The price of evil...

Swallowed lies and swam in your own tears


Dois dias depois.

A viagem havia sido tranquila, porém eu que não estava tão calma assim. Um amigo de Lisa veio me buscar no aeroporto e agora estávamos em frente a uma casa que pressuponho que seja dela.

-Chegamos. –Foi a única coisa que o senhor que se apresentou como Greg disse depois das famosas boas vindas. Saímos do carro e ele me ajudou com as malas, deixando-as em frente à porta da casa.

-Então, é... Obrigada, vai esperar pra falar com a Liss?

-Hum, Liss? –Ele me olhava como se não soubesse do que eu estava falando. – Ah, claro, não, minha jovem, falo com ela outro dia. Divirtam-se. –Sorriu e voltou para o carro.

Toquei a campainha e esperei até que Liss aparecesse, foi inevitável reparar em como ela estava diferente. Seus olhos estavam fundos, inchados e rodeados por olheiras, havia emagrecido, e parecia cansada. Vestia uma camisa do Iron Maiden comprida e meias.

-Oh minha nossa, agora eu entendi por que você queria que eu viesse aqui urgentemente! –Disse ao abraçá-la. –Senti sua falta.

-Eu também. –Sorriu cansada, estava mais pálida que o normal.

-Isso são folhas secas no seu coro cabeludo?

-Muito engraçada. –Sorriu sarcástica. - Vamos entrar.

Liss me ajudou a arrastar as malas para dentro. A casa estava bem bagunçada, alguns livros e fotos jogados pelo sofá e tapete, os móveis eram antigos, mas refinados.

-Quando eu soube que você meio que fugiu com os meninos, achava que não tinha nem sequer um teto, confesso que estou surpresa.

-Você e seu veneno. –Disse ao afastar alguns livros para nos sentarmos no sofá.

-E então, o que houve? Você parece doente.

-É talvez eu esteja. –Suspirou. – Falou com o Johnny?

-Sim e foi muito difícil convencê-lo a não vir comigo.

-Tem certeza que ninguém sabe que você veio me encontrar?

-Eu já disse que sim. Mas não faz sentido! Você sumiu e agora ta se escondendo dos meninos? Eles fizeram algo com você?

-Mich, eu preciso te contar a verdade sobre certas coisas, só não sei por onde começar.

-Tenho todo o tempo do mundo pra ouvir.

-Ok. Talvez eu tenha que começar falando que eu não sou Lisa Foreman.

Xx

-E aí, Gates. Que cara é essa?

-Oi Shadows, sei lá, senti saudades das nossas noites ardentes. –Brinquei e Matt me deu um soco no ombro.

Entrei na casa e fui logo até a geladeira pegar uma bebida.

-Passou muito tempo com o Zacky, já chega abrindo a geladeira dos outros na maior cara de pau. –Riu. –Que cara de puta é essa? –Ignorei a piada.

-Matt, Michelle viajou.

-Ah, não acredito, é carência! Vem cá com o papai. –Abriu aqueles braços assustadores como quem espera um abraço e começou a rir.

-Eu acho que ela foi encontrar a Clarisse.

-O que? –Seu sorriso foi desfeito de imediato. –Mas ela...

-É eu também não entendi. –Suspirei. –Acho que nós temos que fazer uma viagem.

-Você quer dizer ir atrás delas?

-É, Matt. Ela era sua amiga, não era? E muitas perguntas ficaram sem respostas. –Ele permaneceu em silêncio. – Tem mais uma coisa. Antes de viajar eu vi a Michelle conversando com o Johnny. Ouvi ela dizer que Clarisse mandou que falasse somente com ele, avisasse que estava bem e que ele continuasse de boca fechada.

-Isso quer dizer que o Johnny sabe de alguma coisa. –Afirmou com os olhos vagos e eu assenti. -E o que nós vamos fazer?

-Acho que deveríamos entender tudo isso que ta acontecendo.

-Gates e a banda? Nós vamos voltar a fazer turnês, não podemos simplesmente deixar isso pra lá e ir atrás da Clarisse.

-Posso conversar com o Larry, eu tenho certeza que ele iria entender. –Percebi que Matt continuava relutado contra essa possibilidade. -Ah, qual é? Você se importa tanto quanto eu.

-Vamos avisar o Zacky? –Respondeu depois de um tempo com uma expressão preocupada e eu entendi que aquilo era um sim para todas as minhas perguntas.

Xx

-Minha mãe foi embora antes que eu pudesse gravar seu nome, sem explicações, simplesmente me largou com minha avó. O tempo passou e eu nunca tive notícias dela, muito menos do meu pai, que eu não fazia à mínima ideia de quem seja. E isso nunca foi um incômodo na realidade, eu só me sentia um pouco estranha, nunca tive amigos ou coisa do tipo, mas também nunca fiz parte do time dos deprimidos... Eu simplesmente existia. Não vivia, não fazia nada que me recordasse daqui uns anos, só esperava os dias passarem.

Até que eu descobri que Liv, minha avó, estava morrendo. E a possibilidade de perder tudo que eu tinha começou a me fazer ver as coisas de outra forma. Passei bons meses na poltrona de um hospital, vendo familiares de pessoas internadas chorarem, escutando gritos de dor, vendo tudo que você podia imaginar, era como estar no meu pior pesadelo. Tudo aquilo era realmente muito horrível. Eu já tinha decorado em minha mente os discursos dos médicos.

“Nós sentimos muito, porém ela não resistiu.

Ouvi isso várias vezes até que a frase foi redirecionada a mim.

Xx

-Você pode vê-la antes que seja levada ao...

Sai correndo antes que o médico completasse a frase, qual seria o sentido de ver minha avó morta?

Cheguei até a parte externa do hospital e sentei-me no banco vazio. Estava frio, mas não me importei, as gotas de chuva misturavam-se com as minhas lágrimas.

Eu não tinha mais ninguém no mundo, para onde eu iria agora? Abracei minhas pernas e continuei chorando, odiava parecer fraca, mas pelo visto, era o mais racional a se fazer agora.

-Clarisse? – A voz que havia pronunciado meu nome não era similar a qualquer outra que eu ouvira antes.

-Oi? –Falei ao olhar para trás e ver uma mulher magra de estatura mediana.

-Podemos conversar?

-Desculpa, não é um momento muito apropriado.

-Eu era uma conhecida de sua avó. –Acabei cedendo com aquela afirmação, vovó sempre pediu para que eu tratasse bem suas amigas.

Estávamos agora na lanchonete do hospital que se encontrava um pouco vazia pelo fato de serem 3h da manhã. A mulher sentou-se à minha frente e eu continuei fitando o nada.

-Sinto muito.

Uma coisa que havia aprendido. Sinto muito só indica pena e às vezes não indica nada. Não gostava que sentissem pena de mim, muito menos que fingissem se importar quando na verdade estão apenas sendo educados. Continuei calada.

-Clarisse, é... Eu não sei por onde começar, mas... –Me virei para a mulher a minha frente e a realidade me atingiu como um soco no estômago.

Uma realidade que eu não conhecia, ou simplesmente não havia notado até então.

Sua pele era tão pálida quanto a minha, o cabelo escuro possuía algumas mechas claras e desciam pelos seus ombros chegando até a cintura, lábios finos um pouco rachados e os olhos escuros estavam avermelhados como os de alguém que não dormia há um tempo e suas pupilas estavam dilatadas.

Pupilas dilatadas.

Drogas.

-De onde você conhecia Olivia? –Perguntei com dificuldade.

-Clarisse, não faça perguntas das quais já sabe a resposta.

Xx

Continuei com a história para minha única expectadora que nem ao menos piscava. Uma história sem lágrimas, nenhuma daquelas palavras me atingiram de forma inesperada dessa vez. Talvez agora eu estivesse mais lúcida do que nunca, porém louca o suficiente para não sentir culpa pelos fatos que sucederam aquela visita inesperada.

Todo esse tempo eu tentei reprimir as memórias, tive medo delas, porém nos últimos dois dias que passei naquela casa olhando tudo como se estivesse ali pela primeira vez, gravando em minha memória cada pequeno detalhe, relembrando cada acontecimento... Bom, talvez agora sim eu tivesse criado uma barreira contra minhas memórias suicidas.

Michelle não me julgou por nada, disse que entendia, porém nunca era mentira, falou isso por questão de educação, estava apenas tentando me reconfortar e acho que agora já era um pouco tarde para consolos.

Outros dias foram passando, sem notícias de Vernet, Isabelle ou Simon. Algumas vezes eu via viaturas policiais passando pela rua em frente à minha casa, o que era incomum já que aquele era um bairro pacato, obviamente estavam apenas se certificando que eu não havia dado um jeito de fugir.

Michelle me ajudou com a arrumação da casa, apesar de não saber nem ao menos segurar em uma vassoura de forma correta. Preciso admitir que foi divertido. A loira também reclamava das minhas roupas e tinha um ataque quando via coisas da moda do século passado no meu guarda-roupa... E assim os dias foram passando. Sem segredos ou mentiras, mas meus pressentimentos, mesmo que ignorados, continuavam me perseguindo, alguma coisa iria dar errado, eu só não sabia quando.

-Michelle? –Falei baixo tentando despertar a loira que cochilava.

-Oi?

-Você gosta de sonhos?

-São melhores que pesadelos. – Disse sonolenta.

-Não quis dizer esse tipo de sonho, sua mula. Sonho de comer sabe?

-Comer um sonho? Andou usando o que? –Levantou-se aos poucos, joguei uma almofada em sua direção. – Ok, eu entendi, mas por que a pergunta?

-Conheço um lugar com os sonhos mais incríveis do mundo! –Tentei demonstrar entusiasmo.

-Hogwarts ou a fantástica fábrica de chocolate? –Riu e levantou-se rapidamente. –Aleluia, não agüentava mais ficar presa nessa casa, vou acabar ficando com a mesma cara de doente que você tem.

Deixei Michelle realizar seu desejo de me emprestar uma roupa e acabei saindo com uma camiseta branca simples, uma saia cintura alta e, depois de muito esforço para convencê-la a não me obrigar usar saltos enormes, uma sapatilha.

A mula loira ao meu lado agora já estava com uma maquiagem bem feita, um vestido simples e os cabelos soltos. Olhando para ela daquele jeito fez com que eu me lembrasse de Valary. Conseguia ver muita diferença entre as duas, na verdade achava a outra gêmea, Val, um pouco mais bonita.

-Pronta? –Perguntei.

-Espera aí, não to achando nada pra combinar com o meu vestido.

–Nós vamos apenas a uma confeitaria, Michelle. - Peguei as chaves na mesinha da sala e abri a porta. –Te espero lá fora.

A rua deveria estar vazia como sempre. Deveria.

-Jace. –Eliminei qualquer expressão de meu rosto.