A brisa gelada da manhã invadia o calor confortovál do cômodo. O céu cinzento mal deixava espaço para os raios de sol que lutavam para adentrar o quarto através da janela. Annie, ofegante, olhava para fora enquanto sua mente voltava aos poucos para a realidade, arrancada de um agonizante pesadelo. Contando com mais uma noite mal dormida, amaldiçoada pela insônia e os pesadelos que apareciam nas poucas horas restantes de sono, ela levantou e foi em direção ao banheiro para fazer sua higiene matinal. Todas as manhãs começavam da mesma forma, pesadas com a luta da noite anterior, seguidas de dias que somente acumulavam a esse peso, demorando dolorosas horas para terminar e recomeçar o ciclo. Seu rosto carregava as consequências desse terror, olheiras escuras e profundas apagavam o azul de seus olhos, a pele que já era pálida estava ainda mais pálida e seu olhar não parecia trazer vida nenhuma. Annie sabia que parecia uma carcaça, arrastando-se por aí como se buscasse um buraco para finalmente cair morta. Mesmo assim ela levantava todas as manhãs, automaticamente, carregando o peso de um corpo exausto e uma alma vazia. Anestesiada.

Fechando a porta atrás de si, Annie sentiu a brisa gelada queimando suas bochechas e arrancando o quente conforto que o seu moletom branco manteve em seu corpo. Enquanto caminhava até o ponto de ônibus, ela tirou seu celular e fone de ouvidos do bolso e ligou uma música, desconectando-se dos sons que pudessem causar incômodo a sua cabeça. As vezes o barulho da cidade poderia ser demais para Annie, causando tamanho desconforto que o ar lhe escapava dos pulmões e sua mente acelerava com pensamentos negativos enquanto o pânico a deixava imóvel. Um risco que ela não queria agora, durante o caminho até a obrigatória terapia em grupo que seu advogado conseguiu através de um acordo.

Dissociando durante todo o trajeto, Annie voltou para si quando seu ponto chegou, descendo com um aceno de cabeça para o motorista. Andando por algumas quadras movimentadas, com pessoas indo e vindo sem parar, ela sentiu dificuldade em se concentrar no objetivo até que enxergou o grande prédio cinza e acelerou em direção a ele. Era a quarta semana de terapia e ela ainda sentia o peso em seus ombros duplicar quando entrava pelas grandes portas de vidro do saguão e apresentava seu documento para a recepcionista, que conhecendo Annie, apenas a cumprimentava com um sorriso gentil e tímido enquanto a liberava para o décimo primeiro andar.

Saindo do elevador, Annie notou que era a primeira a chegar na grande sala onde a terapia acontecia. Era uma sala vazia, com altas janelas de vidro temperado que permitiam enxergar a vasta cidade de Trost abaixo, somente cadeiras formando um círculo no meio da sala e no canto direito próximo da porta, uma mesa com café e diversos salgados e doces para os pacientes. Ali, Annie enxergou a psicóloga responsável por eles servindo-se de um café, com um olhar distante ela pareceu não notar a chegada da garota loira.

"Srta. Petra?" Annie chamou, fazendo-se ser notada para não assustar a mulher que rapidamente virou a cabeça em sua direção e abriu um sorriso contente.

"Olá, Annie! Chegou cedo hoje." A psicóloga falou, sabendo que Annie costumava chegar em cima do horário devido a insônia e pesadelos. "Café?"

"Ahn, claro." Ela respondeu e foi até a mesa para servir-se de uma xícara de café preto e amargo mesmo sabendo que não seria de nenhuma ajuda para o seu corpo exausto.

Senhorita Petra era uma profissional indicada pelo governo para a ação de reforma de jovens infratores. Nenhum dos pacientes havia cometido crimes graves, todos tendo conseguido acordos com a justiça para participar dessa reforma social, tendo em conta o passado e a ficha psiquiátrica fornecida anteriormente ao julgamento. Mesmo trabalhando para o governo, Petra aparecia todas as manhãs com essa energia positiva demais para seus pacientes, alguns deles a julgavam como ingênua mas ela parecia não se afetar pelas palavras pesadas que muitas vezes eram direcionadas a ela. Apesar do sorriso gentil, Petra era uma profissional determinada a cumprir o seu trabalho e ajudar seus pacientes nessa jornada de recuperação. Annie não tinha opiniões formadas sobre a mulher sorridente, era indiferente a ela e não se incomodava com o alto astral pois esse não afetava o baixo astral de Annie. Nada afetava, para pior ou melhor, ela estava presa nessa nuvem privada de emoções e pessoas não pareciam ser capazes de chegar até ela. Ou, talvez, aquela pessoa seria. A pessoa que a colocou na situação em que se encontrava agora, a pessoa que drenou tudo de bom que poderia um dia ter florescido em Annie. Seu pai.

—---------- 12 anos atrás ---------------------------------------------------------------------------------------

Annie acabara de completar sete anos, com expectativa de presentes e bolos ela levantou da cama em um pulo e correu em direção da cozinha. Estava vazia, talvez seu pai ainda estivesse dormindo e por isso não havia nada preparado para o aniversário dela. Correndo até o quarto dele, encontrou a cama vazia e feita metodicamente da mesma forma que ele deixava todas as manhãs. Partindo em busca de seu pai e, esperançosa, de sua surpresa de aniversário, ela foi para o jardim atrás da casa.

"Você está atrasada." Ele falou em um tom duro quando avistou a filha abrir a porta. Annie respondeu com um olhar confuso, olhando em volta a procura do que ela tanto queria e falhando em encontrar. "Cinco horas, Annie. Esse é o horário da manhã que você vai acordar à partir de hoje. Agora venha até aqui."

Relutante e ainda sem compreender, a pequena Annie caminhou até seu pai que gesticulou para que ela parasse em frente a ele. Olhando para cima, para o rosto de seu pai, ela viu uma expressão sombria que ainda não tinha visto mas que estaria lá todos os dias à partir desse momento.

"Defenda-se!" Foi a única coisa que ele falou antes de segurar a pequena criança pela gola de seu pijama azul bebê e atirá-la no chão. Assustada e sem entender o que estava acontecendo, Annie gritou questões ao pai enquanto tentava se levantar, suas pequenas mãos sujas com a terra do jardim. Antes que pudesse recobrar o equílibrio, um tapa na lateral de sua cabeça a derrubou novamente, fazendo-a gritar ainda mais alto enquanto lágrimas lavavam a terra que agora estava manchando seu rosto.

"Sem chorar! Se você continuar chorando, não vai conseguir se defender. Vamos, Annie, levante-se!"

E mais uma vez ela tentou, agora engolindo o choro e, mesmo completamente confusa, determinada a obedecer o pai. Pulou o mais rápido possível do chão para ficar em pé e deu três passos para atrás, tentando esquivar de qualquer golpe que seu pai tentasse contra ela, mas suas pernas eram muito pequenas, seu raciocínio ainda pouco desenvolvido, sua mente ainda perdida, Annie foi muito lenta. Um golpe direto em seu tórax, ela nem conseguiu ver se fora chute ou soco, só sentiu sua cabeça batendo contra a terra com um barulho alto e abafado. Tudo ficou preto.

Annie nunca mais comemorou aniversários depois daquele dia.

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Terminando o café, Annie dirigiu-se até o círculo formado por cadeiras de plástico no centro da sala e escolheu um lugar que a permitia olhar pela janela. Assim ela seria capaz de se desconectar da sessão enquanto os outros pacientes falavam, respondendo de forma curta as tentativas de interações de Petra. Mesmo sendo sua quarta sessão, Annie não sentia necessidade de compartilhar e participar, somente cumprindo seu dever e estando presente. Ela não conhecia ninguém que estava ali e também não fazia questão de interagir, sempre chegando quieta e saindo quieta, com a expressão fechada para garantir que os outros entendessem que ela não queria socializar.

O restante dos pacientes foi chegando aos poucos, Petra já estava sentada em uma das cadeiras, cumprimentando cada um que entrava pela porta e os incentivando a passar pela mesa com o café da manhã antes de começarem a sessão. Quando o relógio chegou às oito horas, quase todas as cadeiras estavam ocupadas, restando apenas uma vazia. Annie não prestou atenção quando Petra começou a falar e a sessão se desenrolou, concentrando sua atenção no céu nublado lá fora. Ela ainda conseguia ver os raios de sol que tentavam se esgueirar através das pesadas nuvens acinzentadas, o sol escondido em algum lugar atrás delas. Um avião passava no momento em que a porta abriu mais uma vez, quase vinte minutos depois.

Com toda a sala caindo em silêncio e cabeças virando em direção à porta, Annie saiu de seus pensamentos e virou a cabeça imitando o restante. O que ela viu a perturbou, uma face que ela conhecia muito bem e achou que nunca mais veria em sua vida depois de ter abandonado o colégio, anos atrás.

"Mikasa?"

Este é o último capítulo disponível... por enquanto! A história ainda não acabou.