Está escuro. Abro e fecho os olhos, mas não consigo enxergar nada. Ouço portas abrindo e fechando. Ouço passos ecoando pelo o que parece ser um corredor. Meu corpo é movido por braços e mãos fortes. E mesmo assim, eu ainda não consigo enxergar.

–Como ela está?

–Estável e totalmente dopada. Ela olha mas realmente não vê.

–Isso não pode durar muito, ela precisa estar viva...

–E ela está.

Não consigo decifrar os sons que escuto, nem diferenciá-los. Pessoas vem, mechem nos meus braços e depois se vão. E ainda está escuro.

–Miguel acho que eles virão procurá-la...

–O que? Por que?

–Eu não sei.

–Temos que subir.

Um cheiro diferente invade minhas narinas e eu me sinto toda bem. Os braços e mãos me carregam para algum lugar. Mas agora não está tão escuro. Minha consciência me diz para permanecer de olhos fechados, e eu permaneço.

Deixe ela aqui, Ithuriel, ela acordará daqui a uns dias.

–Isso tudo, Miguel?

–Sim. Mandei tirar um pouco de seu sangue espiritual e o armazená-lo na sala E, para ela estar bem fraca quando acordar e não fazer nada imprudente.

O barulho cessou faz tempo. Hora de acordar.

Abro os olhos lentamente, espiando. Quando vejo que não há ninguém me observando, abro-os de imediato. Estou num tipo de quarto de hospital, apenas com coisas mínimas diferentes. Como a cama, o teto e a porta. Todos tem uma visão fantasmagórica ou eu estou meio louca mesmo. Olho para o que estou vestindo e arregalando os olhos vejo que nada me cobre. Nem mesmo na cama tem algo que possa me cobrir. Aqueles tarados me despiram e me deixaram aqui para qualquer um me ver assim. Engulo o grito de raiva que ameaçou sair e me ponho para fora da cama. Me sinto estranhamente bem, como se tivesse ganhado uma carga de energia. Ouvi um barulho ao longe e a maçaneta da porta girou. Não tive tempo de pensar. Voltei a posição que estava e fechei os olhos. Voltei muito rapidamente. Mãos geladas tocaram meu braço e pressionaram a pele acima das minhas veias.

–O pulso está muito forte. Vou ter de chamar o superior.

Quando suas mãos deixaram meu braço, esperei três segundos e abri os olhos. Pulei em cima da figura alta de branco, derrubando-o no chão. Procurei sua boca e a tapei com a mão. Envolvi parte da sua cabeça com o braço e quase quebrei seu pescoço girando-o pro lado. Desde quando eu sabia fazer isso?

–Vou tirar minha mão da sua boca. Um grito ou um movimento brusco, por menor que seja, eu quebro o seu pescoço. Ok?

Ele emitiu um som afirmativo e devagar eu tirei minha mão da sua boca e a posicionei no outro lado da cabeça segurando firme. Seus cabelos eram brancos e a pele macia e fria. E provavelmente ele era bem alto, pois meu pé não chegava no final das suas costas.

–Onde estou?

–Está no Escala. Lugar onde ficam a maioria dos anjos que ajudam as almas que vão para o Céu.

–Então não estamos no Céu. Não é?

–Sim, senhorita.

–Este lugar é ligado a Terra? Quer dizer, ele fica na Terra?

–Não, senhorita. É como uma substância no ar. Não estamos muito acima das nuvens, mas é perto e seguro.

–Nada a não ser vocês podem entrar então?

–Exato, senhorita.

–Por que eu estou aqui?

–Por que você é...

Ele não terminou. Ouvimos vozes ao longe, ou pelo menos eu ouvi. E passos se aproximando. Tive pouco tempo para identificar as palavras, que ao mesmo tempo que era em outra língua, era também na minha. Sussurrei um palavrão e levantei. Ele levantou e se virou para mim. Nem corei, já não sentia vergonha por estar nua na frente dele. Eu devia ter sido vista sem roupa por todo esse...lugar. Mas de certo modo me senti incomodada por estar assim.

–Me dê algo para vestir.

Ele me olhou confuso. Fiz um esforço para não gritar com ele. Então respirei fundo e olhei nos seus olhos. E tomei um susto no processo. Seus olhos eram de uma cor só. Azuis. Ele parecia um et. Alto, magro, cabelos e pele brancos, e aqueles olhos...

–Seu jaleco, idiota!

–Meu...

Revirei os olhos e me aproximei dele. Não havia qualquer maldade ou maliciosidade em seus olhar. Pelo contrário! Seu olhar mostrava um pensamento que eu tive no meu primeiro passeio de escola. Que diabos é isso? Toquei seu jaleco e ergui as sobrancelhas. Ele assentiu, mas ainda tinha dúvida preenchendo seus olhos. Ele retirou o jaleco e o colocou em meus ombros. Tive certa dificuldade na hora de abotoá-lo pois as mangas do jaleco eram enormes e os botões muito próximos um dos outros. Dedos longos e brancos afastaram os meus delicadamente.

–Permita-me.

Seus dedos habilidosos abotoaram todo o jaleco em segundos e eu acenei em agradecimento. Se ele me ajudasse a sair, iria fazer questão de garantir que continuasse vivo.

–Quem está vindo, é o seu...

–Ninguém vai entrar aqui, senhorita. Somente eu e o superior podemos entrar aqui. No momento, ele está no Céu, então somos somente eu e você.

–Qual é o seu nome?

–Ithuriel, senhorita.

Eu já estava ficando irritada com esse negócio de me chamar de senhorita.

–Pare de me chamar assim, ok?

–Tudo bem, perdoe-me. Do que a... do que gostaria de ser chamada?

Cogitei dizer que me chamava Laura, pois era meu nome real. Mas como Luz deve ter falado meu nome, ou até mesmo alguém ouviu Julieta me chamar de Laura e espalhou, disse meu nome que está na certidão.

–Alice. Me chame de Alice.

–Entendido, Alice.

Pensei em como fazê-lo me ajudar, já que ele não fez nada para me deter ou me apagar. Tentei lembrar das aulas de religião...Anjos levam muito a sério promessas. Mesmo que não aja algo que os prenda. Uma vez prometido, a promessa dura para sempre, como uma promessa de sangue.

–Ithuriel, promete uma coisa?

–O que exatamente, Alice?

–Err...-pensei numa palavra. Matar! Os anjos querem me matar! Nossa, que irônico.- Promete me ajudar?

–Ajudar com o que?

–Me ajudar quando eu precisar...de ajuda.-Soei suplicante. Ele me ajudaria a sair dali. Era uma ajuda.

–Tudo bem. Eu prometo.

–Ótimo! Me ajude a...-devagar, pensei peça ajudas pequenas por hora.-encontrar alguma roupa que caiba em mim.

–Será uma tarefa árdua, pois Essências são altas, não tanto como Estruturas...

–Para tudo! O que são Essências e Estruturas?

–Eu sou uma Estrutura, e você é Essência.

Ótimo, ''homens" são Estruturas e "mulheres" são Essências! Muito legal essa...coisa de referência dos sexos! Que ótimo.