The history of us

Eles estão vindo.


Vovó passou pela porta e arregalou os olhos ao me ver. Corri até ela com lágrimas nos olhos e a abracei. Vovó cheirava a erva-doce e alecrim. Um cheiro estranhamente comum para mim. Apesar de eu não lembrar quem realmente cheira assim. Vovó afagou meu cabelo e sussurrou algo em outra língua.

–Bem, o que posso fazer por vocês?

–Marian.- Luz apareceu de repente.- É comigo que você tem que falar. Venha.

Vovó me lançou um olhar questionador e acompanhou Luz. Julieta me pegou pelo braço e me levou para o quintal. Nos sentamos no chão e eu olhei para ela.

–O que você acha que a vovó vai fazer?

–Não faço ideia. Mas enfim...

–Eu realmente estou com fome.

–Eu também!- Ela exclamou.- Na verdade faminta. Espere aqui, vou buscar algo na cozinha.

–Ok.

Assim que Julieta saiu, segundos depois Pedro sentou ao meu lado. Passou os braços a minha volta e me puxou para perto. Plantou um beijo suave no topo da minha cabeça.

–O negócio ta pegando fogo lá dentro.

–Por que?

–Marian acha que os anjos vingadores estão vindo pra cá.

Olhei para ele com os olhos arregalados.

–O que?

–Nos viram ontem então acho que estão mandando alguns anjos vingadores pra cá.

–Pensei que anjos não pudessem entrar aqui.

–Também pensei.

Pedro parecia meramente perdido em seus pensamentos. E eu estava preocupada com isso de "anjos vingadores querendo meu pescoço". Imagine só. Agora terei de ser melhor do que um dia considerei que podia ser. Fechei os olhos e me imaginei lá, lutando ao lado de todos que amo bravamente e corajosamente. Vencendo todos e ficando cada vez melhor...

–Meu Deus cara. É só eu virar as costas e você aparece.

–Olha só, ela é minha namorada ok? Só vou sair de perto dela se ela quiser.

–Blá blá blá. Suas palavras para mim nada significam.

Julieta sentou-se de frente para mim cheia de embalagens na mão. Inclusive duas garrafas de um litro de coca-cola. Ela havia pego biscoitos, duas lasanhas - e as tinha esquentado -, pães com queijo e um bolo pequeno.

–São que horas mesmo?-Perguntei brincando.

Enquanto comíamos, conversamos sobre o treinamento, sobre o que faltava praticar. Para o meu horror, parte do treinamento seria usando meus sentidos e Pedro e Julieta o fariam juntos. Eu não consigo imaginá-los me treinando. Sorrio sem querer e ambos me olham intrigados.

–O que foi?-Julieta sorri ao perguntar.

–Não é nada.

É realmente muito estranho o jeito que minha vida mudou. Num momento eu estava bem, com uma vida normal e tranquila. No outro estava em um mundo totalmente diferente do que eu já vi um dia, com uma irmã nephilim e pais que não são exatamente humanos. As vezes considero isso parte da piada. Eu, que sempre achei que o mal cabia à Deus ver e vencer, não mais considerava essa possibilidade. Eu, que sempre achei que era normal, agora descobri que sou metade anjo e metade demônio. A vida é uma montanha russa mesmo. Eu já nem sei quem eu realmente sou ou quem devo ser. Mas acho que pelo menos eu mesma eu devo ser. Tenho como exemplo minha família. Papai, Pedro, Julieta, Maria, vovó e talvez mamãe. Todos eles são eles mesmos.

Naquele dia eu fiquei pensativa. Satisfeita com toda aquela comida e é claro, meus amassos com Pedro, mas quando a noite chegou e eu fiquei sozinha na minha cama, os pensamentos vieram todos a tona. E eu pensei em pelo menos no que tinha feito até agora. Derrubei lágrimas no travesseiro, ri até minha barriga doer, olhei pro nada, senti meu rosto se aquecer e se esfriar, senti a adrenalina das batalhas. E finalmente senti o amor e a gratidão por todos que estiveram comigo até agora e que com certeza estarão comigo até o fim. Acho que nem dormi, pra ser sincera. E nem com sono estava. Estava elétrica.

Assim que levantei e tomei um banho, fui para a cozinha tomar café. Foi então que eu ouvi.

–Marian, não é possível que não há nada que você possa fazer.-Essa era Luz.

–Não adianta por feitiços de esconderijo nela, isso só vai enfraquecê-la e prejudicar mais ainda seu estado.-Essa era vovó.

–O que quer dizer?-Esse era Pedro.– Ela está morrendo?

–Não, garoto. Ela está descobrindo tudo agora, descobrindo sua natureza. Vai levar um tempo para ela acostumar-se com a sensação de sentir todo o corpo. Vocês não se recuperam de uma hora para outra e o que dirá ela?

–Marian, não.-Ah, sim minha irmã.- Isso eu discordo. Acredite, já passei por isso e não tive problemas.

–Você é nephilim, criança. Qualquer estado físico é adaptado mais rápido por vocês.

–Obrigada.

–Mas isso não é o foco agora.-Luz disse séria.- Marian tem quase certeza de anjos vingadores estão a caminho. Não podemos mandar Laura para lutar no estado dela. Nem no ar ela sabe lutar direito.- Ei, isso doeu tá?

–Eu não concordo em mandá-la para lutar por causa de sua inexperiência, mas por causa deles, dos anjos.-Julieta disse.- Na verdade eu acredito muito nela. Acredito que ela seja capaz de qualquer coisa que quiser. Ela já se mostrou bastante capaz, mesmo com seus poderes bloqueados, imagine só com eles liberados? Eu tenho fé na minha irmã, e acho que vocês também deveriam ter.

Sequei as lágrimas que rolaram involuntariamente pelo meu rosto e fiz silêncio.

–Todos aqui concordam com ela certo?-Pedro disse.- Ela se arriscou por nós uma vez e não exitaria em fazê-lo de novo. Nós faremos isso por ela não é?

Ouvi todos falarem ao mesmo tempo. Mas eu já não estava mais lá. Já tinha me virado, mas a voz de vovó me fez voltar para ouvir.

–Creio que eles não viram para lutar.-Tudo cessou no mesmo instante.- Eles querem fazer algo muito pior.

–O que Marian?-Luz perguntou.-Marian, o que você está vendo?

–Querem...querem levá-la. Querem levá-la para o Céu, e resolver tudo lá.

–O que?-Pedro exclamou.- Não permitirei...

–Eles a levarão...por bem...ou por mal.