The history of us

Eu, eu mesma, e o tempo


Abracei minha prima com vontade. Nossa como eu sentia sua falta. Observei enquanto suas asas voltavam para dentro de suas costas. Ela me soltou e sorriu. Pôs as mãos na cintura e me olhou.

–Você adora aprontar não é?

–Como?

–Foi nos subterrâneos sobrenaturais, foi no Céu, matou demônios e fora outras coisas. Vamos logo andar com esse feitiço, eu necessito ver suas asas.- Ela sorriu e pegou minha mão.- Vamos gente.

Luz fez menção de falar algo, mas logo se calou. Entramos na casa e fomos conduzidos para os fundos. Luz abriu a porta da cozinha, e entramos num quintal literalmente verde. Respirei com dificuldade, a energia parecia vir dali, e se não fizéssemos logo isso eu poderia desmaiar por falta de ar. Reparei que no meio do quintal verde algo se destacava. Como o chão não era cimentado, a parte que era logo chamava atenção. Caminhamos até ali, porém só Maria, Luz e eu permanecemos ali. Os outros ficaram em volta, cercando. Olhei para o chão cimentado e não acreditei no que comecei a ver. Símbolos começaram a ser desenhados a nossa volta, em cor preta. Olhei para Maria e Luz. Suas mãos estavam erguidas para o Céu e elas iluminavam em um brilho dourado a sua volta. Olhei para os símbolos abaixo de mim, agora completos. De cara pareciam tatuagens tribais, mas se olhasse bem, parecia palavras de uma língua antiga. Olhei para Luz e Maria de novo, mas elas já não estavam ali. Maria abriu a boca e começo citar algo num livro que estava na mão de Luz. Olhei o pessoal. Todos estavam com os olhos fechados e as asas estendidas atrás de si. Senti algo fluir do meu peito e depois tudo se apagar.

Olhei para as minhas mãos, quase certa de que tinha algo errado. Eu não parecia eu. Quer dizer, eu estava com a aparência de um fantasma. Olhei ao redor. Estava tudo tão quieto. Eu ainda estava lá, no quintal de Luz, mas ao mesmo tempo não. Vi meu corpo à minha frente, flutuando na horizontal, e todos à minha volta olhando para algo acima de mim. Era como um telão. Um telão mostrando uma imagem antiga do meu pai. De repente o telão girou e eu fui sugada para dentro dele.

Em dois segundos eu estava em casa. Bem na porta de entrada. Atravessei a porta e me deparei comigo mesma mais nova. Estava de costas, o cabelo meio ondulado acima da cintura, numa mistura estranha de marrom e ruivo. Estava com um vestido florido esperando pacientemente por papai. Então olhei para o lado e vi algo flutuar em sua direção. Olhei bem para o objeto flutuando para ela. Era um cordão, o pingente era um par de asas. Por que eu não me lembrava daquilo? Papai surgiu de repente e olhou para o meu eu com os olhos arregalados.

E o seguinte foram as lembranças arrancadas de mim e escondidas nas profundezas da minha mente. Vi Julieta me ensinando a levitar as coisas, vi Maria me ensinar feitiços, vi papai se transformando em animais. Mas a lembrança que mais me perturbou não muito recente. Foi aquela que eu fiquei presa na escola e tive que pular do primeiro andar. Ou eu achei que tinha pulado. Para mim foi um pulo, mas vendo o que realmente fiz foi assustador. Eu levitei até o chão, e Pedro estava lá vendo. Ele estava próximo do local onde cai, ou pousei, e falava ao telefone. Não consegui ouvir o que ele falou. O resto foram coisas que, por eu estar fazendo, não notei em volta. Como quando eu fui para o Céu. Enquanto subia, asas fantasmagóricas faziam-se presentes atrás de mim. Quando lutei com os demônios na floresta, uma luz dourada se formou ao meu redor.

Pisquei absorvendo tudo aquilo de uma vez, ficando impressionada como me senti depois. Como se um peso fosse tirado das minhas costas. Como se eu tivesse sido libertada. Então estava de volta da onde parei. Minha imagem ali flutuando pareceu tão estranha quanto familiar. Eu me vi comparando minhas características físicas com as de Luz, e logo parei quando vi minha aura se formar enquanto eu era puxada para o mundo da onde sai. Ela era diferente. Era branca.

Abri os olhos lentamente. Senti algo como um vazio sendo preenchido. Minhas costas ardiam mas eu não conseguia sentir a dor realmente. Olhei para cada um em volta de mim, me encarando como se eu fosse um experimento em observação. Porém, só um par de olhos me interessava. Os da Luz.

Tudo bem? Está sentindo alguma coisa?

Que merda foi essa? Eu realmente ouvi sua voz na minha cabeça? Olhei para ela com os olhos arregalados e assenti freneticamente. Ela se aproximou de mim e me abraçou, passando as mãos nas minhas costas de leve como se soubesse que a dor vinha dali.

–É melhor entrarmos. Você precisa de reforços espirituais para concluir a quebra do feitiço.

Todos me cercaram assim que entramos na cozinha, fazendo perguntas e me olhando com expectativa. Eu só conseguia murmurar um "sim", "não", "talvez", "mais ou menos". Luz veio até mim com um copo fumegante na mão. Peguei o copo e olhei para o conteúdo. Era um líquido marrom e tinha cheiro de romã. Ela me olhou e me incentivou com o olhar. Fechei os olhos e bebi o líquido. Pensei que iria queimar a língua, mas aquela fumaça era uma ilustração. O líquido estava morno, e tinha gosto de papelão. Fiz uma careta ao engolir tudo. Todo mundo riu, e eu também, me perguntando se alguém ali já fez isso.

–Bem,-Papai começou.- Está na hora dela descansar. Amanhã será um dia bem agitado.

Chamei Pedro com os olhos e o abracei quando se aproximou. Inspirei seu habitual cheiro de baseado e sabonete comum. Ele me acompanhou até o quarto que Luz sugeriu que eu dormisse, e eu o fiz deitar na cama comigo e me ninar até eu dormir. Adormeci com o rosto no peito de Pedro e seus braços a minha volta. Mas jurava ter ouvido ele falar algo antes de pegar no sono.

Durma boneca...durma...