“Já deveria estar acostumada com isso”. Ela pensa enquanto anda descalça até a piscina na parte de trás da escola. Podia jurar ouvir algumas risadas no fundo do corredor, mas realmente não se importava. Não é como se aquelas meninas odiassem ela e ela não as odiava. Elas eram apenas superficiais demais e se incomodavam com coisas estúpidas como “Ela é mais bonita que eu”, “Ela tem mais dinheiro do que eu” e era por isso que nunca iriam em frente. Ou pelo menos era isso o que Yukino pensava.

Assim que chegou na piscina, depois de passar por algumas pessoas cochichando, pode ver seus sapatos boiando na piscina, assim como ela esperava. “Parece que vou ter que voltar com os sapatos de ginástica outra vez”, ela pensava andando até o armário de limpeza, onde pegou a rede de limpar a piscina e voltou para onde seus sapatos estavam, puxando os mesmos com a rede, ajoelhada na beira da piscina.

Embora fosse uma cena praticamente semanal, as pessoas continuavam encarando e cochichando as mesmas coisas de sempre. “Pobrezinha”, “Será que devemos ajudar? ”, “Sinto dó dela as vezes” ou “Bem que ela merece”, “Sinceramente, essa riquinha querendo chamar atenção me irrita”, “Ela nem precisa deles, pode comprar outros”. Sentindo pena ou não, ninguém realmente ajudava. Mas ela ignorou e se retirou assim que pegou seus sapatos. Quando alcançou o seu armário e percebeu que as risadas e os cochichos escondidos por trás das paredes e armários tinham sumido, pode respirar fundo, como se o peso em seus pulmões tivesse desaparecido.

Aquele tipo de coisa não a deixava triste. A falta de ar que sentia era por não poder gritar nem ser sincera com os seus sentimentos. Pelo menos não em público. A notícia de que a suposta “princesinha” da família Ayuzawa perdeu a linha e enlouqueceu do meio do nada espalharia rápido e seu pai definitivamente não perdoaria. “Princesinha. Enlouqueceu. Do meio do nada. Não perdoaria” essas palavras não paravam de ecoar em sua cabeça. “Não sou uma princesa. Não estou enlouquecendo. Foram vocês que jogaram meus sapatos na piscina...e eu sei que ele não me perdoaria. O nome da família é mais importante para ele”

Era por esses motivos que ela não aguentava mais a situação em que estava. Lidar com essas coisas...ela não queria mais isso. Mas não é como se ela pudesse fazer alguma coisa. Yukino voltou a sua atenção ao armário e retirou uma sacolinha plástica onde colocou os seus sapatos. Vestiu os sapatos de ginástica. Apesar de tudo, ela estava aliviada por não ter nenhuma atividade no clube de arco e flecha, seria insuportável. Yukino pegou sua mochila e fechou o seu armário, indo em direção até os portões da escola.

Sair da escola era reconfortante para ela. Ultimamente voltar para casa também era tranquilo. Raramente via seu pai e desde que a madrasta havia falecido, não estava mais sendo um estorvo. Não que ela tivesse desejado a morte da madrasta, não é como se ela pudesse causar uma embolia pulmonar com a força da mente, a culpa foi dela por fumar tanto.

Bom, sobre a família de Yukino, é uma família rica japonesa. Seu avô e seu pai são do ministério da saúde e bem-estar. Nesse tipo de área as aparências são importantes se quiser manter o emprego, e o pai dela quer isso mais do que tudo, especialmente depois que sua mãe faleceu. Sobre a madrasta, Yukino nunca entendeu muito do que se tratava já que claramente seu pai não gostava dela e ela não fazia nada além de gastar o dinheiro com coisas estúpidas então deduziu que seria pelo nome da família da mulher ou por algum interesse financeiro. Mas não cabia a ela perguntar ou se informar, apenas se conformar.

Depois de uma longa caminhada, Yukino chegou em sua casa. A casa dela era maior do que a maioria, ela tinha consciência disso, mas não se gabava e nem se importava muito, até porque, algumas coisas que não são tão comuns se tornam normais para crianças que são criadas nesse tipo de família. Sua casa não era de estilo japonês tradicional, por isso não precisava tirar os sapatos ao entrar. Assim que passou pela entrada, uma das criadas se aproximou dela.

-Senhorita Yukino, espero que tenha tido um bom dia de aula –Ela dizia com um rosto sorridente -

-Com certeza um dia maravilhoso – Yukino respondeu ironicamente, mas a criada apenas ignorou, não tinha como saber que era mentira e quando as pessoas perguntam esse tipo de coisa não querem uma resposta sincera, querem uma rápida. Ela já tinha aprendido isso depois de tantas interrogações em eventos da família- Por favor, gostaria de um pouco de chá em uns quinze minutos e se possível que preparassem um banho, tudo bem? –A criada assentiu a cabeça como mesmo sorriso de antes e se voltou para a cozinha enquanto Yukino seguia em frente, em direção às escadas principais da casa- Aliás –Ela disse um pouco mais alto e se virou, indo em direção à empregada que havia parado de andar e olhava a garota parecendo assustada. “Realmente, se fosse o meu pai isso significaria que ela iria para a rua, preciso falar mais tranquilamente ou elas vão me odiar como odeiam ele”, pensou ela ao ver o rosto assustado da criada- Por favor, peça a alguém que lave e deixe eles secando para mim? –Disse ela entregando a sacola com os sapatos-

-Claro. –Disse a criada, engolindo a saliva e parecendo mais aliviada e um pouco preocupada ao ver que eram os sapatos encharcados mais uma vez- Outra vez, senhorita? Está tudo bem mesmo na escola?

Yukino suspeitava que um dia perceberiam e ela não queria que o tema bullying chegasse em casa. “Parece que da próxima vez eu mesma vou ter que colocá-los para secar” ela pensou enquanto assentia sorridente para a criada, dizendo que foi um acidente.

Ela continuou para as escadas até, no próximo andar, seguir pelo corredor da direita e chegar em seu quarto. Embora sua casa não fosse tradicional (Com exceção de um dos jardins e algumas áreas para receber convidados) Yukino gostava da ideia de não usar sapatos em seu quarto, fazia com que ela se sentisse mais como a maioria das pessoas. Aliás, não só sua casa, mas seu quarto especificamente fazia com que ela se sentisse mais confortável e calma depois de um dia difícil de suportar. Yukino acendeu as luzes, deixou seus sapatos na pequena sapateira perto da porta, abriu as janelas e pendurou sua mochila no mancebo depois de tirar suas lições de casa.

As notas também eram algo importante para manter a imagem, embora Yukino não duvidasse que seu pai seria capaz de subornar a escola. Mas ela não precisava disso. Estudar era uma boa desculpa para manter as pessoas longe, para se acalmar, para passar o tempo e para sair de casa quando fosse necessário (Estudar em um café ou uma biblioteca). Enfim, ela começou a fazer sua lição de casa. Era muita mas poderia mantê-la ocupada por apenas meia hora. No meio dos exercícios outra criada bateu na porta e entrou assim que eu respondi, servindo o chá na mesa de centro e se retirando.

Assim que Yukino tinha terminado a lição e o chá, perguntou por seu banho (Que já estava quase pronto) e pediu que retirassem a bandeja do chá. Quando as criadas saíram, ela se despiu e vestiu um roupão, indo em direção ao banheiro de seu quarto. Depois de terminar sua rotina de limpeza de pele, tomar banho, deixar o banheiro em ordem secar o cabelo voltou ao seu quarto de roupão e prendeu o cabelo enquanto sentia o vento gelado vindo da janela. Gostava do vento e do fato de ser um andar alto e de que ninguém pudesse vê-la de lá.

Yukino vestiu uma roupa casual, mas não desengonçada. Era rotina jantar com o pai então ainda não era hora de vestir pijamas. Quando olhou o relógio e viu que faltavam aproximadamente 15 minutos para seu pai chegar, se deitou na cama e começou a encarar o seu celular. *5 contatos: Pai, Casa, Escritório, Segurança, Mio*. “Se não fosse o número da Mio eu diria que é 100% deprimente, mas vou considerar uns 90%”, ela pensava enquanto olhava a lista de contatos. Mio era sua única amiga. Embora não fossem confidentes ou melhores amigas, Yukino podia confiar nela até certo ponto e isso já era um grande passo.

Ela passou um tempo mandando mensagens para Mio, que estava em casa de cama com um resfriado e explicou o que aconteceu na escola e perguntou se deveria visita-la no dia seguinte. Nisso, se passaram quase 25 minutos. O pai de Yukino não costumava...ou melhor, NUNCA se atrasava, mas já tinham passado 10 minutos. Yukino decidiu ligar para o escritório e perguntar de seu pai. Porém, depois de chamar muitas vezes, caiu na caixa postal. Yukino não entendia o que estava acontecendo. Sempre havia uma secretária lá, até as 23 horas e não eram nem 21 horas.

Um pouco preocupada, se levantou e se apoiou na janela, tentando ligar outra vez. Chamava, chamava, chamava e nada. Com um suspiro Yukino olhou pela janela e por alguns segundos jurou que seus olhos estavam pregando uma peça nela mesma...aquilo parecia...?!?!