Honestamente, eu não esperava que uma viagem de barco só com homens fizesse uma diferença notável do que eu estava acostumada em minha casa, com Derek e Jamie.

Mas Jamie e Derek não me odiavam por ser uma garota, diferente do restante da tripulação que fugia para o Continente Masculino.

– Quem é essa garota? - Um homem mais velho berrou, assim que nós nos aprofundamos mais no barco. Ele fuzilou-me com os olhos e os outros fizeram exatamente a mesma coisa, utilizando exatamente a mesma expressão de desacordo e alguns, até de hostilidade.

– Está tudo bem, rapazes, ela está com eles. - Jake aponta para Derek, Jamie e Dylan, que rapidamente colocam-se em minha frente, numa posição de defesa.

– Jake, o que está acontecendo? Ela é algum tipo de prisioneira desses caras? - Um garoto com mais ou menos a mesma idade de Dylan diz. Ele tem cabelos escuros e olhos azuis profundos. Imagino que já tenha mais de um ano como escravo no Continente Feminino.

– Não. Não sou prisioneira. Jamie, - Aponto para o pequeno menino que está assustado, talvez por estar em contato com muita gente ao mesmo tempo. - é meu irmão. Derek é meu amigo. E Dylan estava destinado a ser meu escravo, mas...sinceramente não acho correta a política feminina. É só isso.

– Vão procurá-la. Ela vai trazer as policiais atrás de nós. - Diz um homem sentado na mesa com uma garrafa de alguma bebida alcoólica em sua frente.

– Não, não vai. Quando elas pensarem em procurá-la, já vamos estar bem longe. Longe o suficiente. - Jake fala.

– Mas, Jake...

– Sem "mas", Kevin. Este é o meu barco. Eu posso transportar quem eu quiser. Se não está satisfeito, sugiro que se jogue no mar imenso que tem em sua frente. - E dá um fim na conversa. Ninguém mais fala no compartimento, então resolvo sair de lá o mais rápido que posso. Os olhares me seguem até a porta, mas somente um par deles me acompanha.

– Sobre a mãe... - Jamie começa.

– Está tudo bem, Jamie. Quero dizer, quem se importa com ela, não é? Ela queria entregá-lo. Mas o que importa é que você está salvo agora. São e Salvo.

Escorrego pela parede úmida e áspera do barco e ele se enrosca em meus braços.

– Acha que ela se arrependerá algum dia? - Pergunta ele.

– Espero que não. Provavelmente, ela está morta agora.

– Estive pensando...Você, a mãe e o pai me esconderam durante anos para que eu não fosse levado para o Continente Masculino e agora...estamos indo diretamente para lá. Tem algum plano em mente?

Dou um pulo para me levantar, quando percebo que ele tem mais razão do que eu já tive em toda minha vida. O que estou pensando? O que a tripulação do barco está pensando? Estamos indo diretamente para um local onde voltaremos para o Continente Feminino, sem dúvidas.

– Fique aqui. - Digo e volto para dentro do compartimento onde os homens estavam.

Trombo em dois deles que estão bêbados demais para que notem que tocaram em mim e se desculpem, até que consiga visualizar Derek. Ele está de costas para mim, mas sacudo-o com tanta força que ele se vira imediatamente e só então percebo que estou tremendo dos pés à cabeça.

– Derek! - Berro, agitada demais para controlar meu tom de voz. - Estamos indo para o Continente Masculino. Elas vão pegá-lo. Vão pegar cada um de vocês e voltarão para suas mulheres.

Faz-se um grande silêncio no local e depois todos explodem em gargalhadas.

Ouço comentários do tipo "E ainda dizem que as mulheres são superiores aos homens" ecoando por todo o compartimento, mas não me importo. Não até Jake me explicar que no Continente Masculino há um bloco subterrâneo apenas para fugitivos. É distante de onde os outros homens ficam confinados e são treinados para servir, portanto não há qualquer risco de sermos encontrados.

– Você achou mesmo que seríamos tão estúpidos? - O garoto que perguntou à Jake se eu era prisioneira de Derek, Dylan e Jamie diz.

– Rolam boatos no Continente Feminino, de que, sim, vocês são negligentes o suficiente para serem burros, às vezes. - Respondo.

Derek dá um sorriso para o chão, e entendo que respondi de forma correta. Sem ser displicente, mas sem deixar que ele tire sarro da minha ingenuidade. Como eu iria saber que iríamos para o subterrâneo assim que saíssemos do mar?

– Fique tranquila. - Diz Dylan, ao meu lado. - Ninguém jamais fará Jamie de escravo. Mais alguns dias e chegaremos ao continente. Poderemos dizer que ele está são e salvo assim que pousarmos os pés no solo.

– Espero que sim, Dylan. Espero que estejamos navegando para a segurança. - Digo, sem pensar.

– E estamos. - Ele responde e me leva para fora do compartimento, com sua mãe pousada em minha cintura.

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Dois dias depois, começamos a avistar terra. Ainda está muito longe, mas ao menos que seja uma ilha, é possível que estejamos perto do Continente Masculino e da salvação.

A maioria dos homens da tripulação já está parcialmente acostumado com a minha presença, e os que não estão ainda, apenas me ignoram. George, o garoto que perguntou a Jake se eu não era prisioneira de Derek, Dylan e Jamie, e Wes, um homem com a mesma idade de Derek e de olhos tão azuis que pareço estar em contato com o mar quando olho para eles, tornaram-se bastante próximos a mim. Sem contar Jake, que é um dos que mais se sentem a vontade em minha presença.

E nessa manhã, quando acordei nos braços de Dylan e com as pernas jogadas em Derek de modo despreocupado, Jake, George e Wes nos olhavam dormindo. Levantei-me repentinamente, e encarei-os com desconfiança.

– Ei, por que essa carranca de assassina? - Zomba George. - Deveria estar feliz já que só faltam vocês para que esvaziemos o barco.

Jake sorri, deixando a mostra os dentes perfeitamente alinhados e brancos. Seus olhos se iluminam tanto que penso que podem me cegar.

– Bem vinda ao Continente Masculino, Tessa. Especialmente ao Quartel dos Fugitivos. - Ele diz, e salta para fora do barco.

– Derek! - Grito.

Ele se move, despertando Jamie e também Dylan ao mesmo tempo em que começa a se levantar.

– Chegamos, cara. - Wes diz, apontando para o horizonte ainda vago. Subo na soleira do barco para tentar visualizar alguma coisa, mas tudo o que vejo são árvores e alguns metros de madeira.

– O que está tentando enxergar, Tess? Casas? Prédios? Moradias luxuosas? Isso tudo ficou para trás, você sabe. - Dylan caminha até mim, e me oferece sua mão para que eu possa caminhar pela beira do barco e visualizar tudo sem cair. Eu a pego, sem hesitar.

– Eu sei que vamos ficar no subterrâneo. Só estou tentando me orientar.

Minha aljava e o arco começam a pesar em minha costa e é quando percebo que dormi com eles pendurados em meu corpo. Tiro-os e entrego a Dylan, que os coloca no chão sem soltar minha mão e deixando meu corpo totalmente equilibrado em cima da soleira.

É verdade, não tenho nada para enxergar aqui. Nada além de mar e árvores e madeira e os meus amigos. Meus amigos. Meu Jamie. Estamos seguros agora.

Me apoio ainda mais em Dylan e ele pega em minha cintura para me ajudar a descer. Piso na areia descalça, admirando a sensação de estar no solo novamente.

– O que estão esperando? - Digo para os outros, enquanto eles aceleram a velocidade para alcançar Dylan, eu e nossas passadas velozes.

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Quando chego no local onde eles afirmam haver uma cidade em movimento embaixo da terra, tenho apenas uma certeza: Já havia uma instalação substancial aqui, desenvolvida ao longo de séculos para servir ou como esconderijo clandestino para líderes masculinos ou como último recurso para os homens caso a vida acima da superfície se tornasse inviável.

E penso no quão inteligente eles são para fortalecer uma cidade, uma cidade segura, embaixo de seus próprios pés. Onde acima, há a realidade de que seus garotos estão sendo levados para outro continente, de que eles estão sendo escravizados.

– Certo, vamos descer. - Jake diz.

E fazemos exatamente isso.

O ar torna-se mais denso e ameaço desmaiar pelo menos umas quatro vezes, enquanto descemos em um elevador cercado de vidro. E continuamos descendo. E continuamos. E continuamos.

Me agarro nos braços de Derek e ele aperta-me contra seu peito, assim como faz com o rosto de Jamie, para que ele não respire a poeira.

– É só por alguns instantes. - Diz George. - Logo após isso, o ar volta ao normal, graças a algum tipo de tecnologia.

– Graças a Deus. - Exclama Dylan.

Assim que o elevador para, damos de frente com uma multidão de homens que param o que quer que estivessem fazendo para olhar-me com fúria.

– O que está acontecendo aqui? - Grita um homem ruivo de olhos verdes lotados de hostilidade.

– Ela não é uma ameça. Podemos explicar. - Wes diz, e coloca-se em minha frente.

– Desde quando uma mulher não é uma ameaça, Wes? - O homem grita. - Desculpem, mas eu sei me defender dela. Sei como me defender. - Ele apanha uma faca sobre uma mesa de madeira e avança em nossa direção. Não penso muito. Apanho numa velocidade surpreendente uma flecha e a encaixo no arco.

– Você sabe se defender? Pois eu também. - Digo calmamente.

– Está me ameaçando? - Ele questiona, como se eu tivesse acabado de cair em uma armadilha que ele mesmo tivesse preparado.

– Não, ela não está. Mas eu estou e juro por Deus, Tyler, que se tocar em um fio de cabelo sequer dela, eu acabo com você em uma questão de segundos. - Dylan ameaça, colocando-se na minha frente e afastando Wes da confusão.

Todos os homens estão calados, olhando atentamente para a desordem formada.

– Está acontecendo de novo, conseguem ver? Dylan está fraquejando. Está fraquejando na frente de uma garota. Qual é o próximo passo? Acreditar na força do amor? Acreditar que podem ser felizes juntos? Dylan, francamente.

– Eu só estou dizendo que é melhor se manter afastado dela. Todos vocês que tiverem um pensamento ao menos ofensivo. Afastados. Ou então vão se ver comigo.

Derek se posiciona ao lado de nós dois e pousa a mão em meu ombro.

– Essa garota é parte de mim, então é bom que saibam com o que estarão lidando se ao menos pensarem em machucá-la. Eu saberia exatamente quem foi.

O homem ruivo caminha até a mesa onde pegou a faca e morde uma maçã.

– Acham mesmo que nos impedirão? Nos impedirão de acabar com o inimigo, papel que vocês deveriam ter desempenhado? Acham mesmo que...

Não penso muito quando ajeito novamente a flecha no arco e miro. Não tenho a intenção de matar, mas de provar.

A flecha pousa ameaçadoramente na maçã que estava na boca do homem ruivo. Exatamente na parte que estava intocada. Todos os homens olham para mim, um misto de pavor e surpresa em cada um dos rostos.

– Obrigada, rapazes, mas acho que posso cuidar de mim mesma. - Digo num tom de voz alto o suficiente para que todos ouçam. - Obrigada pela consideração de vocês ao me aceitarem aqui, quer queiram ou não. O convívio seria melhor, caso não houvessem homens tentando me matar por toda parte e caso eu não precisasse fincar minha flecha nos pescoços dos mesmos. Espero ter sido clara.

Viro-me apenas para encarar um Derek, um Dylan, um Jamie, um Jake, um Wes e um George perplexamente orgulhosos.