Through The Viridi

De Flores e Preconceito


—Ei, pra onde você tá me levando?

—...

—Por que você acha que eu roubei o que é meu?

—...

—...Vai pelo menos me dizer quem é você?

—Hum!.-Hortência bufou.

Aquela manhã na Província de Metalia havia começado normal para Aimé. Até o momento que acidentalmente esbarrou numa ninfa da sua idade e não muito simpática à sua cor dos olhos, agora estava amordaçado por ela e indo a algum lugar desconhecido.

Caminharam por pelo menos 15 minutos até Hortência parar de andar, Aimé também parou mas não conseguia saber exatamente o que era o lugar à frente deles. Para esclarecer, aquela era a estufa principal da cidade. De tamanho amplo e elegante fazendo parecer mais um casarão de vidro ou um pequeno castelo de cristal, conhecida como o melhor lugar reservado para ninfas botânicas aprimorarem suas técnicas com plantas e outros fins sociais. Hortência finalmente decidiu falar com ele:

—Você acha mesmo que eu vou cair na sua lábia de que esses óculos são seus?

—Mas é verdade, por que não acredita em mim?

—Porque seria coincidência demais acreditar que esses óculos são do mesmo tritão que invadiu minha escola outro dia, né?

Ele se lembrou rapidamente do dia em que perseguiu um mico-coelho dourado para pega-los, e também que foi avistado por uma ninfa:

—Olha isso é só um mal entendido, se me deixar expl..-

—Não!

Disse de um jeito tão seco e amargo que Aimé nem acreditou que ela podia ser a mesma menina que Lisa considerava amiga e que a viu a consolar de longe. Ele queria voltar para onde Alex e Lisa estavam, mas pelo visto teria que jogar o jogo dela:

—O que eu faço pra você me dá eles?

Ela pensou um pouco, olhando para as sementes que comprou mais cedo e para o garoto que, na visão dela, era um tritão forasteiro que veio para causar problemas. Mas, o jeito que ele olhava pra ela, como se estivesse tentando focar demais a visão pra enxerga-la mesmo estando a poucos centímetros de distância a fez ter um pouco de simpatia. Talvez ele realmente precisasse, mas não ia se arriscar:

—Você.. sabe quantos dedos tem aqui?

—Quatro..

Errado, eram dois.

—E agora? Consegue ver o que tem na minha mão?

—Formigas..-Ele deu seu melhor, mas não era um monte de formigas e sim um punhado de sementes escuras.

A ninfa por fim decidiu:

—Escuta, eu não sei de quem é isso, mas eu não conheço ninguém desse lugar que precisa de óculos..

—Então vai me dá?.-Perguntou tão sorridente:

—Me deixa terminar de falar! Eu não sei de quem são, mas eu estou disposta a te dá SE você merecer e se a sua cegueira não for fingida.

—Como assim "merecer"?

—Faço parte do clube de botânica da província, eu e outros de nós íamos fazer a manutenção de plantas hoje, mas todos estão ocupados na feira..

—Entendi, então você quer a minha ajuda?

—Não, não quero ajuda de um tritão, só quero ver se você não é tão preguiçoso pra fazer umas tarefas..

—Tá bom, mas tem duas coisas: você tem que me dá os óculos pra fazer as tarefas E vai ter que me deixar sair quando terminar.

"Que ousadia desse cara! Ele tá bem acomodado pra quem vai fazer trabalho braçal..". No entanto ela disse:-Aff, certo. Sorte sua eu estar sem opção, te dou quando chegarmos na estufa..-Assim ela pegou de novo o cipó e o guiou para a trilha a estufa, que era decorada com enormes palmas de cera em cada lado:

—Pera, não vai tirar isso dos meus pulsos?

—Isso não fazia parte das suas condições...

"De novo você se meteu em problemas, Aimé. Bom, não é tão ruim, ela só quer que eu ajude na jardinagem...". Ele (tentou) encarar a menina de tranças a frente dele:"Qual o problema dela? Eu não fiz nada. Por que ela é tão hostil?". Tudo o que ele podia fazer era ficar em silêncio e torcer para que suas habilidades com flores fossem suficientes:"O que será que aqueles dois estão fazendo agora?"

—____

Enquanto isso, de volta na feira, Alex procurava desesperado pelos arredores a foto dele e seu irmão, mas não via nenhum sinal. Lisa se aproximou dele:

—Ainda bem que eu consegui esse chapéu de volta, é o favorito da mamãe..

—Você achou a foto?!.-Perguntou segurando as mãos nos ombros dela:

—Não..

—Então temos que continuar antes que o vento mude de direção!

—Mas e o Aimé? Ele deve ter ficado pra trás!

—Eu sei mas, aquela foto é importante, quando acharmos prometo que vamos atrás dele!

Com isso Lisa concordou e seguiu Alex na busca:"Qual o pior que podia ter acontecido com ele? Ser levado por outra pessoa que o confundiu com um tritão?"

—_____

Hortência cautelosamente pôs os óculos no rosto de Aimé, ajustou as vinhas o suficiente para que ele pudesse mexer os braços, mas que seus pulsos ainda estivessem presos e ligados:

—Bem vindo a estufa botânica da província.. Tente não inundar nada..

No instante que Aimé pôde ver o lugar ele nem se deu o trabalho de ouvir a ofensa da ninfa. O lugar era exatamente como imaginava que eram as estufas de verdade, paredes e teto de vidro reluzentes e vários caixotes cheios de flores. O tamanho era grande o suficiente para ser uma casa com vários corredores, mas o que o impressionou de jeito era a variedade de cores e tamanho das flores, algumas bem grandes, algumas semelhante as do mundo humano e outras nem tanto.

Ignorando a ninfa ele correu para um outro corredor que havia uma porta para a parte de fora da estufa onde viu um jardim aberto. O paraíso para botânicos e o pesadelo de qualquer alérgico a pólen:

—EI! Não tente nenhuma gracinha comigo! Aqui eu tenho poder suficiente pra fazer o que eu bem entender com você!.-Agarrou ele pela blusa no peito:

—Por onde eu começo?!

O entusiasmo sorridente dele a deixou quase incapaz de continuar ameaçando ele:

—Humm, vejamos, aqui tem menos coisa pra fazer do que eu pensei.. Mas não pense que eu aceito corpo mole seu!

Ela deu um dedo acusador para ele e se afastou:-Vou pegar as ferramentas, espero que você não seja um inútil pra essas tarefas...

Assim que ela se afastou Aimé se sentiu desanimado com as palavras dela, a incerteza e um toque de tristeza tiraram um pouco do sorriso animado de agora.

—____

"Calma, Hortência, fica calma! Você está sozinha com um tritão e não sabe o que ele quer fazer com você. Se ele tentar te tocar mostre que você é uma rosa com espinhos!". A ninfa de trança se auto aconselhava pegando as ferramentas de jardinagem num galpão perto, ao lado de um herbário.

Normalmente ela não seria tão bruta e ignorante com alguém assim, mas só o fato de que ela via Aimé como uma sereia por causa dos olhos azuis mudava tudo. Crescendo num ambiente onde a única coisa que se ouvia sobre o povo do mar era que eles não passavam de um povo aproveitador, manipulador e malicioso não era de admirar que ela pensasse assim. Apesar do fato de Aimé nem ser desse mundo. Ela se aproximou com as ferramentas:

—Aqui, vou te mostrar como se usa antes de começarmos..

—Não precisa..

—Hein?

—Não precisa. Eu sei como se usa elas, posso fazer um bom trabalho!.-O garoto tinha um sorriso e um olhar determinado no rosto agora, estava disposto a provar que merecia seus óculos.

Hortência, não sabendo lidar com a mudança de humor e o sorriso determinado dele, simplesmente seguiu por outra direção:

—Errrr... ok, vamos para a primeira tarefa..

—____

As coisas com Alex e Lisa não estavam indo muito bem, enquanto a feira da cidade acontecia Lisa finalmente convenceu Alex a fazer uma pausa nas escadas do templo:

—Procuramos em todas as barracas e nada.

—Pois é..

—E se nunca mais acharmos..?

—Não diga isso, com certeza deve ter algum cristal de amazonita por aqui.

—Verdade, com certeza a foto deve est...-Espera, ainda tá pensando nisso?

—Não tenho culpa que controlar a terra é perigoso!

Ele respirou lentamente, olhando de novo pro céu:-Lisa, como se sentiria se estivesse longe de casa e perdesse a única coisa que lembra o seu irmão?

—Espera, aquela era uma foto do seu irmão?

Ele confirmou. Ela fez uma cara séria e se levantou:

—Então levanta, vamos continuar..

—Mas e o seu..?

—Eu esqueço que você está longe de casa, eu ia ficar louca se não tivesse nada pra me lembrar dos meus pais ou dos meus irmãos. Agora vamos continuar por ali..

—____

Plantar mudas num caixote não era o pior castigo do mundo, e Aimé estava feliz por isso. Hortência fez questão de não dar a ele nenhuma tarefa que precisasse de água. Muita gente do mundo humano consideraria isso chato ou nada interessante, principalmente para garotos, mas ele não se importava, isso estava o fazendo lembrar da sua casa, da sua mãe e como sentia falta dela...

—____

"Uma mulher de cabelos ondulados e amarrados num coque podava as flores do seu pequeno jardim da casa. Estava tão concentrada em tirar as ervas daninhas que nem percebeu na pequena criança se aproximando dela. Ele deu um abraço por trás dela:

—OI MÃE!.-A mulher rapidamente voltou a realidade:

—Aimé bebê, a mamãe tá toda suada e cheia de terra, o que foi?

—Tá fazendo o que?.-A criança via ela com as ferramentas e ficou instataneamente curioso:-Apenas cuidando do jardim, bebê..

—Posso ajudar?

—Oh Aimé, você é um menino, você vai achar isso tão chato..

—Deixa, vai...-Como ela podia dizer não pra aquela carinha fofa e olhinhos azuis cheios de manha?

—Tá bom, mas só dessa vez..

O pequeno comemorou, ao contrário do que Cecília pensou o garoto acabou gostando tanto do passatempo que se tornou um hobbie para eles aprender e cuidar de plantas pelos seus próximos 9 anos."

—___

Hortência olhou para trás vendo o garoto trabalhar, viu que o ritmo dele ficou mais lento e ele parecia perdido no próprio mundo, porém ela logo viu ele tentando tirar sua jaqueta azul dos braços. Não gostando disso ela foi verificar seu progresso:

—EI! O que você tá fazendo?!.-Ela estava chocada e com o rosto levemente corado:

—O que foi? Tá calor aqui!

—Mesmo assim não é motivo pra uma pouca vergonha dessas!!

—O que? Mostrar os braços?

—Mostrar suas escamas azuis num lugar de respeito!

—O qu..-?

—Se afasta! Eu quero ver se você fez tudo direitinho!

—Eu fiz tudo como você mandou!

E ele realmente fez, todas as mudas estavam bem enterradas, ela se calou. O clima ficou pesado e desconfortável por 3 longos minutos. Aimé falou:

—Posso te perguntar uma coisa?

—Hum.. Depende...

—Se vocês, hum, ninfas, fazem essas plantas crescerem do nada, pra que precisam de uma estufa?

—Por que eu te contaria?

—E por que não?

"Sereias só controlam a água, acho que não tem problema", pensou ela:

—Bom, é verdade que ninfas botânicas são melhores em dominar as plantas, mas não é tão fácil assim, nem todo mundo é igual. Além disso você não pode apressar o processo, principalmente no começo..

—Como assim?

—Se você apressar uma semente pra ela virar uma muda ela vai ter problemas pra se acostumar tão de repente, você tem que se paciente pra ela crescer primeiro. E depois...

Ela tocou levemente a muda que Aimé plantou e rapidamente os dois viram crescer dela uma flor de pétalas rosas e amarelas:

—Uau...-Os olhos de Aimé brilhavam de fascinação:-..Mas, o que acontece com a semente se você apressar? Ela não cresce?

—Bom, ela até cresce, mas ela não vai ser uma planta de verdade, ela pode muchar e morrer mais rápido, principalmente se você é novato. É mais fácil rejuvenecer do que amadurecer, vem que eu te mostro..

Aimé realmente estava confuso com aquela garota, ela o repreendia por tirar a jaqueta e mandava nele, mas, quando ela começou a explicar sua magia de plantas a atmosfera do lugar ficou tão calma e pacífica, ela falava como se esquecesse que ele deveria ser um "tritão". O que aconteceu entre ninfas e sereias pra ela ter tanto ódio dele e da cor azul?

A menina o levou até um vaso simples com uma planta de galhos secos e mortos. Com um dedo ela tocou a folha amarela, se concentrou um pouco e Aimé entendeu o que ela quis dizer. A folha começou a adquirir um tom de verde e ficou menos seca, colocou seu outro dedo no haste e viu aos poucos a planta voltar a vida, o caule mais resistente e as folhas mais novas de novo:

—Incrível!.-Sorria admirado:

—Ainda é um pouco difícil manter o foco. É a primeira vez que você vê isso?

No momento era como se ela tivesse esquecido da fama que as sereias supostamente tinham, ela gostou de mostrar sua nova habilidade pra alguém. Aimé por uma fração de segundo se esquecia de todas as palavras cruéis dela. O silêncio pacífico durou 1 minuto até Hortência voltar a si:

—Err, ok, acho que eu já mostrei demais a você. Hora de voltar ao trabalho...-Disse com menos veneno na voz:

—Certo... Então eu.. vou podar aquelas flores de lá de fora..

Ele apontou para um canteiro no jardim e saiu pela porta, deixando Hortência refletir:"Acabei de falar com ele assim, normalmente, e ainda mostrei meu poder pra ele. Por que? Ele não estava olhando pra mim com malícia, ele só queria trabalhar pelos óculos. Achei que sereias não eram capazes disso. Será que eu peguei pesado com ele?". Pela primeira vez no dia ela estava questionando se sua atitude para com Aimé estava certa, até que outro pensamento passou pela cabeça:"Espera, eu disse QUAL arbusto ele deveria podar?".

Ela olhou através do vidro o rapaz indo até um canteiro de flores escarlate na parte mais afastada do jardim. O rosto da menina ficou em choque e pavor quando percebeu que tipo de flor era aquela.

—____

"Finalmente, o calor daquela estufa estava um castigo. Pelo menos aqui fora tem um ventinho bom". Aimé estava ajoelhado no canteiro circular de flores vermelhas e brancas, a coroa de pétalas era branca com pontas finas como dentes, as outras menores eram vermelhas e antenas e receptáculo floral vermelho profundo.

Havia algumas vinhas com espinhos crescendo perto delas que Aimé achou necessário cortar, mas antes parou para dá uma vista no céu. Não fazia a mínima ideia de que horas eram, mas pela posição do sol, ia começar a se pôr. Ele só não esperava que os raios ainda fossem cegantes o suficiente para refletir na estufa e atacar os olhos dele. Como um simples raio de sol já tinha o deixado completamente cego? Tomara que isso não aumente o grau dele..

—____

—Vai lá!.-Lisa encorajou Alex:

—Mas é que...

—Não era isso que você tanto queria? Então vai lá, é só pedir pra ele..

—Mas eu já fiz isso..

Depois de tanta procura a dupla finalmente encontrou a foto de Alex, infelizmente para ele a foto veio parar nas mãos do mesmo homem que o deu um mapa mais cedo naquele dia. "Infelizmente" porque o garoto não estava muito confortável em pedir a mesma coisa ao mesmo homem de novo.

Não que sentisse algo de errado com o sujeito, mas não queria repetir a mesma coisa de novo. Ele e Lisa estavam escondidos entre duas barracas já abandonadas:

—Aquele é meu professor de alquimia, Jasper Valência, ele é meio quieto mas é um cara legal. Com certeza ele vai te da se você pedir..

Alex finalmente tomou coragem, afinal ele queria muito sua foto de volta. Ele começou a se aproximar por trás do homem de cabelo meio comprido, apesar do calor o homem usava manga longa e luvas pretas. Sua foto estava guardada na sacola de compras dele.

Tudo ia bem até ver na frente deles uma mulher de cabelos brancos num coque e vestido verde e preto. O ruivo ficou atrás, mas ninguém percebeu:

—Boa tarde, Jasper..

—Xochi, você por aqui..

—Mas é claro, onde mais eu estaria?.-Perguntou num tom brincalhão:

—Pensei que estaria na estufa hoje.

—Bom, eu deveria, mas pensei em passar aqui na feira e perdi a hora..

Lisa percebeu que os dois pareciam bem alheios ao mundo ao redor deles, a ponto de não tirarem os olhos um do outro e não repararem no garoto que estava literalmente atrás deles. Xochi continou:

—Então, Jasper, eu preciso falar com você sobre..

—Xochi, nós já tivemos essa conversa e sabemos bem como ela terminou...-O homem respondeu com um tom triste e rápido, mas não querendo ofender a mulher:

—Claro, não era isso que eu ia falar, eu queria te pedir pra.. me ajudar a carregar as compras! Sabe, até a estufa!

—O que? Eu?

—Claro, afinal somos amigos não somos? Velhos amigos, se importa?

—Óbvio que não.."Se bem que amigos não é o melhor jeito de nos definir", pensou o professor.

Os dois então caminharam dividindo as compras, deixando Alex e Lisa muito confusos com o que acabou de acontecer com o clima daqueles dois. No entanto os dois agora tinham que segui-los antes que fosse tarde demais...

—Aliás Jasper, é bom saber que você conheçe minha rotina de ir na estufa..

—É fácil de perceber, por acaso acha estranho?

—Não, nem um pouco..

—____

Já fazia 5 minutos desde que um raio de sol o cegou, mas agora sentia que estava recuperando a visão. Aimé esfregou as têmporas esperando se recuperar e pôs os óculos de novo. Ele só não esperava o que viu quando sua visão se recompôs.

Ele estava vendo, pequenas bolas flutuantes amarelas, e não era apenas na sua frente, elas estavam em TODO lugar. Na grama, nas folhas, flores e até mesmo vindo do céu:

—O que é isso?

Eram tão pequenas, mas tão brilhantes e notáveis, e estavam por todos os lados. Ele tentou pegar uma delas caindo do céu para ver se era real. O que são essas partículas amarelas? Pólen? Ou algo mais mágico?

Enquanto distraído pela nova visão ele não percebeu que sua mão esquerda estava muito perto da vinha espinhosa. Lentamente, ela começou a se esticar até estar mais próxima do menino, então ele sentiu algo furando seu dedo. Ignorando a novidade mágica ele sentiu algo ser sugado do seu dedo e se virou para o canteiro onde viu a flor desenvolver mais raízes para si em direção a sua mão.

A raíz aérea presa ao seu dedo sugava seu sangue e ia diretamente para a flor, deixando as pétalas num tom vermelho escarlate. Aimé rapidamente se muniu com a ferramenta para aparar e se soltar, mas as raízes tinham a intenção de fazer a mesma coisa com a outra mão.

No momento em que elas estavam prontas para atacar a mão direita ele viu as ágeis raízes ficarem rígidas e então viu de novo o brilho amarelo por toda a flor. Ele aproveitou o momento para puxar seu dedo. Bem perto dele uma menina de tranças e vestido verde esticava os dois braços para frente e com dificuldade:

—Se afasta...

Seguindo as palavras de Hortência ele se afastou do canteiro e a menina sem fôlego desistiu de segurar a planta sanguínea, que ainda procurava seu alvo com suas raízes.

Os dois correram para perto da porta de entrada a estufa. Aimé se ajoelhou:

—Que planta é essa? Uma carnívora?

—Mais ou menos, pelo pouco que eu sei essa é uma Flora hemo, é como uma mistura de planta carnívora e parasita, no lugar de beber água ela bebe sangue..

—Uau, sinistro..

—Aqui costumamos chamar de rosa vampira ou sangria...

Após se acalmarem Hortência estava meio incerta do que fazer com ele, não esperava que seu plano desse errado assim, mas ela rapidamente pensou:"Será que ele se machucou? O que eu faço?".

—Você.. Se feriu? Ela te furou?

—Ahh não, tudo bem, não foi nada..-Ele estava surpreso com a generosidade dela agora, e estava tentando minimizar a dor do seu dedo:

—Tem certeza? Seu dedo está pálido..

—Não deve ter sido na..-

—Eu vou pegar os curativos que temos lá dentro, ok?

Em um segundo ela voltou com uma bandagem para cobrir o ferimento de Aimé. A sensação era como uma dormência depois de pressionar um músculo parado, mas o sangue ia voltar a circular. Enquanto realizava o processo Aimé percebeu a mão e o vestido dela cobertos das pequenas partículas amarelas, como ela não via isso? Era só ele?

Ele ia perguntar quando percebeu que tinha algo importante a dizer:-Obrigado por me ajudar lá trás...

"Por que eu estou fazendo tudo isso? Achei que não era pra dá chance nenhuma a uma sereia"

—Errr, por nada...

—Por que você não tenta rejuvenecer a sangria? Transfomar ela numa muda?

—Não posso, não sei se a hidrocinese é diferente pra vocês mas quando a categoria de uma ninfa é Dominação de Flora tudo depende do quanto você sabe sobre as plantas..

—Então você não sabe nada sobre ela?

—Não o bastante para para-la, o que eu sei estava no hebário..

—Mas são plantas, né? Não é como se elas fossem criar pernas pra cá..

Apesar da tentativa de Aimé de aliviar o clima talvez fosse melhor ele ter ficado de boca calada. A medida que a primeira sangria se contorcia ela despertava as outras por perto, e todas elas com a mesma sede de sangue.

Não demoraria muito para todas elas desenvolverem raízes espinhosas e começarem a atacar qualquer ser vivo a procura de sangue. Uma delas lançou uma vinha numa distância maior, mais perto até eles:

—Não tem ninguém que saiba controlar essas coisas?!.-Aimé se desesperou:

—Sim, acho que tem alguém que poderia daqui. Ela é a melhor ninfa botânica que eu já vi..

—Quem é ela?

—O nome dela é...

—Olá Hortência, não sabia que já estaria aqui...

Ouviram a terceira voz entrando na estufa, uma mulher acompanhada de um homem:

—Xochi!

—..Quem é o seu novo ami..?.-Outra vinha se lançava para perto da estufa:-O que está acontecendo aqui?

Alex e Lisa chegaram a tempo de ver a situação e os envolvidos na estufa:

—Aimé? O que ele está fazendo aqui?

—Por que Hortência está com ele?

Uma vinha de espinhos estava perigosamente perto de quebrar um vidro da estufa:

—Meus deuses e essas sangrias? Que perigo!

—Xochi! Espera!

O homem largou suas coisas ao ver a mulher prestes a encarar as rosas vampiras. Xochi com um estalar de dedos fez os espinhos da raíz caírem no chão, livre de ser picada. Agarrando com força ela richicoteou a maior delas até a força alcançar o canteiro principal. Durante o ato que todos viam em ação, Aimé foi o único capaz de ver as partículas amarelas no corpo da mulher, que estavam mais aglomeradas nela.

Por uma fração de segundo seus olhos escureçeram e sua íris ficou menor. Finalmente a força chegou no canteiro, revertendo até voltarem a ser flores de aparência inofensiva.

Passando a comoção o homem a ajudou à se levantar:

—Como se sente?

—Pensei que estaria enferrujada, ainda bem que não..

Após o ato de ação Alex percebeu as sacolas de Jasper no chão, bem onde sua foto estava, porém Lisa teve que o segura-lo para fora da estufa vendo os adultos voltarem.

"Então ele é o tritão que todo mundo estava falando?". Xochi olhou de perto para Aimé, e ela não gostou que seu pulsos estivessem amarrados com força:

—Vocês dois estão bem?

—Sim, dona Xochi, estou bem agora!

—E você garoto, está bem? Qual o seu nome?

Aquela mulher estava sendo mais respeitosa com ele do que a ninfa mais jovem, o menino nem sabia como reagir:

—Errr, sim estou bem! Me chamo Aimé..

—Hortência, você chegou mais cedo não foi? Pode me dizer como essas sangrias acordaram da hibernação?

—Sim, dona Xochi...

Assim ela explicou como tudo começou, e ninguém além dela, parecia feliz quando ela mencionou que Aimé era um tritão com comportamento suspeito e ela teve que amordaçar os pulsos. Nem Jasper, nem Xochi, nem Alex e nem Lisa.

—Hortência, você considerou que os óculos podem ser dele mesmo?

—Mas professor é que...

—Eu sinto muito..

Todos olharam para o garoto de azul, até mesmo seus amigos de fora:

—Eu não devia ter ido mexer naquelas Flora hemo, não sabia que elas podiam beber sangue. Posso voltar outro dia se quiserem pra arrumar..

—Não. Já vai começar a anoitecer, e vocês devem saber como a noite é perigosa, nada de ruim aconteceu então não tem com o que se preocupar. Entendido?

Disse o homem num tom sério e quase paternal. A ninfa de trança saiu desajustada da estufa, sem nem perceber no humano e sua amiga. Aimé estava prestes a fazer o mesmo quando a mais velha notou:

—Espere..

Então ela desfez o cipó, para felicidade de Aimé:-Puxa, obrigado..

—Se cuida, se quiser voltar aqui é muito bem vindo..

—Obrigado..

—Bom Xochi, aqui estão suas compras na estufa. Boa noite para vocês..-Jasper se despediu dos dois.

Do lado de fora da estufa ele percebeu os dois adolescentes:

—Garoto, você aí...-Alex congelou com o homem indo na sua direção:-..Acho que isso pertençe a você..

O ruivo nem podia acreditar no que estava vendo, sua foto dele e do seu irmão quando crianças, finalmente depois de tudo. Ia agradeçe-lo quando ele respondeu:

—Reconheci pelo cabelo, não é uma cor comum aqui, tome mais cuidado na próxima. Boa noite pra você também Lisa..

E assim Jasper caminhou para fora da estufa. Na porta viram o colega de óculos finalmente solto, pronto para voltar pra casa assim como eles.

—____

—..Então ele deu a foto logo depois?

—Eu disse que ele era um cara legal..

Alex ouvia os dois com um rosto aliviado e ao mesmo tempo mal podia acreditar que alguém que se dizia professor foi tão legal com ele ou com alguém:

—Então esse é seu irmão? Vocês são tão parecidos, tem até os mesmos olhos..

—Pois é..

—Posso ver?.-Aimé estendeu a mão, fazendo os dois perceberem o curativo no dedo:

—Aimé, o que foi isso no seu dedo?

—E por que seus pulsos estão vermelhos?

—Bom, o dedo foi um acidente com as sangrias..

—E os seus pulsos? É verdade o que aquela menina de trança falou?.-Alex perguntou, deixando o outro inquieto:

—Sim, ela me amarrou, disse que não acreditava em mim quando disse que os óculos eram meus..

—Hum! Quem ela pensa que é?.-Disse com amargura, e no momento Lisa não se conteu:

—Isso não faz sentido! Hortência nunca ia agir precipitada e amordaçar alguém assim!

—Mas ela fez, ela mesma disse!

—Gente, talvez ela só..-

—Mas por que? Eu não entendo como ela fez uma coisa dessas, ela normalmente ajuda qualquer um nesse tipo de coisa. O que Aimé fez pra..-?

Rapidamente ela se levantou das escadas onde estava quando ouviu um som de rachaduras em baixo onde estava sentada. Ela se afastou envergonhada:

—Eu só.. me esbarrei nela sem querer...-Revelou o moreno:

—Isso não é um comportamento suspeito pra mim, e você Lisa?.-Retaliou o ruivo:

—Não, com certeza não.."Mas por que ela ficou tão paranóica com ele?"

Antes que pudesse refletir mais ouviu uma voz chamando ela. As estrelas estavam começando a aparecer e a feira da província já havia terminado. Lisa viu que era sua família procurando por ela:

—Eu já volto, tá?

Assim que ela se afastou Aimé comentou:

—Acho que estou ficando cego mas, tem alguma coisa errada com o sol daqui...

—Hum..?

—_____

Lisa correu até onde sua família estava, seus irmãos imediatamente abraçaram ela (ou melhor, a saia do seu vestido), sua mãe tinha um papel na mão:

—Lisa, por onde se meteu? Procuramos você o dia todo!

—Sabe como eu amo os dias de feira, não é?

—Mandamos até os meninos procurar por você, e eles já estavam ficando desesperados!.-Disse Demétrio:

—Sério?

—A gente achou que você estava morta numa vala em algum lugar!.-Declarou Pietro:

—Enfim, Lisa minha filha, chegou isso pra você hoje de manhã..

—Uma carta?

—Veja o selo..

—Não..! Isso é..?

—Sim, uma mensagem diretamente da imperatriz sobre o festival de esportes..

—Eu nem sei o que dizer..

—Leia amanhã, querida, hoje sua mãe vai preparar seu favorito. Estamos indo pra casa agora..

—Vão na frente, eu tenho que resolver umas coisas primeiro..

—____

Rapidamente Lisa os levou de volta para a casa de campo, onde ela deu dicas para fazer sanduíches nutritivos se ficassem com fome. A ninfa também os avisou para acordarem cedo amanhã, queria discutir com eles sobre a carta que recebeu e como a remetente poderia ajudar na situação deles. "Um dia de treinamento", ela disse.

Por algum motivo Aimé continuava vendo as partículas cintilantes em Lisa, quase tão aglomeradas quanto as de Xochi, mas nem ela conseguia ver algo assim. No entanto, a noite ia cair e ele rapidamente ia ficar com sono. Tentando se distrair das visões estranhas ele achou que uma ducha de água cairia bem agora.

"Espero que você não seja um inútil pra essas tarefas", ele remoeu as palavras de Hortência e torceu com todo o coração de que ele pudesse ajudar com o que fosse amanhã.

—____

Em meio aquela madrugada Alex ainda estava acordado, sabia que Lisa queria ve-los logo cedo, mas ele também sabia que ia levar tempo para cair no sono (e mesmo assim ele sabia que ia levantar cedo de qualquer jeito).

Seu companheiro já havia dormido e sua senhoria ninfa não estava disposta a matar insetos de lama sem sua lança (sem contar a noite dos tremores com aquela barata gigante).

Sem muito o que fazer ele foi em direção a grande janela da sala, ele podia observar o céu noturno do parapeito da janela, se algum inseto tentasse se aproximar ele estaria com a enxada de novo.

O garoto tinha uma bela visão da lua e das estrelas, elas iluminavam sua foto o suficiente, era uma visão tão pacífica e bonita que ele se sentiu em paz observando o céu pelos próximos 10 minutos. Então ele viu.

Um pequeno brilho amarelo caiu perto de si. Não, não era uma estrela cadente. Era exatamente como Aimé descreveu pra ele, pequenas partículas brilhantes e amarelas, estavam em abundância lá fora. No solo, árvores e várias como se estivessem caindo do céu como pequenas estrelinhas.

Sua curiosidade com a mesma visão que seu colega descreveu o levou a admirar tudo do mundo lá fora por bom um tempo.