—Você tá maluca? Quer se suicidar? Eu sei que nossa vida está uma droga, mas...

—Cala a boca, Peter. Eu sei o que eu estou fazendo.

—Eu tenho certeza que você não sabe.

—Talvez. –admito.

—Talvez?

—Peter, leia a mensagem. –entrego meu celular em suas mãos.

—Ok. Vou pegar o carro do meu pai. –ele avisa, e sai do quarto.

—Vê se não bate esse! –grito, o ouço bufar a distância.

O quarto de Peter era um lugar legal. Não muito arrumado, não muito desarrumado, e nem muito exagerado. Era como um quarto normal de qualquer de adolescente incompreendido. Mas o fato é que Peter não é um adolescente. Não acho que ele não teve tempo de redecorar, com toda essa situação com a morte da Ash. E eu achando que eu estava sofrendo, e Peter? Pobre Peter, ele está morrendo por dentro. Percorro o quarto de Peter, até a escrivaninha do mesmo. Aquilo estava uma zona. Meus olhos se detêm a uma particularidade, um porta-retratos está virado para baixo, como se fosse uma memória muito dolorosa para ser recordada. Pego o porta-retratos, e o viro. A foto era de Peter e Ash, quando crianças. Aquilo me acertou em cheio. Eu comecei a me sentir pior ainda. Eu sou a culpada pela morte da Ashley, eu sou a culpada pelo meu próprio sofrimento. Se eu não tivesse inventado a Corporação ela não teria morrido. A Mediadora se foi por culpa da minha irresponsabilidade. Tudo porque eu não sabia lidar sozinha com os meus próprios problemas. Coloco aquela lembrança como ela estava antes de eu tê-la achado.

—VOCÊ NÃO VAI VIR, NÃO? –ele berrou, provavelmente do térreo.

—TÔ INDO! –berro em resposta.

Desço as escadas correndo, tropecei algumas vezes, mas nada conseguiu me levar ao chão. Pelo menos não dessa vez. É um avanço.

—Finalmente.

*

—Por que eu estou sentindo como se essa fosse a ideia mais idiota que você já teve?

—Tecnicamente isso não é uma ideia.

Peter revira os olhos em reação a minha resposta. O que é relativamente previsível.

—Continua sendo a coisa mais estúpida que fizemos.

—Você fala como se a gente fizesse sempre coisas calculadas e precisas. –digo. -Embora no passado eu calculasse meus movimentos. –reflito.

—Por que não voltamos ao que éramos no passado?

Peter está mesmo me perguntando se EU mudaria o passado? Sem sombra de dúvidas. A Corporação nunca teria existido, eu interferiria naquela noite na floresta, nada seria como é hoje em dia. Se aquela noite na floresta fosse apagada eu não teria tido nenhum problema escolar, eu não guardaria rancor das pessoas, eu não precisaria lidar com o fato de que eu nunca conseguiria me vingar de alguém, e não precisaria da ajuda de ninguém para fazer isso. Eu sempre fui boazinha demais para vinganças, sempre as planejava, mas também sempre ficava com pena da pessoa e acabava desistindo por isso. Esse é o porquê de eu ter precisado da Corporação esses anos todos. Se fosse por mim eu nunca me vingaria de ninguém que realmente merece, e é por isso que eu precisei da Ash todos esses anos para me dizer quando estávamos indo longe demais, porque, por mim, todos os planos sempre seriam descartados. Eu sou a Manipuladora porque eu realmente manipulo as pessoas e faço planos, mas por mim mesma, eu nunca os colocaria em prática.

—Bem que eu queria. Mas temo que isso seja impossível. O mundo muda, e nós mudamos com ele. –respondo e dou longo suspiro, demonstrando que essa pergunta não foi a melhor de todas.

—Tá tudo bem? –ele pergunta para mim, realmente preocupado.

Vejo luzes alaranjadas dominarem a minha rua, não durou muito tempo até que eu realmente percebesse o que estava acontecendo.

—NÃO!

Todas as lembranças, as memórias inesquecíveis, tudo estava dominado pelo fogo.

—Val...

Tiro meu cinto, abro a porta do carro, e simplesmente, saio. Minha cabeça fica meio dormente, o nervosismo toma conta do meu corpo, não consigo segurar uma lágrima, percebo que não consigo segurar nenhuma lágrima, e tudo me acerta de novo, a dor, a culpa, o desespero. Tudo o que eu tentei desligar de mim mesma. O lugar em que eu vivi quase toda a minha vida estava indo a ruínas, meu corpo parecia estar indo junto. De repente, o peso da gravidade era muito para eu aguentar sozinha, e eu me jogo de joelhos ao asfalto.

—Deus... –Peter sussurra. E fica em pé ao meu lado, enquanto eu estou no chão, completamente abalada.

Eu não posso deixar alguém fazer isso comigo, e não vou, eu me recuso. Cansei de ser a boazinha, agora eu vou fazer as coisas do meu jeito. Afinal de contas, eu sou a Manipuladora.

A sirene se aproximando era inconfundível. Quem chamou os bombeiros? Não importa, eu só agradeço a quem fez isso.

Cuidado Karma, eu estou a caminho.