Minhas costas doeram ao serem empurradas contra uma fria parede de mármore, revestindo meu quarto. Eu sentia os lábios da pessoa, seus beijos e mordidas, porém minha mente estava cheia dele. Não conseguia pensar em mais nada, não conseguia fazer nada, sem ser imobilizado quando me lembrava da maciez de seus cabelos azuis. Meu queixo foi segurado com força, apertando meu maxilar, fazendo-me olhar para seus olhos. Ele tirou seus óculos:

– Você me encanta - sua feição deixava claro. Seu desejo era incontrolável, e claramente havia conseguindo realizá-lo. Por que eu não fazia nada?

– S-Saia daqui - juntei forças para escapar de seus braços.

– Não deixe sua guarda baixa novamente, ou serei obrigado a lhe atacar - Como eu odiava seu tom sarcástico, como eu odiava aquele sorriso que não deixava seu rosto. Andei até a porta, abrindo-a e fazendo um gesto para que ele se retirasse. Assim o fez:

– Boa noite, servo.

Fechei a porta e me encostei atrás dela. Desabei no chão, não aguentando as lágrimas. O dia foi uma completa tortura emocional, e eu não sei lidar com isso. Muita coisa acontecendo de uma vez, passou como uma eternidade, e tudo o que eu sentia parecia estar acumulado há anos. Meu corpo inteiro tremia, e eu forçava o maxilar de tanta raiva. O cheiro daquele ser ainda estava no meu quarto, e um gosto de café não saía da minha boca.

Ventou pela janela, apagando as velas. Não foi necessário acender outra, já que a lua iluminava todo o quarto com facilidade.

Uma lua crescente.

Quase me afogando em memórias e saudades, fui tomado pelo cansaço e adormeci ali mesmo, no chão. Acordei não aguentando a dor nas costas, por dormir em uma posição tão ruim. Um batido contínuo na porta me fez levantar, surpreso:

–Gakupo! Acorda cara! Já é quase meio dia - Yuma gritou, atrás da porta.

–Tá, já vai - revirei os olhos, trocando rapidamente de camisa.

Acompanhei o rapaz até a dispensa, para pegar os materiais.

– Que saco, temos que trabalhar em dobro para conseguir uma folga no dia do festival - Ele disse, amarrando um avental no corpo.

– Pense por outro lado, vai ter boa música e muita gente para conhecer - suspirei. Yuma me ofereceu um pedaço de pão e saímos pelo corredor em direção aos quartos, deveríamos limpar todos eles pelo menos uma vez por semana.

Dobramos roupas de camas e limpamos os banheiros de diversos cômodos, gastando diversas horas. Quando chegamos ao final do corredor do segundo andar, nos encontramos com a princesa:

– Rapazes, vocês trabalham muito... - ela sorriu se aproximando de nós. Seus cabelos estavam soltos e chegavam até os joelhos, cobertos por um vestido de linho.

– Desculpe Vossa Majestade, temos muitos afazeres - Deixei Yuma responder, que por sua vez se posicionou, colocando-se ligeiramente na minha frente, percebendo minha tensão.

– Deveriam se juntar para o lanche da noite comigo! Tirem um tempinho mais tarde, por favor, conto com vocês. Lá na sala do chá, às oito - ela nos cumprimentou e seguiu até as escadas, segurando a borda do vestido.

Logo atrás dela, passou por nós a sua empregada, toda atrapalhada. Olhou pelas costas para quem estava do meu lado, corada, e quase tropeçou no tapete.

– O que foi isso? – perguntei, boquiaberto.

– Devemos ir?

– Fazer o quê - concluí, com amargura. Afrouxei a gola da camisa, abrindo a porta do próximo quarto. O sol começou a se por quando terminamos o andar, nos restando apenas o quarto do príncipe. Yuma mais uma vez se voluntariou:

– Vá descansar Gakupo. - tomou o balde e o pano de minhas mãos - Temos um jantar hoje, melhor ir se arrumar. - deu uma piscadinha e entrou.

Por um rápido momento, pela fresta da porta, pude ver o vaso com uma rosa quase murcha dentro.

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Tomei um banho e me encontrei com Yuma no hall do segundo andar, e de acordo com meu relógio, descemos as escadas às sete e meia. Estávamos os dois de blazer. Mesmo nervosos, entramos na sala, e nos deparamos com Lady Miku conversando com sua empregada. Quando perceberam nossa presença, a princesa rapidamente levantou:

– Sabia que viriam! Pedi para a cozinheira fazer biscoito e chá, e uma torta especial de amora em homenagem ao Gakupo! Ela faz tão bem, mas é tão mal-humorada... - riu, fazendo um sinal para que nos sentássemos.

A menina com os cabelos presos em marias-chiquinhas fixou o olhar no chão, vermelha como um tomate. Seu vestido de empregada era azul escuro, com bordados nas extremidades.

Sentamos de frente para elas, numa mesa de seis lugares. Dois ficaram vagos nas pontas.

– Então, conte-me sobre vocês! Ouvi falar muito nos dois, aparentemente são os empregados mais queridos do castelo - se serviu de chá, arrumando suas vestes.

Senti um leve tom de arrogância em sua fala, que me deu calafrios.

– Perdão madame, mas é realmente adequado jantarmos assim? - Perguntei, apoiando os braços na mesa.

– Não se preocupem, eu pedi diretamente para o Rei. Porém, esperem para comer. Os dois outros rapazes estão atrasados, mas logo eles chegarão - disse, abrindo seu leque e escondendo o rosto atrás dele.

Ótimo, não havia jeito melhor de completar minha semana. De algum modo, minha intuição me disse logo de cara quem seriam os outros convidados. Alguns minutos se passaram e mais assuntos toscos foram puxados, fazendo o tempo se passar como uma eternidade para mim. A empregada permanecia calada, uma vez ou outra olhando rapidamente para Yuma e rapidamente disfarçando a atenção, fazendo-me rir, baixinho.

Ansiedade fez minha mão suar, debaixo de luvas de algodão que eu raramente tirava.

– Ora, mas que noite agradável - Uma voz familiar abriu as portas enormes e preencheu a sala com seu perfume que me causava enxaqueca, acompanhado de outra pessoa que eu não pude ver por estar de costas para a entrada - Convidados? Isso é novidade.

Abaixei a cabeça, discretamente segurando a mão de Yuma para me manter calmo. As duas pessoas se sentaram nas cadeiras da ponta: o conselheiro do meu lado, e o príncipe do lado de Yuma.

– Bom, agora que todos estão aqui, vamos comer! - Miku se animou, logo partindo um pedaço da torta.

Todos se serviram em silêncio, com um clima ligeiramente tenso na mesa.

– Posso saber por que os cavalheiros se juntaram a nós hoje? - O rapaz de óculos arqueou uma sobrancelha, me encarando.

– Eles trabalharam tanto hoje, pensei em dar-lhes um descanso - a princesa sorriu, adicionando cubos de açúcar à bebida.

– Ah, que seja. O roxo eu já conheço - Kiyoteru deu uma piscada para mim - Mas o outro...

– Yuma, senhor! - ele o cumprimentou, encolhendo os ombros.

Olhei para Kaito. Ele não ousou levantar a cabeça um momento sequer. Seus olhos estavam cansados, suas vestes, amassadas. Parece que eu fiquei encarando, pois ele percebeu meu olhar, virando-se para mim. Meu coração parou.

– Meu príncipe, por que está tão quieto?- Miku perguntou, dando uma garfada na torta, que por sinal estava ótima. Meiko nunca errava.

– D-desculpe, estou exausto - ele engoliu em seco, voltando a encarar o prato - Tive de resolver muitas coisas hoje.

– Vamos, se divirta um pouco. Já conhece os dois convidados? São muito gentis, e tão bonitos - A princesa riu, dando uma cotovelada de leve no ombro da empregada, fazendo-a corar.

Quando todos acabaram seus pratos, Kiyoteru se levantou:

– Príncipe, toque para nós um pouco de piano! - ele andou até a plataforma, retirando a capa do instrumento.

– Ah... pode ser - Kaito se levantou, com indiferença, e sentou-se no banco na frente do piano - Preciso de um vocal - ele concluiu, com as mãos no colo.

– Eu! - a princesa ergueu a mão, animada.

– Ouvi dizer que o cavalheiro sabe cantar, por que não nos faz uma demonstração? - Aquela víbora de óculos fez um gesto para mim, sorrindo. Estremeci, vendo que não tinha escapatória.

– Gakupo? - ouvir meu nome ser dito por aquela voz me deu vontade de chorar. Yuma segurou a manga do meu casaco, preocupado. Por que eu soube desde o ínicio que ia dar merda? Me levantei, puxando minha cadeira para me sentar perto do piano.

– Qual música? - perguntei, estreitando os olhos.