Capítulo 09 -A aposta

Dentro da sala do jornal havia apenas duas pessoas. Uma delas parecia um estudante do Ensino Médio, cabeludo e com barba por fazer, que estava simplesmente dormindo em cima da mesa. Outra, era uma pessoa mais velha, talvez uma professora. Era bonita, magra, mas nem tanto, tinha a pele clara, cabelos negros e não era muito alta. Ela tira os olhos do laptop e sorri para todos.

- Boa tarde. Posso ajudá-los?

- Você não seria a Joseane Torres, seria? - o professor pergunta, evidentemente nervoso.

- Sim. Você não é? Ei...estou me lembrando

\"Como? Como ela também se tornou professora? E com tantas escolas por que tinhamos que vir justo para essa?\", pensa professor Denis, já suando frio.

- Algum problema, professor? - pergunta Wilson, estranhando a mudança repentina de humor do docente.

- É que...acho que conheço essa professora...

- Nunca se viram por aqui? - comenta Jorjão - A professora Josi é a orientadora do jornal da escola e professora de Inglês do Ensino Médio.

- Às vezes dou aula de Português também! - ela diz - Mas, nossa, nunca pensei que iria revê-lo, Denis! Você não parece ter mudado muito e, caraca, nunca pensei que fosse se tornar professor. Pensei que queria se ver livre da escola o quanto antes - ela falava isso em tom de alegria, mas o até há pouco animado professor estava cada vez mais tenso ao revê-la.

- Bem...você sabe que eu odiava a escola mais por sua causa, não sabe?

- Minha causa? Mas o que eu fiz de tão grave?

- Como não se lembra? Você era a menina mais popular da escola e a chefe daquele bando de brutamontes que só faltavam limpar o chão que você pisava com a língua...e você fazia tudo para tirar vantagem dos mais fracos

- Que exagero...eu só estava brincando - diz a professora, sem esboçar muito arrependimento na fala.

- Brincando? Um dia que eu disse não ter dinheiro, você mandou um deles abaixar a minha calça no corredor e ainda tirou uma foto e espalhou pelo colégio inteiro!

Isso me trazia péssimas lembranças, mas no meu caso ninguém tinha tirado foto...quer dizer, acho que tinha levantado as calças rápido o bastante para ninguém ter tirado nada. Nessa época de Internet, esse tipo de coisa é um horror

- Sei como se sente, professor - comenta Wilson, dando tapinhas nas costas de Denis - Também tiraram fotos minhas quando abaixaram a minha calça no corredor

\"Esse cara realmente é pior do que eu!\", pensei, sentindo mais uma gotinha escorrer.

- Ora, o que é isso, professor? Por que se apegar ao passado? Hoje somos adultos, formados e profissionais sérios. Temos que dar exemplo a nossos alunos! - ela diz, em um tom simpático.

- Acha que é fácil esquecer isso? Bem, eu queria um meio de fazer justiça naquele colégio, mas nunca encontrei forças para mudar...resolvi me tornar professor para fazer minha parte e contribuir para que os alunos tenham uma convivência pacífica uns com os outros! Mas tenho minhas dúvidas tendo você como professora por aqui..

- Desse jeito você me ofende, professor - diz a professora, em tom mais meigo - Como pode ver, estou até orientando os alunos interessados no jornal da escola

- Interessados? - ele desvia o olhar para o único aluno do jornal na sala, que dormia em sono pesado - Chama isso de interesse?

- Bem, é que o jornal não tem muitas novidades...é verdade, você é o professor novo e ainda não tivemos oportunidade de conversar. Bem, essa escola é meio parada. Não acontece muita coisa e..

- É por isso que estamos aqui, professora! - Wilson entra na conversa - Temos uma proposta de parceria para o jornal da escola!

- Parceria? - a professora estranha, mas Wilson logo saca sua carta de apresentação.

- Aqui...leia esse projeto

A professora pega a folha, vai passando os olhos e até faz uma cara espantada, mas não parecia estar tão disposta quanto o professor Denis.

- O que...exatamente vocês querem? - ela pergunta.

- Queremos contribuir para o jornal procurando notícias e fatos emocionantes nessa escola! Tenho certeza de que tem muita coisa rolando por aí - Wilson já começa um discurso, mas a professora o interrompe.

- Não tem

- Como?

- Nós somos o jornal da escola. Você acha que não estamos preocupados em procurar notícias interessantes?

- Bem, não é o que vemos na folhinha do jornal e..

- Acontece que não rola muita coisa nessa escola mesmo. A menos que você pense em fofocas ou ranking das meninas mais bonitas, ou coisa do tipo, mas nada disso é jornalismo de verdade.

- E quanto aos mistérios que rondam por aí? Como...

- Como o que? Como o caso do vírus que ataca a área de um a cada dez milhões de acessos à rede? Isso é puro mito...admita, essa escola não tem nada de interessante. Se tivesse, o próprio jornal iria atrás. Por isso esse grupo está às moscas. O único que sobrou foi o Felipe aqui, mas só porque eu preciso dele para editar as imagens. Não é, Felipe?

- Hã? - diz o tal rapaz, acordando - É...é...editar imagens. Quando a senhora acabar de escrever eu faço isso - e ele volta a dormir.

- Achei que os grupos de atividades precisavam de um mínimo de cinco alunos - diz Demi

- Sim, mas nesse caso os outros simplesmente abandonaram. Mas, como bem ou mal, os alunos ainda acham interessante ter um jornal, a diretoria ainda quer que a gente continue o trabalho

- Então...seus problemas acabaram, professora! - diz Wilson - Nós prometemos encontrar uma notícia que valha a pena colocar no jornal, não é, pessoal?

Mas nem todos estavam tão animados assim. No máximo, apenas Demi levanta um pouquinho, como se gritasse \"aeeeh\" em voz baixa. Não foi o suficiente para convencer a professora.

- Vocês acham mesmo que conseguem?

- Com toda a certeza!

- Até que você é bem esperto, Denis! - diz a professora - Quer orientar seu próprio grupo de atividades para ganhar mais um pouco, não é?

- Hã? Como assim? - estranha o professor

- A diretoria não te contou? - a professora parecia estar com um sorriso malicioso - Professores que orientam grupos de atividade ganham mais por fora. Se não falaram nada, é porque tinham certeza que nós não iríamos aceitar sua proposta!

- A senhora...não aceita? - Wilson, por incrível que pareça, fala isso em um tom de desapontamento.

- O que vocês querem não é nada mais do que fazer algo que o jornal já faz. Além disso, não precisam de tanta gente...se uns dois de vocês quiserem entrar para o clube do jornal, sem problemas. Mas é desnecessário criar um grupo inteiro só para fazer um jornalzinho de nada de uma escola.

- Jornalzinho...de nada? - diz professor Denis, que também não parecia estar gostando muito da conversa.

- Na verdade, com o tempo esse grupo de jornalismo vai acabar, perdendo espaço para algum grupo de auxílio ao blog do colégio. É triste, mas é a verdade.

Ninguém falava nada, nem mesmo Wilson.

- Bem - a professora continuava - Se ainda assim, alguns de vocês ainda quiserem entrar para o clube do jornal, sejam bem-vindos, mas não precisamos de todos. Agora, criar um grupo novo só para procurar coisas que não existem nesse colégio...bah, não precisam nem perder tempo

- Mas...queríamos fazer algo todos juntos - diz Wilson.

- Heh! Então pensem em outra coisa...

\"Não\", pensa Denis, \"Não posso deixar a Joseane estragar os sonhos dos meus alunos. Eu já perdi minhas oportunidades quando era mais novo, não posso perder agora. Dane-se que ela era a mais popular do colégio! Isso é passado! Não preciso mais ter medo dela!\"

Nessa hora, professor Denis finalmente toma algum partido da gente (parece que a personalidade animada dele voltou)

- Joseane! Pelo que parece, você quer monopolizar o jornal da escola, não é?

- Monopolizar? Como assim? Para começo de conversa, esse colégio nem aceita mais do que um jornal. É claro que precisamos ser a única publicação. Só estou falando a verdade...o grupo de vocês é pura perda de tempo

- Então...que tal aceitar uma pequena aposta?

- Aposta? Que aposta?

- Topa apostar a posse do grupo de jornalismo com a gente?

- O QUE?! Hahuahuahaha! - ela ri alto - E eu achando que você tinha mudado...ainda é o mesmo tonto dos tempos de colégio, com aquelas ideias estúpidas. Acha que podemos resolver isso com uma aposta infantil?

- Mas não é infantil - Denis continuava - É uma disputa jornalística! Proponho que cada um de nossos grupos faça uma edição do jornal. A edição que os alunos gostarem mais, fica sendo a definitiva. O que acha?

- Heh! Vocês querem mesmo passar vergonha?

- EU ACHO UMA ÓTIMA IDEIA!!! - Wilson grita. Parece que a energia dele voltou - O senhor é um gênio, professor! Por que ter apenas um clube de apoio ao jornal, se podemos ser o próprio jornal? E ainda teremos uma sala muito melhor que a sala da limpeza!

Não precisava falar que estávamos ocupando a sala da limpeza, mas tudo bem...

- Heh! Vai aceitar ou não? - Wilson se volta desafiador para Joseane.

A professora não parecia mais fazer a cara simpática do começo. Claro que ela não queria perder a boquinha de ganhar mais como orientadora de grupo, mas também estava confiante de que poderia nos derrotar fácil, fácil.

- Eu repito...você vai passar vergonha, Denis - ela parecia mesmo confiante - Mas se faz tanta questão assim...tudo bem. Eu aposto o clube de jornalismo, mas...se eu vencer, você fica proibido de orientar qualquer grupo enquanto estiver nessa escola, Denis!

- Negócio fechado! - ele aperta a mão dela.

- OK. Como o jornal dessa semana já foi fechado...vocês bolam alguma coisa para o jornal da semana que vem. De acordo?

- De acordo

- E uma última condição...

- Fala, o que é? - o professor parecia mesmo ter perdido o medo.

- Vocês não podem escrever nenhuma notícia que tenha a ver com vocês mesmos. Se estão tão confiantes de que esse colégio realmente tem alguma coisa de extraordinário,então provem isso!

- Heh! A senhora não perde por esperar! - Wilson aceita o desafio, confiante.

Parece que nem mesmo os professores batiam muito bem naquele colégio. Será que só eu achei aquela aposta uma coisa totalmente non-sense? Enfim, já estava fechado o acordo e precisávamos pensar em alguma coisa para escrever. Podíamos ganhar o jornal da escola ou perder o único professor que apoiaria as nossas loucuras.

- Mostrou pra ela, heim, professor? - Wilson parabenizava Denis, enquanto saíam da sala do jornal - Nunca pensei que a professora Joseane fosse sua inimiga de infância!

- E eu ainda não tinha me encontrado com ela...mas se eu me lembro bem do passado, ela era orgulhosa. Podem certeza de que ela não vai dar mole!

- Não faz mal - diz Demi - A gente também não vai deixar barato, né?

- Isso aí! - Wilson exclamava - Vamos achar um ótimo furo e de quebra desbancar o jornal da escola!

Denis se anima mais ao ouvir aquilo.

- Podem contar comigo, meninos! - diz Denis - Meu tio tem uma gráfica. Quando tiverem o jornal pronto, deixem comigo que eu imprimo. Enquanto isso, também tentarei investigar o que pode ter de interessante para escrever sobre esse colégio

- Manda a ver, prof! - Wilson faz um sinal positivo com o polegar, ao que o professor corresponde. Acho que essa é a perfeita transposição \"Rock Lee / Gai-sensei\" para a vida real.

- O professor Denis é muito fofo, né? - comenta Demi.

- Acho que ele ainda tem muito a aprender como professor - comenta Karina - Mas pelo menos ele deixou as coisas mais interessantes...

- E sobre o que a gente escreve? - pergunta Jorjão.

- É o que vamos pensar a partir de agora! Prestem atenção a tudo e a todos! Vamos encontrar algo bom para escrever! Conto com vocês!

E assim começa o primeiro desafio da NERD. Tinhamos muito a ganhar, mas...como iríamos ganhar? É...esse é o problema, porque, pelo menos eu, não tinha a menor ideia de como começar...