These Days

O grande roubo.


Terminar daquele jeito foi algo terrível, ainda mais com ela. Bianca tinha sido meu raio de sol (sunshine), a garota que se apaixonou por mim de uma forma única e inexplicável e eu simplesmente a fiz sofrer. Acredite ou não mas fiquei mal demais com tudo isso, o resto daquela semana (de provas ainda por cima) foi péssima. Mas algo aconteceu no último dia que mudou tudo.

Por um longo tempo eu fiquei me culpando bastante pelo o que fiz, sentia medo sempre que passava por algum dos diretores com medo deles terem descoberto o que eu fiz. Mas apenas no ano seguinte que eu descobri todo podre que tem naquele colégio, e quando digo "todo podre" é realmente TUDO, eu descobri o motivo do Grêmio ter uma sala só deles, com computador e internet. Descobri o motivo do Grêmio ter tanta vantagem e isso aliviou um pouco o que eu fiz.

«»

Eu passei aquela semana na pior forma possível, se eu estava mal antes disso acontecer, depois de Bianca eu simplesmente queria morrer. Passei dois dias com uma angustia sem fim, onde eu simplesmente ficava deitado ouvindo música e tentava dormir. Me isolei até dentro de casa onde eu não queria conversar nem com meu irmão.

Mas algo naquela sexta-feira me fazia sentir que seria diferente. Eu acordei melhor e pouco atrasado para aula. Tomei meu café normal e fui pro chuveiro. Fiquei pensando nas provas e como fui mal, com certeza 80% do pessoal da turma entraria de férias essa semana, e semana que vem que é a última de aula, antes das férias de julho, ninguém estaria mais na escola. E eu com certeza teria que ir todos os dias para a recuperação.

Já na escola eu estava na sala pronto para as três últimas provas. A primeira foi de história, pela primeira vez eu estava concentrado e consegui lembrar de várias coisas e acho que fui bem. Quando deu 14h20, veio a segunda prova, de Inglês. Essa eu gabaritei com três minutos de prova. Ainda levei quase dez minutos para passar cola para o Eduardo, que não sabia nada.

Então desci, teria que esperar até 16h para o intervalo e minha última prova seria as 16h40. Ou seja, eu tinha quase 2 horas para esperar. Eu fui na sala do Grêmio assinar os papeis e levar enfim toda a programação do torneio de Futsal que eu organizei que começaria em setembro.

– E aí Guilherme, a papelada ta aí? - Eu falei enquanto olhava pro Presidente do Grêmio.
– Tá sim, Henrique. Só um minuto. - Ele dizia enquanto mexia no computador.

Demorou alguns segundos até se levantar e procurar na gaveta os papeis já assinado com tudo sobre o torneio que aconteceria em quatro meses. Agora eu só precisava levar na sala da diretora e eu estaria "livre" das atividades do Grêmio, porém ainda tiraria as vantagens de ser um Gremista.

Eu sempre batia na porta do diretor geral, Alexandre, mas eu fazia tantos trabalhos para o Grêmio, vivia entrando e saindo daquela sala, que o mesmo falou que eu não precisava esperar ele abrir a porta, era só bater e entrar, então fiz isso. Quando entrei percebi que ele não estava lá. Era normal pois nem todos os dias ele estava na escola, quer dizer, Alexandre não tinha um horário fixo na escola, as vezes ficava no turno da manhã, as vezes a tarde, e as vezes o dia inteiro lá. Naquela tarde ele não estava.

Antes de deixar os papeis lá, eu fui verificar se realmente estava tudo certo, não demorei dois minutos para verificar tudo e estava tudo okay. Deixei os papeis na mesa e quando ia sair, percebi que tinha outros papeis ao lado dos meus. Em cima numa folha azul, estava escrito bem grande: RECUPERAÇÂO.

Minha curiosidade nesse momento foi enorme e por algum motivo eu comecei a folhear aqueles papeis quando descobri que eram as provas da próxima semana. Todos os professores enviam as provas para alguém da coordenação, e eles enviam para o diretor geral que depois despacha para algum lugar para fazer toda a xerox necessária. Eu vi que eram quase vinte páginas, eram as provas originais.

Eu rapidamente abri a mochila e botei as provas de recuperação dentro, quando saí da sala do diretor olhei para o corredor e não tinha ninguém, então fui para o portão. Alex era o porteiro no turno da tarde, era um conhecido já.

– Ei Alex, tem como abrir a porta aí? preciso tirar xerox ali rapidinho.
– Tranquilo... E teu Vasco ontem hein? - Ele era um tricolor carioca fanático.
– Vixi, nem vi. Quanto foi? - Perguntei mostrando certo interesse enquanto saía.
– 2x0 pro São Paulo.
– Que merda hein. - Respondi enquanto ele fechava o portão.

Já no lado de fora eu abri a mochila novamente para verificar meu dinheiro e teria que sacrificar o dinheiro do lanche para isso, mas acho que valeria a pena.
A sorte de estudar em um colégio grande que tinha várias lojas, "armarinhos" e etc por perto. Mas para não levantar suspeitas fui numa que ficava à duas ruas da escola. Chegando lá pedi 3 cópias de cada. Deu 4,50R$, eram 15 provas, fiz três cópias.

Tinha que voltar rápido para a escola, olhei para o relógio no pulso e eram 3h51. O intervalo estava prestes a começar, mas com certeza o pátio já estava cheio, pois em época de prova eu duvido muito que alguém ainda estava fazendo prova. Quando dobrei a rua da escola meu coração disparou, era o carro do Alexandre buzinando na frente da Garagem da escola, esperando que alguém abra o portão eletrônico. Eu pensei em correr mas ele perceberia. Então andei rápido, beeem rapido. Passei por trás do carro dele e ele entrou na escola. Fui direto para o portão principal e bati umas seis vezes em desespero. Alex demorou para abrir. Tinha gente doida para ir embora mas ele não deixava, só depois que o intervalo acabasse. Percebi que algumas pessoas ou todas que estavam ali aflitas para irem embora me olharem e ouvi uns comentários do tipo: Só entra e sai por quê é do Grêmio.

Eu não iria me preocupar com isso, então dobrei o corredor da direção e fui ameacei uma corrida mas tinha gente no corredor. Apressei a passada e já no corredor fui abrindo a mochila, entrei na sala do Alexandre e botei as provas de recuperações originais na mesa, bem ao lado de onde deixei minha papelada. Então meu corpo congela.

– Henrique? - Era a voz de Alexandre vindo atrás de mim.
– Oi... - Me virei suando frio já.
– O que faz aqui? - Ele perguntou enquanto entrava na sala.
– Ah... Vim deixar essa papelada aqui sobre o torneio de futsal, enfim ficou pronto.
– Ahh sim, obrigado, estava pensando nisso mais cedo, hoje muitos entram de férias, estava com medo de você ter que vim aqui semana que vem só pra entregar isso.
– Que nada Diretor, acho que vou ficar de recuperação em algumas.
– Não é por causa do tempo que o Grêmio tem te tomado não né? - Ele sentou na mesa dele.
– Não senhor, é culpa minha mesmo, mas tenho ótimas notas no primeiro bimestre, e é só eu fazer uma boa recuperação.
– Entendo. Então obrigado, obrigado por entregar no prazo.
– Eu que agradeço ter ajudado.

Então me virei e estava saindo da sala quando ele falou de novo.

– Foi você que estava lá fora agora a pouco?
– Sim senhor... eu tive que comprar papel pardo para entregar o projeto do torneio.
– Ah... gastou dinheiro do teu bolso? - Antes que eu pudesse responder, ele abriu a carteira e me deu uma nota de cinco reais. - Toma, pra você lanchar.
– Que isso, Diretor, não precisa.
– Pega, uma pequena recompensa pelo seu esforço, tá muito sol lá fora, compra uma coca-cola.
– Okay... obrigado senhor.

Quem diria... além de ter roubado as provas de recuperação, ter gastado 4,50R$ com as xerox, eu ainda saí lucrando. Eu simplesmente estava com o maior sorriso do mundo pelo corredor. Não acredito que tudo deu certo. Fiquei na sala do Grêmio o intervalo todo, claro, depois de ter comprado uma coca-cola.

Fiz a última prova de filosofia de qualquer jeito, eu não me importava mais. Eu iria tirar 10 em todas as recuperações, eu estava convicto disso. Eu teria um longo fim de semana para estudar, e sim, eu iria estudar todas as recuperações.
Antes de ir embora fui até uma nerd da sala, eu a chamo de Nerd pois ela realmente era Nerd e eu não lembro seu nome. Pedi para ela os dias que cairiam cada recuperação, pois estudaria uma de cada vez.

Indo embora esbarrei com Eduardo, essa semana eu e ele quase não nos falamos, ele estava conversando com a Bruna perto do portão. Eu cheguei perto deles, eu estava feliz, a adrenalina do que eu tinha feito era absurda. Um sentimento inexplicável.

– E aí. - Falei enquanto ficava no meio dos dois.
– Oiii - Bruna sorria ao me olhar.
– Brinquei na prova de de inglês - Eduardo se gabava para Bruna.
– Que mito você. - Falei rindo, pois eu tinha dado toda a cola para ele.
– Eu tô ferrada, acho que tô em recuperação em várias. - Bruna parecia preocupada
– Sério? - Falei com um sorriso no rosto.
– Sim, tô malzona nos estudos.

Pensei em falar para ela das informações que só eu tinha naquela escola, mas preferi ficar quieto, o medo de ser descoberto era enorme, era digno de no mínimo expulsão. E tudo que eu não queria era ser expulso. Dudu morava no lado oposto do que Bruna e eu, então se despediu, ele tinha curso de informática toda quarta e sexta, então foi direto para o ponto de ônibus.

Depois de muito tempo eu estava voltando com Bruna para casa, na verdade uma semana que isso não acontecia. Bruna me olhava o tempo todo, talvez por causa do meu sorriso no rosto, eu não escondia toda adrenalina que eu sentia. Na segunda-feira ela me viu a pessoa mais pra baixo e depressiva do mundo, na sexta eu estava irradiante e feliz. Paramos na pracinha, o tempo estava bem feio, parecia que iria chover em breve.

– O que aconteceu, Rickzinho? - Ela me olhava.
– Sobre?
– Você, tá toda felizinho aí, parece que fez sexo. - Ela ria do próprio comentário.
– Ah... não. Só que aconteceu muita coisa nessa semana, só me sinto aliviado.
– Hm... Já tá de férias né?
– Eu? não, acho que tô de recuperação em 10 matérias.
– Caraaaaca, isso tudo?
– Sim, mas vou recuperar todos os pontos semana que vem. - Sorri.
– Vixi, vai nem dá uns beijinhos esse fim de semana então né? só estudar.
– Mesmo se eu não fosse estudar, eu não beijaria. Bianca e eu terminamos... eu terminei na verdade - Então a imagem dela veio em minha cabeça e já não existia mais sorriso em meus lábios.
– Ah... que aconteceu?
– Não sei... Eu só fui o idiota que eu sempre sou e acabei com tudo.
– Nossa... agora sei por que estava mal daquele jeito.
– Sim, não era só ela, mas o principal motivo era ela.
– Se a gente namorasse e terminasse, capaz de tu se matar. - Ela ria, queria me distrair.
– Se a gente namorasse... Eu acreditaria no eterno amor, estaria com você aonde quer que for, e sempre seria assim, pura magia. Eu sempre seu, você sempre minha.

Com essa palavras eu dei um beijo longo em sua bochecha e sorri após fazer um breve carinho em seu rosto, não deixei ela falar nada, não queria sua resposta, na verdade, não queria nem ver sua reação. Preferia imaginar em minha mente qual seria sua resposta e sua reação.

Atravessei e senti uns pingos de chuva, eu não me importava com a chuva, eu não me importava com mais nada. Eu teria um longo fim de semana para estudar cada prova de recuperação que eu roubei. Eu já não me sentia como a mesma pessoa que entrou naquela escola pela primeira vez, eu já não era a mesma pessoa, eu tinha mudado.