Pov Bucky

Natasha soluçava desesperadamente, agarrando-se ao tecido tenro da minha camisa e abafando o choro em meu peito. Eu não costumava vê-la assim. Nunca havia visto, na verdade. As únicas vezes que a vi chorar foram de dor. Mas ali, ela estava emancipando todo sofrimento que a preenchia. E não pude evitar minhas próprias lágrimas enquanto aninhava-a confortavelmente nos braços.
Não podia acreditar que depois de tudo, depois de tanta luta, resiliência, eles haviam nos capturado novamente. Não conseguia aceitar ou sequer imaginar ser torturado novamente. A dor física talvez fosse a menor de minhas lamúrias. Eles me fariam esquecer... Quem eu sou, de onde vim, quem eu amo...
Então, subitamente, um baque alto sobressaltou-nos. Natasha esganiçou-se quando a nave tremeu violentamente, fazendo-nos despencar no solo frio.
— Soldado! — Aristov vociferou, a alguns metros de distância. — Ataque!
— Soldado, não. — foi Natasha quem revidou, segurando-me pela gola da camisa e forçando-me a encará-la. — мы боремся (Nós lutamos) — ela levantou-se, destemida, rapidamente vestindo a camisa branca que estava no balcão.
Nós lutamos.
Natasha estava certa. Precisávamos lutar.
A nave estava sob ataque, e estávamos caindo. Natasha nocauteou o piloto e tomou seu lugar, sem objeções de Aristov. O mesmo apontou uma arma para a cabeça da Viúva.
— Controle esse troço ou você já era.
— Controlo esse troço ou nós todos já éramos. — ela replicou, tentando desesperadamente impedir que a nave fosse de encontro ao chão.
— Abaixe a arma, Aristov. — rosnei.
O homem, alto, com barba e cabelos negros, franziu o cenho, contrariado.
— E desde quando o soldado dá ordens aqui? — com um giro rápido, ele apontou a arma para mim e puxou o gatilho.
Com um reflexo excepcionalmente vertiginoso, ricocheteei a bala com o braço metálico, reconstruído aqui em Wakanda. Aristov salivou em um frenesi enquanto investia contra mim novamente, e foi a vez de Natasha projetar-se, saltando por cima dele e imobilizando-o.
— A nave! — ela proferiu, enquanto voluteava de um lado a outro no chão frio com o homem que a torturara por tantos anos.
Eu cruzei o banco e apanhei os volantes, mas era tarde demais, estávamos a poucos centímetros do solo. Fechei os olhos e abarrotei minha mente com uma cena nostálgica, de quando Steve e eu ainda éramos garotos, correndo por um terreno baldio no Brooklyn. Naquela época, nossas preocupações eram levianas. Éramos felizes e nunca nos demos conta do quanto. Era a última coisa que eu queria me lembrar antes de partir.
Quando o estrondo nos atingiu, mantive meus olhos fechados, aterrorizado demais para assistir aos horrores que deviam estar nos cercando. O odor de fumaça invadiu minhas narinas, e o calor pairava no ar.
— Bucky, qual é?! — quando finalmente abri os olhos, dei de cara com Sam, com seu traje completo, arrastando-me por uma mata em chamas. — Até que enfim a princesa acordou!
— Sam... A nave... Natasha... Ela... — balbuciei, inspecionando em volta.
— Steve está lá. Temos que ir ou vamos virar churrasquinho, tá legal?

Pov Steve

A nave havia sido despedaçada. Talvez meu plano tivesse sido falho, pensei, enquanto me desvencilhava de escombros e adentrava a nave à procura de Bucky e Natasha. T’challa havia nos ajudado a derrubá-la, com uma série de comandos à distância, e derrotara alguns agentes com suas garras.
— Я убью тебя! ( Vou matar você!) — Natasha estava apinhada por uma cólera irracional, empoleirada nos quadris de um homem já coberto de hematomas, enquanto esmurrava e desconfigurava completamente seu rosto.
— Natasha! — exasperei-me, enojado com a cena. — Largue-o, Natasha!
Ela parecia não estar dando ouvidos, asfixiada pela fúria espumante. Só havia raiva em seu olhar. Pareia um animal hidrófobo, espumando.
— Pare com isso! Pare já! — eu supliquei, içando-a de cima do homem com um braço. Ela esperneeou no ar, titubeando palavras em russo como uma verdadeira lunática.
— Me solte! Me solte, agora! — ela esbravejou. — Eu preciso matá-lo! Solte-me! — ela se contorcia excruciantemente nos meus braços, lágrimas quentes molhando ambos nossos olhos.
O homem já devia estar morto há alguns minutos, com uma poça de sangue o rodeando e diversos hematomas cobrindo seu rosto.
— Está tudo bem, você está bem... — murmurei, tentando desoladamente abrandá-la.
— Não, não, não... — seus gritos tornavam-se mais baixos, quase como burburinhos, roucos e tomados pela dor.
— Eu estou aqui. Sou eu, Steve. Você está a salvo, Natasha. — ajoelhei-me, embalando-a protetoramente com o queixo no topo de sua cabeça.
— Ele... Eu... Tenho que matar.
— Shhh... — afaguei suas costas, e minhas próprias lágrimas pingavam no topo de seu couro cabeludo. — Está tudo bem.
— Eles me acharam... Eles...
— Não, você está a salvo agora, vê? Eu prometi a você que a protegeria! E aqui estou. Não vou deixar que nada aconteça a você.
Ela estava certamente tendo um ataque de pânico. E eu talvez não fosse a pessoa ideal para lidar com esse tipo de situação, mas nada me desesperava mais que vê-la agonizando em seu infortúnio. Não podia imaginar o que aquele homem dilacerado tinha acometido Natasha... Todo aquele rancor... Sabia que precisava mostrar-me forte por ela, ser como o escudo humano que ela precisava, para protegê-la de toda sua dor...
A fumaça inalada tornava o ato de respirar cada vez mais difícil, e eu sabia que precisávamos sair, mas temia que se movesse um dedo, Natasha voltaria a debater-se e uivar como uma fera.
— Tasha... — sussurrei perto de seu ouvido. Ela tinha as pálpebras fechadas, mas um semblante nada pacífico. — Precisamos sair, está bem? Vou tirar você daqui.
Ela não relutou em se levantar, e consegui conduzi-la com suavidade pelos destroços. Protegi-nos com o escudo quando uma explosão secundária nos desestabilizou.
Olhei para trás, por cima do ombro, para o cadáver do homem que afligira Natasha durante praticamente toda sua vida. As chamas já alastravam-se por toda extensão de seu corpo.
O incêndio já estava sendo controlado, mas as labaredas estavam altas, derrubando algumas árvores ao redor. Quado emergi com Natasha pendendo em meu ombro, Sam, Bucky e T’challa estamparam sorrisos de orelha a orelha.
— Aqui! Ela está ferida? — T’challa guiou-nos até uma espécie de maca.
Quando assentei Natasha na maca, ela grunhiu, cravando suas unhas no tecido da minha camisa, prendendo-me junto a ela.
Ela não permitia que eu fosse embora. Estava apavorada, e depositava sua confiança em mim.
— Está bem, estamos bem. — confortei-a, acariciando sua bochecha coberta de fuligem.
...
— Ela precisa descansar. Descanso total, garotos. — Shuri apontou para mim, Sam e Bucky. — Tentem não estragar tudo de novo.
— E o chip... Está fora mesmo? — Sam questionou, inseguro.
— Veja com seus próprios olhos. — Shuri entregou-lhe um frasco que continha o minúsculo chip. — Podem me agradecer mais tarde. — ela empertigou-se, retirando-se de cena.
— Você ouviu a mini gênio, Rogers. Deixe-a descansar. — Bucky me deu um tapinha no ombro, enquanto observávamos Natasha adormecida no que se assemelhava a um quarto de hospital.
— Vou ficar por aqui. — afirmei.
E assim fiz. Plantei-me do lado de fora da sala, para que nem o som da minha respiração pudesse perturbá-la, e esperei pelo que pareceram ser horas. Estava quase pegando no sono, em pé mesmo, com a testa apoiada no vidro maciço pelo qual eu observava Natasha, quando ela remexeu-se entre os lençois, resmungando.
— Tasha? — adentrei a passos largos, parando no pé da cama.
Seus grandes olhos azuis fitavam-se fixamente. Havia um pequeno inchaço embaixo de seu olho esquerdo, uma esfoladela no queixo e um corte irregular no lábio inferior, que mesmo com o ferimento continuava corado e voluptuoso, atraente. Não pude deixar de notar que mesmo assim, contundida, ainda possuia uma beleza exótica e inigualável. Eu amava seus cabelos ruivos, mas as madeixas loiras também lhe caiam bem. E estavam crescidas como eu nunca vira antes.
— O que você vê que admira tanto? — ela rouquejou.
— Eu... É que... — tentei desajeitadamente formular uma frase, mas emaranhei-me nas próprias palavras. — Estive preocupado.
— Eu machuquei você. — ela lamentou-se, dedilhando meu abdome onde cravejara sua adaga algumas horas antes. — Você não devia ter se arriscado. Eu disse para deixar-me ir.
— E eu disse a você que a protegeria a todo custo. — interrompi-a. — Eu não descumpro promessas, Natasha, e muito menos deixo as pessoas que amo para trás.
— As pessoas que ama? — ela repetiu, e só então consegui averiguar o peso de minhas palavras.
Eu poderia mentir. Ou melhor, omitir. Poderia tagarelar sobre como a amava como minha amiga, minha melhor amiga, mas decidi enfrentar a verdade de uma vez por todas.
— É, isso mesmo. Natasha Romanoff, eu amo você. E estou cansado de esconder isso. Você sabe disso, e age como se não... Como... Como pôde dizer-me para deixá-la? Como pôde ir embora? Não sequer cruzou seu pensamento que estaria me machucando? Como pôde ser tão egoísta? — meu ímpeto murchava quando inspecionei o semblante desgastado dela. — Sabia que eu a amava...
— Egoísta? — sua voz fraquejou. — Fiz o que fiz por amor, Steve. Para que você ficasse a salvo! Não poderia conviver com a culpa de saber que você se sacrificara por mim.
— Então sacrificou-se por mim ao invés disso. — ironizei.
— Não é loucura? Como o amor move as pessoas? Nos deixa estúpidos, inconsequentes... — ela riu-se.
— O que isso quer dizer? — permiti-me sentar ao seu lado, no vão na beirada da cama. — Digo... O que isso nos torna?
— Isso nos torna um par de desajustados que cultivam sentimentos amorosos recíprocos um pelo outro, e que nunca conseguem um minuto de paz romântica...
Abafei uma risada amargurada.
— Acha que podemos recuperar esse tempo perdido... talvez possa me levar ao seu quarto? — seus dedos que antes percorriam meu ferimento, deslizaram até o cós da calça.
— Tasha... — balbuciei, tentando resistir aos impulsos lascivos. — Você acabou de sair de uma cirurgia. Talvez não devessemos fazer nada tão... agitado.
Ela sorriu, e aquela era uma imagem que deveria ser emoldurada. Era uma imagem que eu gostaria de poder registrar na minha mente e deixá-la sempre ali.
Depositei um beijo lento em sua testa, enquanto me aconchegava nas cobertas junto dela. Ela ligou a TV e aninhou a cabeça em meu peito, e passamos o resto da noite ali, juntos. Naquele momento, nada mais importava, nem o mundo iminentemente desabando acima de nós. Naquele momento, éramos apenas eu e Natasha, e nossa conexão não precisava ser explicada. Era especial demais para sequer tentarmos.