Sai de casa com uma determinação falsa. Eu estava literalmente sozinha a partir de agora. Assoviei e em segundos a moto apareceu. Vovó deu umas risadinhas e me abraçou. Ela podia até não ser minha avó de verdade, se é que eu tenho alguma avó, mas a amava como se fosse. Me despedi dela e montei na moto. "Avenida Sereno Cuttes", falei para a moto. Ela arrancou e começamos a nossa jornada.

Em quase uma hora e meia, nós percorremos uma distância que no máximo levaria quase duas horas de carro. Aquela moto era sobrenatural. Antes de sair da casa da vovó, ela me dera instruções dos lugares que eu deveria ir primeiro, dos objetos que deveria obter, das palavras que iria dizer. Como todo mundo sabe, para chegar nas Três Marias eu basicamente precisaria de um par de asas. Mas como não tenho, preciso de três itens. Primeiro uma pérola. Segundo as escrituras. Terceiro a chave. Vovó dissera que o mapa iria mostrar para onde eu deveria ir, as escrituras o que fazer, e a chave...bom a chave eu vou adivinhar na hora o que fazer com ela. Ela também me dera dinheiro. Não, não era só dinheiro. Era uma bolada de dinheiro. Tinha notas douradas e rosas. "Você vai precisar", disse. Eu iria recusar, dizer que me viraria sozinha, mas ela falou que não faria falta. Fechei minha boca e empurrei a bolada dentro da bolsa.

Fiquei impressionada com aquela moto. Ela transformava horas em minutos. Em uma moto normal eu levaria quase duas horas para chegar no centro da cidade. Mas com ela cheguei em menos de uma hora. Cogitei parar em algum banheiro e por uma roupa mas descente, e foi exatamente o que fiz. Entrei no primeiro banheiro de posto que vi. Fiz o mesmo processo com o dado e tirei as roupas que Julieta sugeriu como roupa de caçadora. Vesti-as e coloquei as minhas dentro do dado. Com tudo pronto, sai do banheiro e fui embora. Enquanto a moto me guiava, peguei o celular de dentro da bolsa e comecei a mexer nele. Se não fosse os aplicativos sobrenaturais, ele seria bem parecido com um iPhone de busca. Vi o tempo ameaçar uma chuva grandiosa. Aonde eu iria ficar? Já estava na cidade, mas não tinha um lugar. Parei a moto e resolvi falar com ela.
–Olha só, precisamos de um lugar para dormir. Bozine uma vez para sim, e duas para não ok?-Ela buzinou uma vez.-Ótimo. Você conhece algum lugar que podemos ficar?-Ela buzinou uma vez.-É longe?-Buzinou duas vezes. Sai de cima da moto, verifiquei que não tinha ninguém por perto e perguntei.-O que você sabe fazer?
A moto ligou sozinha, empinou-se e começou a se destroçar. Logo ela virou um pequeno cubo que caberia dentro da minha bolsa. Bati palmas e pedi para que voltasse ao normal de novo. Pedi também para que me levasse até o tal lugar que ela falou. Ela buzinou e correu por vinte minutos. Parou e empinou em direção à um prédio logo na frente. Olhei bem para o letreiro. "Pensão da Carmen", o letreiro dizia. Falei para a moto se transformar em um cubo, depois a guardei na minha bolsa. Caminhei até a porta cor de rosa e bati nela. Em menos de um segundo, uma loira alta vestida com um macacão de estampa de onça, muito bem maquiada e descalça apareceu. Olhei para seus olhos. Eles era cinzentos. Ela sorriu e me puxou para dentro. Lá dentro, era apavorante. Imaginei o motel dos sonhos das garotas da minha escola. O chão era coberto por um tapete rosa claro e felpudo. As paredes alaranjadas, cheias de quadros e lantejoulas. O teto não ficava longe. Também era alaranjado, com quadros e lantejoulas. Logo à minha frente vi um balcão, reparei também uns sofás vermelho-sangue espalhados, e um corredor. Ela me chamou e eu fui até ela.
–Nem precisa dizer o seu nome, não precisa me pagar, nem fazer cadastro. Pode pegar o quarto setenta e um.-Ela me entregou um molho de chaves.-Pode ficar o tempo que quiser e voltar quando quiser. Será sempre de graça.
–Desculpe mas por que?
Ela sorriu. Sério eu estava ficando com medo daquela mulher. Esse sorriso estranhamente animado, e deixando eu ficar lá de graça e quanto tempo quisesse.
–Eu sou amiga da sua avó.-Agora tá tudo explicado.-Amigas minhas eu sempre deixo de graça. Mas você querida, eu realmente sabia que viria um dia desses. Fique com o quarto, você vai passar uma noite apenas?
–Sim e obrigada senhorita Carmen.
–Carmen não é meu verdadeiro nome. Me chame de Judith.
–Ok senhorita...
–Não,-ela me interrompeu.-somente Judith, nada de senhorita, ou senhora. Me chame de Judith.
–Ok Judith. Boa noite e obrigada mais uma vez.
–De nada querida. Boa noite.
–Boa noite.
Fui para o meu quarto. Engraçado os números não estavam na ordem. Tudo estava embaralhado. Prestei bastante atenção e finalmente achei o meu quarto. Entrei nele. Bem, aos meus olhos estava normal. Depois de trancar a porta me joguei na cama. Eu só iria tirar o sutiã. E foi isso mesmo que fiz. Liguei o despertador no iPhone, dei boa noite para a moto e cai em um sono profundo.