The price of evil...

Hold on to faith as I dig another grave


-Jace?

Minha voz parecia distante até mesmo para mim, um som fraco que pareceu sumir em pouco menos de um segundo. Por um instante me perguntei se realmente houvera emitido algum som ou se somente estivera pensando.

-Eu acho uma ótima ideia, mas... Você não disse que estava bem aqui?

Ele respondeu vacilante, como se a pergunta o tivesse pegado de surpresa, o que era estranho já que ele mesmo levantara aquela questão. Pensei um pouco em minha resposta enquanto mordiscava o canto da unha.

-É, mas sei lá –dei de ombros – você sabe que eu não consigo não causar um pouco de discórdia na vida dos outros - dei um sorriso fraco e tentei parecer convincente ou fazer graça. Jace não riu.

-A decisão é sua, se quiser voltar, é um problema que você vai ter que assumir.

-Como assim um problema? –franzi o cenho sem entender realmente o que aquilo queria dizer.

-Você. Você é sempre o problema da questão!

Ele riu sem humor e se afastou. Enxerguei seu rosto iluminado pela luz bruxuleante do apartamento, Jace murmurou um “boa noite” e foi até seu quarto. Afundei-me no estofado macio do sofá e, em algum momento, adormeci.

**

Minha cabeça latejava e eu estava com frio, muito frio. Meu coração pulsava tão forte e rápido que chegava a doer, abri meus olhos vagarosamente, tateei o chão com as mãos procurando apoio para levantar e senti algo asqueroso entrar em contato com a ponta dos meus dedos, um líquido e aquele típico cheiro de ferrugem. Sangue.

Levantei rápido e corri, o lugar era um breu, era impossível enxergar qualquer coisa e eu nem sabia onde diabos tinha me metido dessa vez. Meu pulmão ardia, mas eu não podia pensar parar. Corre sua idiota, corre. Tropecei em algo no chão e meu corpo foi impulsionado para frente, meus joelhos cederam e eu caí. Tateei a superfície ao redor de onde eu houvera caído e senti algo gélido. Totalmente sem forças, percebi no que eu havia tropeçado, ou melhor, em quem.

Um corpo. Um maldito cadáver. Tudo continuava muito escuro e eu não podia discernir nada a minha frente, cheguei mais perto e de repente tudo se tornou claro, ao meu redor a escuridão ainda cobria a porra do lugar, mas minha visão parecia ter se modificado. Não lembro exatamente de tudo que vi, na verdade, só recordo de algo. Órbitas verdes.

**

Tombei para o lado do sofá e caí dando de cara com a caixa de pizza vazia. Foi só um sonho. Foi só a droga de um sonho. Meu peito ardia, as batidas aceleradas permaneceram por um bom tempo, obriguei a mim mesma a respirar. Apertei os olhos diversas vezes para me acostumar com a pouca luz do ambiente. Quando o susto foi se tornando somente um episódio engraçado eu levantei e percebi que realmente estava com muito frio.

Dormi no sofá sem cobertor nenhum e caí. Quantos anos eu tinha mesmo? Sete? Poderia relembrar de ocorridos na minha infância em que eu adormecia no sofá assistindo TV e minha mãe me levava pra cama caso eu tivesse tido uma mãe que não houvera fugido na primeira oportunidade.

Andei trôpega até a cozinha e bebi um copo d’água, em seguida andei pelo corredor em direção ao meu quarto, mas desisti na metade do caminho, eu sabia que nem se tomasse milhões de pílulas iria conseguir dormir. Por trás das cortinas os primeiros raios de sol começavam a iluminar a cidade deixando-a com um tom amarelado bonito, abri apenas um lado das persianas e fendas retangulares de luz solar se formaram no chão, olhei em volta, estava tudo uma bagunça e já que eu precisava de uma distração comecei recolhendo as caixas de papelão do chão e jogando-as no lixo. Depois saí caçando todas as louças que eu pudesse encontrar pela casa, concluí que de vinte copos que tínhamos, quinze estavam debaixo da minha cama e cinco na estante de livros. Limpei o chão, arrumei o quarto, mudei alguns móveis de lugar, tirei toda aquela poeira medieval que provavelmente já estava ali na época que a igreja anglicana houvera sido fundada.

-Por acaso contratei uma diarista e não me lembro?

Dei um pulo e virei para trás, assustada.

-Vai pro inferno assustar o capeta mano, puta que pariu.

Jace riu, estava arrumado.

-Achei que ia ficar em casa hoje - falei enquanto sentava no chão, nunca estivera tão cansada em toda minha vida.

-Eu ia, mas tenho que resolver algumas coisas –ele espirrou – viu minhas chaves?

-É sério que você não ta enxergando? Elas estão na sua frente, animal - apontei para a mesinha de centro. Jace espirrou mais uma vez e correu até suas chaves agitando-as o ar, parecia apressado e desconfortável.

-Vou sair antes que você me mate com toda essa sua poeira.

-Minha poeira o caralho – esbravejei, mas provavelmente sem ser escutada já que Jace praticamente correu em direção a porta e em segundos já não estava mais lá.

Terminei de tirar a poeira e fui recolher a roupa suja, entrei no quarto de Jace sentindo como se estivesse no tempo da escravidão segurando uma cesta de centenas de peças mal cheirosas apoiadas no quadril e seguradas com uma única mão. Apoiei a mesma no chão abismada com a bagunça que encontrei.

Meu deus, quanto trambolho pode caber em um só cômodo. Como naquele eu havia sido abduzida pelo espírito da limpeza, comecei a organizar tudo que vi pela frente. Papéis e mais papéis. Roupas, lençóis e restos de comida. Nem o quarto de um adolescente podia ser tão nojento quanto aquele. Sentei no chão em frente às gavetas da mesa de trabalho e comecei a guardar os inúmeros papéis que recolhi no chão, tinha receio que eu acabasse jogando fora algo importante e depois Jace quisesse traçar meu fígado com purê de batata.

Ao abrir a primeira gaveta encontrei duas pilhas de papel organizadas e presa por uma espécie de identificador onde estavam escritos nomes e datas que nada significavam pra mim. Resolvi guardar aquela resma em minhas mãos na segunda gaveta já que a outra me parecia tão meticulosamente arrumada. Abri a segunda gaveta encontrando praticamente uma floresta inteira ali dentro, um emaranhado de papel tomava conta de todo o espaço. Joguei os que estavam em minha mão o que fez com que muitas folhas pendessem para o lado como a onda de uma onda que deitava novamente.

Congelei no mesmo instante. Não respirava, não piscava, estava atônita.

Ótimo, estou esclerosada e vendo coisas.

Não sei por quanto tempo fiquei encarando aquelas letras miúdas.

Um papel com datas e nomes de produtos comprados em um cartão de crédito. As compras feitas eram no nome de Wooden Brown. Olívia Wooden Brown, pra ser mais exata. Dentre as compras uma delas estava destacada, uma compra feita no shopping de Huntington Beach. Uma compra que eu sabia que tinha sido feita por mim.

Retirei a folha da gaveta e passei a olhar superficialmente as outras procurando por algo, procurando por qualquer coisa, mas não querendo encontrar nada.

Vamos lá, quais eram as alternativas? Jace era um cara obcecado pelo trabalho que guardava os arquivos de todos os casos em uma gaveta, ou, aquela folha estava lá de intrusa por um mero acaso, ou talvez, algumas coisas estivessem bem erradas por aqui.

Relutante, continuei revirando as resmas de papel até encontrar uma em especial que me chamou a atenção. No topo da folha havia uma foto impressa em preto e branco de uma mulher magra e doentia, logo abaixo seu nome. Katherine Bane.

Novamente, vamos considerar as possibilidades. Ou eu estava ficando cega ou não sabia mais reconhecer minha própria mãe.

**

Cheguei ao meu local de destino e logo fui adentrando as portas de vidros escuros. Apesar de estar quase correndo e pisando duro meu ritmo nem ao menos chegava perto ao das pessoas que estavam lá dentro. Milhares de detetives oficiais andavam de um lado para o outro, telefones tocavam freneticamente, quadros com diversas fotos onde se lia “desaparecidos”. Me acotovelei com algumas pessoas até chegar na sala que eu queria, em uma placa singela estava o nome de David Ross.

-Sr. Jason? O que faz aqui? Digo – a secretária acabou se atrapalhando com as palavras e cambaleou em minha direção, deixou alguns papéis caírem no chão. Ela era esguia, em média uns trinta e cinco anos, pálida e de olhos enormes que pareciam enxergar muito além. –Ross não me avisou que estava lhe esperando.

-Ele não está.

Meu tom saiu um pouco mais rígido do que eu imaginei, porém não estava com muita paciência ou tempo para ser simpático, apesar da secretária ser até bonitinha.

-Então espere um pouco vou falar com ele.

Intrometeu-se na minha frente e com a mão na maçaneta, lançou um olhar severo em minha direção exigindo que eu permanecesse ali.

-Ah, faça-me o favor, sai logo da frente - quase atropelei a mulher ao passar pela porta. Não gostava de ser rude com mulheres, principalmente as que possuíam uma bela comissão de frente como aquela secretária, mas hoje não era um dos meus melhores dias.

Na sala com iluminação esquisita e moveis mais esquisitos ainda, encontrei um cara mais esquisito ainda. Me recuso a acreditar que algumas pessoas ainda dizem que quando eu estiver mais velho, serei parecido com ele. O cara corpulento atrás da mesa me olhou por cima dos óculos, seu rosto era iluminado por uma luz néon que saia do computador a sua frente.

-Aconteceu alguma coisa?

-Não, mas vai acontecer. Você vai ligar pra embaixada americana e vai contatar o detetive Albert Vernet.

**

Travava uma briga interna sobre o que eu usaria para combinar com o terninho azul marinho que eu escolhi pouco minutos atrás quando meu celular tocou.

Era Jace, a ligação foi rápida, ele somente disse que ele e David me esperariam em um restaurante perto do prédio. Relutante, aceitei, aliás, não tinha por que não aceitar. Desliguei e calcei os saltos. Qual foi? Agora eu sou uma advogada formada.

E desempregada, mas isso não vem ao caso.

Tentei prender meu cabelo em um rabo de cavalo meticulosamente arrumado, depois de milhões de tentativas e de nem ao menos sentir mais meus braços, consegui. Minha cabeça já doía e eu sentia até mesmo meu pescoço sendo puxado para trás de tão apertado que aquele penteado estava. Coloquei os óculos, talvez assim alguém pensasse “nossa, ela realmente parece ser importante” e saí vacilante, tropeçando nos meus próprios pés. Mas é claro, quando eu já estava acenando para o táxi voltei ao apartamento para pegar os papéis que eu deixara em cima da cama. A ficha criminal de Katherine Bane grampeada à ficha criminal de um tal Alexander Bane, ambos com o mesmo endereço. Coloquei os papéis em uma pasta similar aquelas pastas importantes de gente importante, segurei ela como um escudo colado ao peito. Refiz o trajeto, dessa vez com tudo que eu precisava, peguei um táxi –e antes de qualquer coisa, saibam que eu também peguei dinheiro antes de sair – e mostrei o endereço. O motorista fez uma cara que eu não saberia distinguir se era de preguiça ou felicidade por ter que me conduzir particularmente ao outro lado da cidade.

O trajeto foi monótono, muito monótono. Cantarolei, de quando em quando soltava uma arfada de ar nos vidros do carro e esboçava uma espécie de desenho. Mas era algo cansativo e como todas as coisas cansativas e monótonas, me deixou cansada.

Subitamente, comecei a mover os pés, ritmados. No primeiro momento achei que aquilo era apenas uma reação ao tédio e a impaciência, mas depois percebi que não era nada disso. Passei a mover as mãos, lentamente e depois mais aceleradamente, utilizando um semicírculo imaginário à minha frente.

Há quanto tempo eu não chegava perto de uma bateria?

Muito tempo, respondi a mim mesma.

Em algum momento houvera decidido que aquele era um hábito de uma adolescente que só queria passar o tempo e irritar as poucas pessoas que lhe cercavam. Um hábito de Clarisse, uma garota atrapalhada que sempre metia os pés pelas mãos, e não de Rachel, uma mulher que calculava tudo antes de falar ou agir. Uma mulher de poucos sorrisos e andar firme. Mas um hábito, ou melhor, uma paixão, que abrira para mim uma porta gigantesca. Quem não gostaria de participar de alguns shows com a sua banda favorita?

Abafei um sorriso estúpido. Eu sabia que se tratava de algo bem maior que isso.

Foi essa mesma paixão que fez com que eu acabasse envolvendo outras pessoas nos meus problemas, pode parecer egoísta, mas eu não me arrependo. Continuei batucando o vento e me obrigando a lembrar de tudo fielmente, pela primeira vez eu não estava evitando os lapsos em minha memória e sim os convocando.

Alguma coisa em mim estava mudando e eu quase podia sentir. Como algo que houvera sido sufocado por grandes camadas de culpa e daquela maldita sensação de nunca ter sido boa o suficiente, de nunca ter feito nada da maneira correta. Mas aquela era uma das manias de Clarisse que eu precisava extinguir.

Meu corpo inteiro vibrava, talvez pela excitação de sentir que de alguma forma eu iria descobrir boa parte das coisas que foram omitidas e, acima de tudo, por que iria descobrir sozinha. Eu não precisava acreditar no que Charlie me dissera, muito menos acreditar que era tudo mentira, como Jace dissera. Eu só tinha que começar do zero e ver com meus próprios olhos. Certas vezes, a verdade é algo que não pode ser contada.

Pelo canto do olho, vi o motorista do táxi me olhar com uma careta mal formada. Em outros momentos talvez eu tivesse sentido meu sangue subir ao rosto e queimar, mas não agora. Eu estava acordando.

Algum tempo se passou até que o carro parou em frente a uma rua estreita.

-O endereço é esse, não posso seguir de carro, a rua não é larga o suficiente. A casa deve ser por aí.

Fitei aquelas residências muito parecidas umas com as outras, não havia ninguém passando, com exceção de uma roda de crianças que, mais adiante, brincavam. Paguei a corrida e saí, franzi o cenho e apertei os olhos devido o sol. Tentei alongar meus braços e pernas discretamente antes de continuar andando, mas quase perdi o equilíbrio e decidi prosseguir mesmo sem sentir meus membros. A rua era regular, o que me ajudou muito a chegar até os pequenos que brincavam.

Uma das meninas começou a gritar e eu vi que um dos garotos mais velho puxava seu cabelo, me aproximei mais rápido.

-Ei, rapazinho! –disse apontando o dedo indicador em sua direção, depois disso um silêncio constrangedor tomou conta da pequena rua.

E esse é o momento que você percebe o quanto age como uma maluca quando tenta vestir roupas que não lhe caem bem e saltos que parecem tramar planos para desequilibrarem seu corpo e te jogarem no chão, mas mesmo assim há uma certa pitada de desequilíbrio mental ao repreender uma criança que você nunca viu na vida em um lugar que você nem sabia que existia.

Retomei a minha postura e pigarreei. Mostrei-lhe fotos dos tais Sr. e Sra. Bane e perguntei se lhes eram familiar, apesar de hesitarem, uma delas acabou respondendo.

Uma criança que eu ainda na havia notado, mas que de repente pareceu ser o centro de tudo que pairava sobre ela, seus cabelos loiros e ralos entravam em contraste com a pele levemente queimada pelo sol, os olhos escuros eram grandes e puxados delicadamente para o lado.

-Eu conheço – disse com um ar petulante e maduro – essa aí é minha mãe.

**

-Uma ligação para o senhor, parece ser urgente.

-Já estou de saída, preciso averiguar o... –nem ao menos pude terminar a frase antes que a secretária falasse novamente.

-Acho que isso pode esperar já que se trata de uma ligação de outro continente.

**

Afinal, sempre há um preço. Talvez agora, sentada naquele sofá e fitando aqueles olhos escuros que pareciam penetrar minha mente, eu acredite em carma.

Alguém, em algum momento, dissera uma vez que os erros cometidos “desta vida” não devem ser julgados neste mundo. Basicamente tudo que nos é contado desde o princípio é sustentado em uma mentira. Pós-vida, salvação e o preço dos pecados. Isso não existe, se você faz algo aqui, terá que pagar.

Naquele momento, minha única vontade era esbravejar e gritar até que minha voz falhasse. Queria implorar para ficar livre, para que me deixassem em paz. Uma amarga ironia já que quem estava procurando por respostas era eu.

Ótimo. Tudo fica cada vez melhor.

-Você conhecia minha mãe? –a voz fina da menina arrancou-me de meus conflitos internos, precisei de alguns segundos para assimilar e pergunta até que finalmente respondi, tropeçando nas palavras, que sim. –Eram amigas? –insistiu, parecendo esperar uma resposta mais sólida e construtiva.

-É... Sim, nós éramos muito próximas.

Esfreguei minhas mãos em minhas coxas e percebi que estavam molhadas de suor.

-Qual é seu nome?

-Oi?

-Você tem um nome, não tem?

-Ah sim. Rachel. Me chamo Rachel.

-Hum, é um nome legal, mas um pouco simples. Parece nome de cachorro.

Acabei dando uma risada um pouco mais alta, talvez devido meu desconcerto e nervosismo. Jace deveria ouvir isso, pensei.

-Eu também acho - disse por fim.

-Rachel, meu nome é Anita, é um nome muito comum e eu não gosto dele.

-Quem está aí Anita?

Uma terceira voz invadiu a sala, seguida por uma sombra e finalmente um corpo. Assim que nossos olhares se cruzaram, pude enxergar algumas emoções em seus olhos. Primeiramente, um olhar acolhedor, logo depois a mulher franziu o cenho como quem diz “ei, conheço você de algum lugar”, em seguida arregalou os olhos e quase pude ouvir um “VOCE?”.

-Tia, essa daí é a Rachel, ela ta procurando a mamãe.

-Sua mãe? Mesmo? Puxa! –respondeu zombeteira, mas a menina pareceu nem notar já que a mulher olhava diretamente em meus olhos.

Eu a conhecia e ela obviamente me conhecia também. Eu sei que em todo o mundo, existem milhares de mulheres magras e pálidas, com uns quarenta anos, de cabelos secos e os olhos verdes desbotados, mas só uma dessas mulheres me esperara em um posto, me conduzira para um galpão abandonado em uma parte esquecida de uma estrada e depois sumira em um piscar de olhos.

Nós duas continuamos com aquela conversa muda que, pelas minhas contas, não passava de um “vai embora” “não mesmo” “vou te matar” “quero ver você tentar”, até que a menina começou a falar novamente.

-Ela pode saber onde a mamãe ta agora. Pergunta dela.

-O que? – resmunguei em voz alta.

-A mamãe ta viajando, parece que foi resolver umas coisas do papai, ninguém sabe direito onde ela ta. E pelo visto você também não. Droga.

Tinha agora a expressão de uma criança que espera um brinquedo de presente de aniversário e ganha roupas.

Voltei meu olhar novamente para a mulher que eu nem ao menos sabia o nome.

-Anita, vai brincar lá fora, é rapidinho. Eu preciso conversar com a moça, tudo bem?

Anita obedeceu.

E assim que irrompeu pela porta comecei a falar.

-Você não contou pra ela?

-Não contei o que? Que você matou a mãe dela?

Tinha os braços cruzados e me fitava de um jeito que me causou arrepios.

Eu matei a mãe de alguém. Eu havia matado a mãe daquela criança que, provavelmente, todos os dias perguntava quando a mãe voltaria e sem resposta, continuava esperando.

Matei minha mãe, a mulher que fugira e me deixara sozinha, que não representava nada a ninguém. Era difícil aceitar que se tratava da mesma pessoa.

**

Mais tarde, naquela noite, peguei o telefone e disquei um número que estava anotado em uma agenda esquecida. Um número que eu não imaginava precisar. Demorei a ser atendida, mas quando finalmente aconteceu, uma voz abafada do outro lado da linha perguntara o porquê da ligação.

-Ela está viva.

-VIVA? –berrou. – Como assim viva? Isso é impossível!

-Eu também achava, mas conversei com ela essa tarde. Clarisse veio aqui em casa, não sei como, mas veio. Até conversou com a Anita.

- Mas que porra! Tudo bem, deixa que eu resolvo isso.

-O que pretende fazer?

-Não é da sua conta.

-Até mais Isabelle.

**

Tive que reduzir o passo algumas vezes antes que as pessoas começassem a achar que eu era uma fugitiva da polícia, mas contabilizando, talvez eu realmente fosse.

Enquanto entregava todos os documentos me imaginei enfiando um cabo de vassoura na bunda de Jace. Filho da puta mentiroso!

-Senhora?

Perdida em minhas fantasias, acabei deixando passar uma pergunta da atendente.

Pigarreei para tentar estabilizar minha voz.

-Ah, desculpe, o que era?

-A senhora ainda não me disse qual era o destino da viajem.

-O destino? Huntington Beach.

Um preço para apenas você

Único acordo que irá encontrar