The mine word: Mortarya.

Capítulo 5: A reunião.


Sijôme dormia pesadamente. As cobertas, feitas do mais puro veludo azulado que se poderia encontrar em todo reino, e o travesseiro, recheado com penas de lagarto-dragão, a faziam se sentir nas nuvens. Poderia permanecer ali para sempre, porém a felicidade durou pouco. A porta se escancarou, sendo seguida pelo som de pessoas e de cortinas arrastando. Uma luz cegante penetrou pelos olhos semi-abertos de Sijôme, que logo os cobriu com um dos braços.

—Vamos, Sijôme, precisa se arrumar. —Era Guho quem falava. —Não ouviu os sinos? Haverá uma reunião no salão principal e quero que compareça.

Sijôme saiu de seu estado de sono, tendo começado a ouvir os sinos a partir deste momento. Haviam três grandes sinos que ficavam em três torres em frente aos portões da muralha, sendo o menor e menos barulhento para assuntos de comércio, o segundo para assuntos de guerra e o terceiro e mais barulhento, que tocava neste momento, era o de assuntos de alto risco.

—Eu não preciso ir... Farei papel de boba se for até lá com você. —Disse Sijôme.

—Você é minha convidada. Meu pai pode não permitir que se sente na grande mesa, mas certamente lhe dará um espaço de certo respeito. Aqui, trouxe um novo vestido.

—Outro de sua irmã? —Perguntou ela, examinando o vestido. Era de um tecido de seda, fino e leve, com acabamentos metálicos e misturando branco com azul em uma mistura que lembrava o céu.

—Não, pedi que fizessem especialmente para você. Experimente.

—Saia do quarto primeiro.

—Certo, havia me esquecido. —Guho saiu do quarto, deixando Sijôme sozinha.

A garota suspirou, puxando as cobertas para o lado e se levantando. Retirou as alças da camisola que vestia e deixou-a cair sobre os pés. Segurou o vestido nas mãos, sentindo a maciez da seda. A memória da noite anterior ainda estava fresca em sua mente. Ainda poderia ver a empregada exótica a sua frente, inclinando o corpo nu contra o seu.

—Você terá o troco, Lili. —Disse Sijôme, passando o vestido pela cabeça e encaixando os braços nos devidos lugares. Calçou as sapatilhas que usara quase todo o tempo e disse à Guho que poderia retornar.

—Pela Lua, você está linda, Sijôme.

—Não seja idiota. —Ela virou o rosto. —Quando será?

—Agora. Se já estiver pronta nós poderemos ir.

—Então vamos.

Seguiram para o salão principal. Dezenas da guardas protegiam a porta, usando armaduras reluzentes de um azul escuro como um céu tempestuoso. Entraram e receberam olhares de todos os presentes. Haviam nobres, ricos comerciantes, familiares da família real e, obviamente, o rei, sua esposa e os dois irmãos de Guho.

—Parece que somos os últimos. —Sussurrou Guho enquanto se dirigiram aos seus lugares. —Fique ali, reservei para você. —Era um lugar próximo da grande mesa, mas longe o suficiente para não ferir a honra da realeza.

Sijôme podia ouvir os comentários a seu respeito. Se sentia deslocada e não gostava do clima do lugar.

O rei se levantou, sendo seguido pelo silêncio absoluto de todos. —Bom, agora que meu filho e sua convidada estão presentes. —Ele olhou rapidamente para Sijôme. —Podemos começar com a reunião. Lorde Azro, mostre-nos o relatório.

—Um homem se levantou do outro lado do salão. Era alto, com o cabelo curto e a barba por fazer, e trajava roupas brancas com detalhes azuis. —Vossa magestade, hoje, pela manhã, um grupo de supostos comerciantes envenenaram metade da guarda dos portões da muralha. Os indivíduos foram presos e estão agora nas masmorras molhadas.

Sijôme já ouvira histórias sobre as masmorras molhadas. Diziam que o palácio havia sido erguido sobre um oásis, e que as masmorras choravam com a umidade que escorria por suas paredes de pedra. —Como que simples comerciantes conseguiram envenenar metade da guarda? —Perguntou o rei, incrédulo.

Aparentemente eles traziam frutas de fora do deserto, vossa magestade, frutas essas, descritas pelos guardas que ainda não morreram, suculentas como um beijo de uma mulher.

Gargalhadas encheram o salão. —Esses guardas não sabem a diferença entre uma fruta e uma mulher. —Ouviu alguém dizer. —Devem estar trabalhando tanto que não podem nem conhecer o gosto. —Ouviu outro dizer.

—Silencio! Quero lembrar-lhes de que são estes guardas que protegem suas bundas gordas. —Disse o rei, tão duro quanto madeira petrificada. —Vamos voltar a questão. Quero saber o porquê de terem me feito começar esta reunião.

—Bom, vossa magestade, os homens disseram que não apenas o veneno matou metade da guarda, mas que foram atacados pelos mortos.

—Isso é um absurdo. —Disse Allu. —Perda de tempo. É possível que o veneno os tenha deixado loucos.

—Me desculpe, senhor, mas os relatórios dizem que os homens estavam mortos quando começaram a atacar os companheiros. Um homem teve sua face desfigurada e está esperando a morte na enfermaria da casa de espadas.

—E o que fizeram aos mortos? —Perguntou o rei. —Digo, estes que voltaram.

—Conseguiram trancá-los em uma das casas de espadas, mas pedem reforços para tomar uma atitude.

—Algo não me cheira bem nesta história, pai.

—Concordo. Enviem um grupo para verificar o ocorrido e tragam todos que testemunharam o ocorrido até mim. —Ordenou o rei. —A reunião ficará suspenda até que os guardas cheguem para testemunhar.

As pessoas saiam, resmungando e arfando sobre a situação. Guho foi até Sijôme. —Acabou mais rápido do que eu esperava.

—Não me pareceu nada rápido.

—Meu pai disse que reservou o ferro que você irá precisar hoje. Quer ir até o ferreiro comigo?

—Me parece melhor do que ficar aqui.

Guho estendeu a mão para Sijôme, a ajudando a se levantar. O ferreiro era um lugar escuro, quente, com cheiro de madeira queimada e suor por toda parte. O homem, alto, sem cabelos e trajando apenas uma calça de couro tinjido em azul escuro, com o peito nu e musculoso, carregou as caixas de madeira contendo o ferro até o pátio do palácio. Para Sijôme o homem não parecia ter feito esforço.

Abriram uma das caixas, eram três no total, e tiraram cinco barras de dentro. —Comece com um pequeno. —Sugeriu Guho.

Sijôme se concentrou, tentando lembrar a ordem do craft. Empilhou as barras e colocou as mãos juntas. —Ahu vivi chron hint kars noir! —Suas mãos brilharam e, junto delas, as barras de ferro também. Tomaram um tom amarelado, seguido para um avermelhado e tomando forma, tudo em questão de poucos segundos. Quando acabou, uma figura se revelava. Era pequeno como uma boneca de pano, mas muito bem feito.

—Tente fazer com que ande.

—Calma, é difícil fazer essas coisas. —Sijôme se concentro e, sem dizer nenhuma palavra audível para Guho, começou a controlar o Golem. Seus olhos estavam brilhando em cinza claro e sua expressão era de desconforto. O Golem mexeu a cabeça e olhou para Guho, mexendo o braço direito sem articulação do cotovelo. Deu uns passos, mas era difícil sem joelhos. O Golem tombou, fazendo Sijôme voltar ao normal. —Que susto! Não consegui ficar em pé.

—Você o fez sem as articulações dos membros, é claro que cairia. Tente molda-lo novamente.

Passaram duas horas trabalhando nos Golens. Consertando defeitos, aumentando o tamanho e treinando o controle de Sijôme sobre eles. No final, parecia que haviam aperfeiçoado o método de criar os Golens, apenas tendo que corrigir pequenos detalhes.

—Certo, vamos tentar agora criar um com todo o ferro que tem... —Sijôme foi interrompida pelo bater dos sino. A reunião estava para recomeçar.

—Continuamos depois. Transforme os Golens em barras e vamos voltar ao salão principal. —E assim fizeram, voltando ao salão e aos seus respectivos lugares. Desta vez não foram os últimos a chegarem.

Homens com armaduras, suados e pálidos como areia, entravam no salão e se ajoelhavam em frente à grande mesa. Alguns traziam espadas, algumas sujas de sangue, e a ofereciam ao rei, um sinal de respeito.

O rei se levantou, novamente trazendo o silêncio. —Sei que a situação de vocês é tensa e que perderam muitos companheiros hoje, mas peço para que nos contem o que aconteceu naquela casa de espadas.

Os homens se entre olharam e um deles se levantou. Era alto, todos eram altos para Sijôme, vestia uma armadura cinza, o que quebrava o costume do azul, manchada com sangue e com marcas de arranhados por todo o peito. —Meu rei, fui eu quem trancou as criaturas na casa de espadas. Tive a ajuda de outros três homens: um foi apanhado por eles, o outro, mordido em seu pescoço e o terceiro morreu em decorrência do veneno. —O homem ergueu a manga e revelou uma enorme ferida. —Um deles me mordeu, por sorte foi no braço. Muitos dos nossos não tiveram essa sorte. Peço que ateiem fogo à casa de espadas, queimem todos os corpos e os enterrem fora das muralhas.

—Por que não recebeu um curativo, comandante? —O homem jamais dissera que era o comandante, mas Allu sabia.

—Estamos com falta de remédios e bandagens na outra casa de espadas. Não posso desperdiçar comigo sendo que nem é uma feria tão séria.

—Compreendo. Enviaremos medicamentos e médicos para que cuidem dos feridos. —Disse o rei. —O que os outros tem a dizer?

Novamente houve silêncio. —Foi a fruta... —Sussurrou um rapaz. O silêncio parecia aumentar o seu tom. —A fruta matou o Jimi. Você sabe disso, comandante. Estávamos comendo, eu recusei, mas eles comeram, o Jimi também, sim, ele comeu sim. Começou a tossir e a vomitar um líquido preto. Ele tinha olhos brancos, aqueles olhos de leite. Ele mordeu o Forr, sim, ele mordeu e arrancou sua orelha, depois as bochechas e os olhos. Era tanto sangue... —Ele olha para suas mãos, tremendo. —Vocês não sabem, mas já estão mortos. Eles não morrem, mesmo que cortem suas cabeças. —Ele se levantou, tirando um punhal do cinto. —Não irão me matar, eu não. Vocês sim. Não podem impedir eles, ninguém pode, ninguém pode... NINGUÉM PODE!!! —O rapaz se matou, cortando a própria garganta. O sangue jorrando era hipnotizante para Sijôme. Todos estavam horrorizados.

—A situação é pior do que pensei. —Disse Allu. —Onde está o grupo que enviamos para a casa de espadas?

—Devem chegar a qualquer momento, senhor. —Respondeu Lorde Azro.

Realmente não demoraram muito. Entraram a passos rápidos e com ódio no rosto. Não ofereceram espada ou se ajoelhavam, foram direto ao rei.

—Meu rei, peço permissão para incendiar aquele lugar. Não há como entrar lá sem ser morto. Perdemos o Danm e Khatt foi mordido na perna. Se deixarmos que escapem, eles tomarão todo reino em questão de horas.

O rei estava pensativo. O cadáver do rapaz estava sendo levado, mas poucos se importavam com aquilo. Era possível escutar todo tipo de comentário dentro do salão.

—Se o que dizem é verdade, então incendiaremos o lugar. Filho, você virá comigo para que vejamos a verdade antes que vira cinzas. Prepare alguns homens para lhe proteger e me encontre no portão do palácio em duas horas. —Ordenou o rei. —Lorde Azro, prepare uma evacuação e um plano de isolamento para o local. Não queremos que o fogo se espalhe.

—Sim, pai.

—Sim, vossa magestade.

—O resto de vocês está dispensado. Tomem suas medidas para evitar que esta praga se espalhe.

Finalmente havia terminado. Sijôme se sentia aliviada. Guho veio e a levou até onde o pai estava.

—Sinto que tenha visto aquilo, Sijôme. Nem todo homem lida bem com a morte.

—Não me assustei, senhor, estou acostumada com sangue. —Não era bem verdade, mas também não era uma mentira.

—Bom, como vai o projeto? Soube que já buscou os ferros no ferreiro.

—Sim, estava esperando para lhe mostrar o Golem. —Sijôme estava animada.

—Peço desculpas, mas deixaremos isso para amanhã. Um rei precisa cuidar de seu povo primeiro. Por que não pratica mais? Tenho certeza de que irá me impressionar. —Ele bagunçou os cabelos de Sijôme em uma tentativa de afago. —Cuide bem dela, Guho.

—Cuidarei, pai.

O rei saia pelas portas duplas do salão. Um arrepio subiu a espinha de Sijôme. Ela quis correr até o rei e pedir para que não fosse, mas não podia se mover. Aquilo haveria de ser um terrível erro.