vem, vem pra sala.

- Eu só queria ver se...

- Se as coisas dele estão ai? Não. Não estão agora saia dai.

Bill me segurou pelo braço e me levou até o sofá, ficou me encarando em pé, como se estivesse me julgando, tentei não ver sua aura (como se fosse possível).

- Não faça, o que sei lá você faz.

- O que?

- Ver as coisas, você sabe Emma. Não faça.

Soltei um "ah" baixinho, ele sabia, ele sabia e acreditava em mim.

- Por que você me odeia?

- Eu não odeio você Emma.

- Não é isso que a sua "coisa" - fiz aspas no ar - diz, nunca vi igual a sua, carrega uma mágoa contra mim.

- Já falei pra não fazer isso. Agora não enche.

Ele bateu a porta ao sair. Tremi com o barulho. Encolhi-me em bola, apertando minhas pernas contra as costelas. Fiquei vasculhando minha mente, viajando em memórias, procurando ali um pingo de sanidade. O telefone me tirou do meu transe, deixei que caísse na caixa postal.

- Já arrumou suas coisas? - Tom falou animado - você não atendeu ao telefone então acho que ainda está dormindo. Vou almoçar em casa, vou levar algo pra nós. Feliz 03 anos, amo você.

Demorou menos de uma hora para que Tom chegasse em casa, pálido, assustado. Bill havia me dedurado.

- Você está legal? Por que não me atendeu? - ele me abraçou.

- Me desculpa, eu cochilei.

- Tudo bem, tudo bem - ele beijou minha testa, eu podia sentir sua mão tremer.

Ele ficou comigo o resto do dia, afundando assim os planos dele pro nosso aniversário.

- São 4 horas - eu disse - vou pegar um biquíni.

- Você não precisa fazer isso Emms.

- Se você quiser, por mim tudo bem...

- Sente aqui e veja um documentário sobre a vida dos lêmures comigo, é isso que eu quero.

Sorri um pouco e sentei ao seu lado, olhando pra ele às vezes. Observando desde o vinco em sua testa ao seu maxilar um pouco saltado, sua pele pouco bronzeada, a barba que preenchia o rosto e o cabelo preto preso num rabo curto. Ele sorriu quando percebeu minha observação.

- O que está fazendo?

- Te olhando. Só.

Ele me puxou num abraço apertado, beijando meu pescoço e minha nuca, passando a mão de leve no meu corpo. Eu sabia o que ele queria, mas me deixei levar. Suas pernas se enroscavam nas minhas até que ele finalmente me puxou, me beijando ao arrancar minha camiseta.

- Eu não sei o que vocês estão pretendendo fazer, seja o que for eu não quero ver. - Georg disse ao destrancar a porta.

Me joguei no chão assustada e ele riu, olhamos um para a o outro e começamos a rir compulsivamente, rindo apenas um do outro, sendo idiotas. Pela primeira vez em meses eu ria, de verdade, gargalhava, enquanto meu irmão ficava com o rosto vermelho, observava Tom, seu rosto se iluminou ao me ver sorrindo, sua aura explodia a sua volta, era linda, eu jamais tinha visto algo daquela cor, pela primeira vez em muito tempo, ele estava feliz. A porta da sala se abriu, então eu senti uma pontada no peito. Era Bill. Todos pararam de rir, ele correu o olhar até que fixou em mim, sabia que não era bem vindo ali (pelo menos pela minha parte).

- Atrapalhei algo?

- Não, Emms levou um tombo, estávamos só rindo dela. - Georg disse ainda com um tom sorridente - peguei ela no flagra com Tom.

Ele esboçou um "ah" amargo, sua aura contagiava todo o espaço, parecia difícil até para respirar. Hoje estava pior, normalmente era verde vômito. Achava que ela não podia piorar, mas hoje ela estava verde escuro quase preta. O que dava a entender que seu amargor por mim havia piorado. Voltei ao sofá, percebi que ele olhava fixamente para mim enquanto conversava algo com Georg, tremi um pouco, de medo talvez. Olhei para Tom, segurando a minha mão, me abraçando de lado. Eu estava protegida. Me atrevi a encara-lo de volta, olhando fixamente para seus olhos, sem medo algum, ele se assustou, seu rosto ficou um pouco pálido e então finalmente virou o rosto. Respirei fundo, aliviada. Tom olhou pra mim e eu sorri de leve. Eu era mais forte do que imaginava.

Este é o último capítulo disponível... por enquanto! A história ainda não acabou.