– George! - Grito. - Não diga nada a eles. Nada. Nem uma palavra.

Nossas mãos grudadas se separam por uma força bruta de um homem de mais ou menos 1,90 metro. Somos levados para lados opostos de um prédio enorme e abandonado. Ótimo. Eles nos raptaram e estão nos separando.

– Seja forte, Tess. Não diga nada. - George grita, numa tentativa de me manter na defensiva. É claro que o farei. Eles não podem me forçar a falar nada, podem?

Dylan aproxima-se de George, segurando uma faca de ponta afiada.

– Não se aproxime dele, Dylan, ou eu juro por Deus que te mato.

Ele sorri para mim e volta-se numa velocidade assustadora.

– Infelizmente, cheguei tarde demais na fila de homens que desejam torturar o filho da governadora. Meu momento será íntimo e com você. Vamos conversar. - Ele acaricia a ponta da faca e bate a porta de ferro atrás de si.

– Não! - Eu grito. - George!

Me debato nos braços fortes de um homem negro e de olhos profundos e tão escuros como a pele. Aparentemente, sem qualquer piedade.

Ele me coloca em uma cadeira de pontas grossas e assento pesado. Ameaço escapar umas duas ou três vezes mas tudo o que consigo é as mãos do gigante negro enroscando-se em minha cintura e me jogando de volta na cadeira com uma brutalidade extremamente masculina e selvagem.

– Seja mais gentil com ela, Gagler. Um dia pode ser que eu tenha amado-a. - Dylan sorri e pega em meu queixo.

Fecho os olhos, sentindo o toque que antes tanto me agradava e hoje tanto me enoja.

– Tire suas mãos de mim, seu sujo.

Ele não obedece. Cuspo em seu rosto.

Ele olha para mim, a fúria fazendo seus olhos acastanhados brilharem. Levanta o dedo mindinho e o balança, num sinal negativo.

Sua mão desce por meu rosto, dando-me um tapa tão forte que a cadeira cambaleia, apesar de sua força.

Meu rosto inteiro arde e perco a visão de tudo por pelo menos dez segundos.

– Estou no comando agora, querida Tessa Stolpeen Ripling. Não sou mais o seu escravo. Você é a minha. E é bom se acostumar com isso, meu amor. Esta é a nova revolução. É a nova era.

Espero até que minha visão fique firme novamente e sorrio, da mesma forma psicopata que George costuma fazer para espantar o medo.

– Eu prefiro morrer a ter de passar o resto da minha vida lhe servindo, Fonkin.

Ele sorri de volta.

– Assim seja a sua vontade. Posso achar qualquer outra mulher para me servir. O mundo não gira em torno de Tessa Stolpeen e acho melhor aprender isso antes que seja tarde demais, querida.

– Dylan, me escute. Não sei qual é o plano de minha mãe, mas isso não vai se concretizar. Você não terá sua própria escrava e a menos que acredite que Bailee pode mudar a lei para algo igualitário, continuará sendo o escravo. Nunca o senhor. Nunca. Está me ouvindo? Seja um pouco sensato e preste atenção no que poderá acontecer com você caso não reverta essa situação agora mesmo.
Ele presta atenção atentamente em minhas palavras e por um momento, tenho a esperança de que ele reavalie o que está fazendo e soque a cara do moreno parado bem em minha frente, feito um guarda roupa, imóvel.

– Dylan. - O moreno diz.

– Eu sei, Gagler. - Ele responde. - Só uma ilusão. As palavras dela são só uma ilusão.

– Dylan, confie em mim! - Digo.

– Por que eu faria isso, Tessa? Por que? Você matou Katy. O que me garante que você não me matará, caso eu te deixe ir agora?

Pisco tentando conter as lágrimas.

– Porque sabe que eu não faria isso, Dylan. Eu não te mataria. Eu já teria feito, caso quisesse. Mas não faço, porque um dia eu amei você. Amei de um modo que temo nunca mais conseguir amar outra pessoa. E é essa a sua garantia.

– Sério? Não me mataria mesmo sabendo que eu entreguei vocês? Que provavelmente alguém está torturando George na sala ao lado? Não me mataria?

Suspiro.

– Eu não posso. Fiz uma promessa para mim mesma, que seria diferente nosso relacionamento de mulher e escravo. Não decidirei quando sua vida deve acabar, Dylan. Nunca. Este é o ponto.

Dylan se afasta da cadeira, deixando-me mais próxima de Gagler do que eu realmente gostaria de estar.

– Você mente tão bem, querida. - Ele diz. - Na primeira oportunidade, pegaria seu arco e enfiaria uma flecha em minha cabeça. Sem problema nenhum.

– Você sabe que está errado.

Ele sorri.

– Como eu poderia saber?

– Bem, que tal começarmos pelo ponto onde você deixou que eu salvasse sua vida, jogando nós dois contra o vidro da minha antiga casa? Minha vida teria sido perfeita caso eu não tivesse ficado do seu lado.

– Então, a culpa é minha? Vai me dizer que se voltou contra a sociedade amistosa que fazia parte por minha culpa? Conte isso para qualquer outra pessoa, Tessa Stolpeen. Qualquer outra. Mas eu sei que só fez isso por aquele menino estúpido e por seu adorado pai, que nada mais fez além de atrapalhar todo o meu plano durante todo esse tempo. Ficar em meu caminho. Mas isso tudo vai acabar, querida. Principalmente, porque agora uma equipe está sendo enviada para exterminá-lo.

Meu corpo parece fazer uma tentativa de entrar em combustão. Começo a tremer da cabeça aos pés, me sacudindo com fervor na cadeira e recebendo algumas pancadas na cabeça, guiadas por Gagler. Tento manter o controle de mim mesma, mas parece ser tarde demais, pois cuspo as palavras com ódio:

– Sabe? Você tem toda razão. Eu odeio você. Odeio. Você. E se eu tivesse meu arco e flecha bem aqui, eu atiraria em você. Aliás, se eu tivesse as minhas mãos soltas, eu poderia matá-lo enforcado. Seria imensamente prazeroso para mim ver seus rosto perdendo toda a vida mandada que ainda lhe resta. E quer saber mais? Mesmo se eu tivesse te deixado livre de qualquer escravidão, você ainda seria escravo de si próprio, porque você tem realmente sérios problemas psicológicos, Fonkin.

Seus olhos adquirem uma tonalidade esverdeada, que associo com a fúria que ele sente nesse momento. A costa de sua mão se choca contra meu rosto novamente, fazendo com que a cadeira em que estou presa tombe no chão e me deixe ali. Caída. Indefesa.

É o meu fim, penso. Mas por outro lado, tudo está muito confuso. Não consigo ver nada, exceto vultos se agitando em minha frente. É provável que a queda de cabeça tenha interferido na minha capacidade de enxergar tudo sem dificuldade.

– Tess! - George chama.

Sua voz me causa um efeito estranho de cura e consigo enxergar tudo com clareza, apesar da dor em minha coluna.

– George!

Consigo localizá-lo ensanguentado ao lado da porta. Dylan está no chão, aparentemente desmaiado ou tentando se recuperar de algum ato violento da parte de George. Gagler está intervindo entre George e eu. É só uma questão de minutos até que eu consiga me desamarrar da cadeira e chutar sua panturrilha, fazendo-o cambalear por tempo o suficiente para que George e eu consigamos correr pela porta de ferro.

Ainda estou meio tonta e a testa e o nariz de George ainda sangram, mas o instinto de sobrevivência é maior. Corremos por dois ou três corredores até começarem a nos seguir, mas felizmente, já é tarde demais para eles. Ou pelo menos pensamos ser tarde demais para eles, porque no instante em que paramos em frente a única porta de entrada e saída daquele lugar, a porta se fecha numa velocidade absurda e Jennette caminha lentamente pelo corredor de onde estávamos vindo.

– A derrota é algo que eu não aprecio, não sei se você se lembra, querida filha. - Ela diz.

Respiro fundo e agarro a mão de George, entrelaçando meus dedos nos seus. Qualquer tipo de não contato físico que tivermos, significará muito em frente ao tipo de pessoa que estamos agora.

– Eu não sou sua filha. - Respondo.

Jennette leva as mãos ao peito, como se tivesse acabado de ser baleada. Seus olhos percorrem minhas mãos grudadas as de George e ela sorri com desprezo.

– Então você não tem uma família. Família é composta de duas pessoas. A mãe e a filha.

– É aí que você se engana, Jennette. - Diz uma voz aleatória. Não, não aleatória. Eu reconheceria essa voz entre milhões. - Como vai, querida?

Derek e Bailee estão armados com um par de armas cada um. Derek está com a mesma postura violenta que teve na última vez em que viu minha mãe, no ocorrido com Jamie.

– Ah, sim, vocês. - Jennette diz com desprezo. - Eu estava mesmo esperando por vocês. Especialmente por você, Derek, já que Dylan e eu estamos enfrentando um dilema particular, tirando na sorte quem terá o prazer de matá-lo.

– Sério? Estou tão requisitado assim? Caramba, isso é mesmo uma honra.

– Derek, meu amor, não me teste com essas piadinhas... - Jennette diz, com uma voz sedutora.

– Você sabe que eu sempre gostei de brincar com o perigo, querida.

Bailee aproveita o momento de distração para colocar-se na frente de George.

Jennette solta uma gargalhada quando percebe qual era o ponto dela ao ficar tão silenciosa dentro de uma discussão expressamente apurada.

– Bailee! Eu não acredito que agora banca a própria protetora desse garotinho mal amado, o qual você mesma mandou para longe.

– Cale a boca! - Ela grita. A voz da governadora impõe respeito o suficiente para que até Jennette Stolpeen permaneça no mais profundo silêncio. Ela mira ainda mais a arma na cabeça de minha mãe, seus olhos profundos cintilando fúria e desespero. - É tudo culpa sua. Eu caí na sua conversa, Jennette. Acreditei em cada palavra do que disse, acreditei que...Acreditei que você...Acreditei que você estivesse certa. Que eu pudesse ter minha vingança pelo coração partido.

Jennette dá outra gargalhada.

– Como foi o seu tempo com o grande amor da sua vida durante todos esses anos, Bailee? Passou bem? Deram beijinhos enquanto tentavam salvar a vida dos seus respectivos filhos?

– Cale a boca, Jennette. - Derek sibila.

– O que está acontecendo? - Sussurro. Não desejo que ninguém além de George me escute. Ele está tão abismado quanto eu, fitando sua mãe com curiosidade e medo.

– Derek sempre foi um homem e tanto, não é mesmo, Bailee? Nós o disputamos como se fosse o prêmio mais importante. Pra mim...não tinha nenhum valor. De verdade. Meu maior prazer era torturar você. E foi isso que passou pela minha cabeça, quando eu lhe disse que havia um Jamie. Que eu tinha um filho com ele. Um segundo filho, enquanto você...

– Cale a boca! - Bailee grita mais ainda. As lágrimas rolam pela sua face, mas não perturbam a imaculada máscara de ódio que seu rosto assume agora. - Cale a sua maldita boca!

Derek circunda todo o local, apenas para segurar minha mão. Confesso que me mantenho mais segura e mais firme ao chão, mas todas as palavras...tudo começa a finalmente se encaixar nessa maldita guerra entre os gêneros feminino e masculino. Tudo não passa de...uma desilusão amorosa. Como eu tive.

– Derek era o meu príncipe de contos de fadas, Jennette. Não o seu. Seu único objetivo era tê-lo para fazer com que eu me sentisse injustiçada. Como se realmente acreditasse que a existência masculina era simplesmente inaceitável. Eu era...jovem. Só dezessete anos, com tanto poder em minhas mãos após a morte de minha mãe, que era a atual governadora de todos os Continentes. É claro, havia a distinção entre os gêneros. Mas não a ideia de escravatura. Eu fui tola. Fui tola em acreditar em todas as palavras que me disse e fui tola em criar esse regime. Eu lamento muito. Não só por Derek, porque eu o perdi também. Mas...por meu filho. Foi tão difícil para mim deixá-lo ir...

– Bailee... - Derek começa.

– Não. Não foi sua culpa. Você foi seduzido pela grande inteligência e perspicácia de uma mulher. - Ela diz calmamente e então começa a gritar. - É culpa dela! É tudo culpa dela!

– É minha culpa que eu o tinha em minhas mãos quando queria? É minha culpa que eu tenha tido dois filhos com ele...enquanto você teve apenas um? - Jennette olha para George com desdém. Lanço-lhe meu pior olhar, apesar de estar com a minha cabeça girando. - Olhe para ele. Heróico. De mãos dadas com a minha filha. Talvez apaixonado por ela. Ainda assim heróico. Apenas como seu pai...Apenas como Derek.

– Pare! - Derek grita. Ambas fazem silêncio. Tudo faz silêncio. Menos minha cabeça, que me grita uma lista enorme de perguntas, que nem com toda a minha vida apenas para respondê-la, eu conseguiria.

– Espere... - George diz. Sua voz está embargada, tanto quanto imagino que a minha estará se eu abrir minha boca.

Jennette ignora as quatro armas voltadas para si e caminha lentamente até mim e George. Ela olha em seus olhos, ignorando meu fuzilamento com o olhar e segura seu queixo.

– Fique longe dele. - Sibilo.

Ela olha para mim, como se tudo aquilo fosse divertido.

– Está apaixonada pelo seu irmão, não está? - Ela questiona. - E você? Responda-me, George. Está apaixonado pela sua irmã? Está apaixonado por Tessa Stolpeen? Sua irmã?

– O que está acontecendo? - George balbucia.

– Eu gostaria de saber. - Digo.

Bailee corre até nós, afastando Jennette com seu braço.

– Eu peço perdão. - Ela diz. - Mas essa é a verdade. George...Derek...Derek é seu pai.