Toussaint, 1278.

Nenhum bruxo morreu em sua própria cama.

Foi Vesemir quem lhe disse isso. O velho, sábio, e agora saudoso Vesemir. Era sempre o primeiro a reclamar sobre seu envolvimento com política, sua parceria com reis e feiticeiras e suas ações que, embora o bruxo negasse veementemente, definiam o destino de humanos e inumanos, reinos e dinastias. Curiosamente, o bruxo que estava mais perto de romper a fatídica tradição de sua classe e ter uma aposentadoria serena era o mais controverso deles: Geralt de Rívia.

Quem olhava aquele homem de cabelos brancos a cavalgar por aquelas terras verdejantes e ensolaradas de Toussaint pouco poderia dizer de sua história atribulada. Claro, os olhos reptilianos e as duas espadas nas costas não haviam desaparecido, mas a cerca de um ano completamente submerso em sua vida em Corvo Bianco, Geralt sentia-se leve. Estava mais corado pelo sol, com poucas olheiras nos olhos e trazendo o frescor de um homem descansado.

No entanto, não era a boa música dos bardos ou o desejo por novidades entoadas pelos arautos que atraía Geralt de Rívia até a cidade de Beuclair. O bruxo estava à procura dos serviços do grão-mestre armeiro Lazare Lafargue, que agora cuidava da manutenção de suas espadas e armaduras. Nas costas de Geralt, estava sua besta, que o bruxo desejava um reparo. Não porque a besta se quebrou durante o combate, mas porque sua agora agitada vida amorosa com Yennefer de Vernemberg a viver em sua casa causou um pequeno “acidente” em parte de seu equipamento. Para Geralt, tornou-se arriscado demais colocar seus equipamentos próximos do unicórnio. Ele teria de procurar um local mais “seguro” em sua casa, o mais longe possível de suas estripulias amorosas com a feiticeira.

Como em muitas ocasiões de sua vida, Yennefer de Vernemberg apareceu, mais uma vez, do nada. Trouxe, entretanto, mais bagagem do que o normal, e ainda lamentou por não trazer o seu inseparável unicórnio, feito este que ela corrigiu em poucos dias. Geralt sabia que Yen sempre levava o animal empalhado por onde quer que fosse, e sentiu no tom da feiticeira um sentimento de que, sim. Sim, ela pretendia contrariar seus gostos pessoais por lugares frios e optar por viver na sempre ensolarada Toussaint, que com todo o seu sol em nada ajudava a mantê-la impecável em seu figurino negro.

À época, quando o bruxo comunicou a feiticeira de olhos cor de violeta sobre o contrato em Toussaint, Yennefer fez pouco caso. Nada disse, nada opinou. Viu o bruxo mais uma vez partir, enquanto dava atenção aos seus cabelos negros e propositalmente desalinhados. Outra mulher teria tentado arrancar de todas as formas promessas como “eu voltarei logo”, ou “tomarei cuidado”, mas Yen não era assim. Ela o assistiu partir e nada fez para impedi-lo, apesar de o bruxo ter prometido “pendurar as espadas” há pouco tempo. Sabia que o bruxo de cabelos brancos era dela e de mais ninguém, e que só um contrato deveras interessante o tiraria de sua aposentadoria.

Ainda que aposentado, Geralt não gostava de deixar seus equipamentos em mau estado. Para ele, um bruxo precisava sempre estar pronto para qualquer coisa, ainda que nos últimos tempos Geralt estivesse recusando contratos e mais contratos que apareciam em sua porta. E ninguém melhor que Lafargue para cuidar de sua coleção de armas e armaduras.

Os pensamentos do bruxo aposentado foram, entretanto, subitamente interrompidos quando rugidos de feras assustaram Carpeado. Ainda que seu animal fosse acostumado à vida no Caminho, Carpeado sempre parecia mais temerosa quando próxima a lobos. Para evitar uma queda feia, Geralt ergueu sua mão em direção à cabeça do animal e usou Axii para acalmá-la.

-Calma lá, Carpeado. – disse Geralt, acariciando a égua, já sob o efeito do sinal. Desta vez, o bruxo pôde ouvir também gritos. Seus sentidos sobre-humanos de bruxo o permitiram identificar, a uns bons metros dali, um homem rodeado por lobos. Cerca de quatro. Tendo sua égua enfeitiçada, Geralt seguiu adiante, a galopar.

Um homem estava sendo atacado por lobos, constatou Geralt. Seu cavalo caramelo estava agora caído sobre o chão, morto. Mas matar o pobre cavalo não parecia ser o suficiente para aqueles animais. Acuado pelos lobos, o homem ficou maravilhado ao ver Geralt imediatamente desmontar de seu cavalo e, com grande facilidade, conter os animais com Aard. O impacto do vento fez os cabelos do homem se agitarem e os lobos se afastarem de perto dele. Desembainhando uma de suas espadas, Geralt atacou as feras com imensa proeza. Seus golpes eram acrobáticos e extremamente ágeis. Em menos de trinta segundos, os quatro lobos foram reduzidos a cadáveres ensanguentados sobre a grama, agora respingada de sangue.

-Essa foi por pouco. – foi tudo que o homem pôde dizer, ainda abalado. Geralt embainhou sua espada, ao perceber que o perigo havia passado. Olhando bem nos olhos do homem, Geralt percebeu que ele era um elfo. Coisa rara em Toussaint, terra onde inumanos eram praticamente não tolerados.

-Precisa tomar cuidado com essa estrada. Lobos são frequentes por aqui.

-Sim, eu sei. Mas infelizmente não tenho muita escolha, porque ela é o caminho mais fácil para acessar a floresta.

-Terá de achar outro caminho. Nem sempre terá a sorte de encontrar um bruxo andando por estas estradas.

-Um bruxo?! Nossa! Jamais vi um bruxo em toda a minha vida... Sim, agora entendo o porquê das duas espadas nas costas e seus olhos... Bem, eles são peculiares.

Geralt estava acostumado a causar estranheza às pessoas, e também espanto. Os bruxos eram escassos por todo o Continente, e especialmente mais ao Sul, onde boa parte das Escolas de Bruxos já estava extinta.

-Creio que o senhor deseja uma recompensa, não é?

Geralt deu de ombros, como se a resposta da pergunta fosse óbvia. O homem deu um sorriso amarelo.

-Eu sinto muito, mas não me disponho de um florim sequer no momento. Tudo que fiz esta manhã foi ir até a floresta e colher madeira, mas eu posso te dar um pouco de ouro se me levar de volta para casa. Quando caí do cavalo, acabei machucando o meu calcanhar e será difícil voltar para casa a pé deste jeito.

Geralt olhou para o cavalo morto. Seu pescoço estava mastigado e havia marcas de mordidas pelo resto do corpo. Mas o que chamou a atenção do bruxo foram as sacolas e pedaços de madeira espalhados pelo chão.

—Por acaso é um lenhador? – estranhou o Geralt, pois o homem era franzino demais para a profissão.

-Não exatamente. Mas uso madeira para o meu ofício.

—Sua casa fica longe daqui? – perguntou Geralt.

-Não menos que dez minutos a cavalo, mestre bruxo.

Geralt suspirou. – Está bem. Posso dividir a montaria de Carpeado com você.

II

Os dez minutos de montaria foram o bastante para Geralt saber que aquele elfo se chamava Eruvalon, que era um especialista em arcos e que morava nas florestas de Toussaint há pouco tempo. Para pasmo de Geralt, seu caminho quase se cruzou com Eruvalon, pois o elfo esteve presente nos rebeldes de Vergen. Sobrevivente da queda da rebelião, Eruvalon buscou refúgio em Mahakam, mas problemas com a administração dos anões fizeram o elfo optar pelo Sul, tendo escolhido Toussaint pelo agradável clima ensolarado e as densas e praticamente intocáveis florestas. Não foi difícil para Geralt concluir que o gosto de Eruvalon por estas terras estava bastante atrelado ao isolamento do elfo na floresta e seu contato mínimo com os cidadãos de Toussaint.

Do lado de fora da choupana, uma mulher parecia ocupada costurando uma roupa. Uma elfa, Geralt percebeu pelas roupas e as orelhas pontudas que insistiam em escapar de seus cabelos curtos e negros.

—Eruvalon! Já estava preocupada com o seu sumiço. – disse a mulher, abandonado a costura para verifica-lo. – Você está mancando... O que houve?

—Eu caí do cavalo. – ele disse, tentando tranquiliza-la. Ao lado do elfo, Geralt permaneceu calado. Tudo que queria era ganhar seus florins e ir embora logo para Beuclair.

—Mas que desastrado, Eruvalon!

—Não foi por minha culpa. Havia lobos na estrada e eles atacaram o meu cavalo.

—Eu disse a você que aquela estrada era perigosa! Dá para ouvir os uivos dos lobos daqui, mas você nunca me dá ouvidos... Mas eu não entendo, Eruvalon. Quem é este homem? Ele é algum amigo seu que eu não conheço? Ou seria um cliente?

O elfo parecia sem palavras.

—Meu amor, este homem é um bruxo. Foi ele quem me salvou dos lobos.

—Um bruxo?! – surpreendeu-se a mulher, de um modo negativo.

—Acalme-se... – pediu o elfo.

—Não... Eruvalon, você não pode deixar que este homem...

—Deixe-me adivinhar. – disse Geralt, interrompendo a mulher. – A senhora acha que estou aqui para raptar uma criancinha, não é?

A mulher pareceu subitamente ofendida com o tom debochado de Geralt.

—Mas raptar meninos é tudo que vocês, bruxos, mais querem! Por isso ficam vagando na estrada, para encontrar pessoas indefesas e em má sorte, com meu marido, e assim tomar os nossos filhos! Tudo para transformá-los em bruxos e dar continuidade à profissão de vocês...

—Então, creio que vou desapontá-la. – disse Geralt, em tom debochado. – Não vou aceitar uma criança como recompensa. A senhora pode se acalmar, pois tudo que eu quero é algo de valor “monetário”. Sabe, coisas de código e tudo o mais.

A elfa suspirou, aliviada, indo para dentro de sua casa, decerto para buscar algumas moedas para o bruxo. De repente, um menino apareceu, a correr dali. Tinha nas mãos um pequeno arco e flecha.

—Não tente acertar os animais, Berulon. – avisou Eruvalon, num tom paternal. Decerto o menino era a causa das preocupações da mulher, concluiu Geralt. Geralmente os elfos tinham apenas um filho durante toda sua vida. Natural que a mãe da criança temesse perde-la.

O bruxo sentiu duas presenças se aproximarem. Ao voltar-se à estrada, acabou surpreso por perceber que, sob dois cavalos, estavam duas pessoas, encapuzadas. Duas pessoas dos quais as notícias dos últimos tempos eram, simplesmente, vagas e especulatórias.

O Líder dos Scoia’tael, Iorveth, acompanhado de Saskia, a Matadora de Dragões.

Rumores davam conta de que Iorveth havia sido preso em Loc Moinne e morrido em uma prisão temeriana, enquanto Saskia simplesmente desapareceu na névoa, dada por morta na queda de Vergen, embora os poucos sobreviventes vivessem a afirmar que ela sequer esteve presente por lá durante a derrota.

-Iorveth? O que faz aqui, em Toussaint? – perguntou Geralt, tomado pela curiosidade. Afinal, Toussaint era um lugar deveras estranho para um Scoia’tael estar. Reconhecendo Geralt, Iorveth deixou escapar uma leve careta. Ainda não havia esquecido Geralt por sua opção em acompanhar seu maior inimigo, Vernon Roche. Para não dizer dos relatos de que a parceria havia se estendido por mais tempo, mesmo após a confusão de Loc Moinne e a morte de Letho. Para Iorveth, Geralt era qualquer coisa, menos confiável.

-Os dois nem precisam me responder, pois é óbvio. Ninguém melhor do que um elfo quando o assunto é arco e flecha. – concluiu Geralt. – E Iorveth, pare de olhar para mim como se estivesse diante do próprio Vernon Roche. Naquela época, nossos interesses eram alinhados, mas definitivamente nós não temos os mesmos objetivos.

Iorveth apenas resmungou.

-Curioso que diga isso, pois chegou ao meu conhecimento que Roche esteve até mesmo em sua fortaleza, e que se não fosse pela participação de um determinado bruxo, a morte de Radovid não seria possível... – ele disse, secamente. – Eruvalon, sua esposa me disse que o meu arco está pronto. Mostre-me de uma vez, pois desejo ver se ele realmente atende às minhas necessidades. Se ele não estiver bom, eu quero cada moeda do adiantamento de volta. Entendeu?

Eruvalon sorriu, com um leve medo a passar por seu rosto.

-E-Eu tenho certeza de que o achará maravilhoso, senhor Iorveth.

-Pare de ameaçar o pobre homem, Iorveth. – pediu Saskia, que para pasmo de Geralt, colocou sua mão delicada sobre o braço do elfo. Conhecendo bem os elfos e suas dificuldades com gestos carinhosos, o bruxo imediatamente presumiu que a Virgem de Aerdin e o Líder dos Scoia’tael eram mais do que meros parceiros de armas. Quem diria...

-Não foi uma ameaça. Foi apenas um aviso. – respondeu o elfo à Saskia.

Os últimos tempos foram deveras complicados para os dois. Iorveth e Saskia havia tentando, sem sucesso, entrar em contato com os Scoia’tael remanescentes, com o elfo descobrindo que o grupo a quem havia dedicado praticamente sua vida estava agora reduzido a bandidos de estrada que pilhavam e matavam discriminadamente, sem propósito. Após exterminarem o terceiro acampamento de Scoia’tael que estavam vivendo fora do código tão prezado por Iorveth, o elfo decidiu que era hora de parar de caçar seus antigos irmãos de causa. Para disfarçar sua dúvida, Iorveth sugeriu a Saskia que eles deveriam se equipar com armas melhores. A dupla já havia andando meia Mahakam atrás de um ferreiro anão para adquirir as espadas, e agora, finalmente acharam o melhor carpinteiro para fazer os arcos, porém mais ao Sul, em Toussaint, conhecido território nilfgaardiano. Desde então, Saskia estava inquieta para saber o que Iorveth faria a seguir, afinal, mas conhecia bem o elfo para saber que ele não gostava de contar seus planos quando estes não estavam ainda maduros o bastante.

Com notável rapidez, Eruvalon trouxe de dentro de sua casa um emaranhado de pano, que ao retira-lo, revelou diante dos olhos dos presentes um belíssimo arco, negro como a noite, e com inscrições élficas gravadas e também runas a adorná-los.

-Um belo arco. – disse Geralt, impressionado. Embora o bruxo não fosse o mais habilidoso neste tipo de arma, ele sabia reconhecer um bom arco quando posto diante de seus olhos. E era a primeira vez que ele vira um arco como aquele. Um arco genuinamente élfico.

-Meu pai era um carpinteiro de renome. – disse Eruvalon, enquanto Iorveth segurava o arco em sua mão e testava seu peso. – E o pai dele. E o pai depois dele. São pelo menos sete gerações de carpinteiros. Dizem que meu trisavô construiu os arcos que os elfos utilizaram na conquista de Loc Moinne. Sabe, uma cidade que na época pertenciam aos Vran, antes dos elfos.

-Conheço a história muito bem. – assentiu Iorveth, enquanto balançava levemente o arco. – Nosso povo exterminou aqueles répteis humanoides. Loc Moinne foi apenas uma das cidades ancestrais tomadas dos Vran.

-Sim, exatamente. – disse Eruvalon. – Quão irônica é a vida, não? Exterminamos lagartos para sermos então exterminados pelos macacos.

Iorveth se calou secamente diante das risadas de Eruvalon.

-Não seremos exterminados pelos dh’oine.

-Gostaria de ter o seu otimismo, Iorveth. – disse o carpinteiro.

-Não é otimismo, Eruvalon. É uma constatação. Nosso povo resistirá. Se lutarmos, a geração de seu filho terá uma vida pacífica e sem se preocupar com dh’oines a bater em sua porta.

Iorveth voltou seu olhar para o menino que, ali perto e alheio àquela conversa, brincava com um arco e flecha. Agora, olhando bem, Iorveth pôde perceber que ele era, na verdade, um meio-elfo, de olhos azul turquesa e cabelo castanho, de baixa estatura e tendo as orelhas pontudas, que olhava fascinado para as espadas penduradas nas paredes. Seu olhar acabou esbarrando em Saskia, que também observava o menino. Mas a julgar pela postura, ela estava observando-o há mais tempo. Seu olhar parecia perdido em pensamentos. Pensamentos que Iorveth conhecia muito bem.

-Filho, porque não vai lá dentro ver se a sua mãe precisa de você?

O menino assentiu, sem imaginar que sua presença ali, simplesmente não era mais desejada pelo provável teor da conversa. Quando a porta de sua casa se fechou pesadamente, Eruvalon deu um forte suspiro.

—Como possivelmente deve ter concluído, aquele menino que eu estimo tanto não compartilha do mesmo sangue que eu. Eu não tive filhos. Não porque jamais quis, ou esperei chegar aos cem anos para pensar na idéia, como alguns elfos tolamente fizeram. Tentei, e bastante. Mas minha esposa jamais engravidou. Não tínhamos mais esperanças de ter um filho, até que um dia, minha esposa apareceu em casa, completamente suja e com o vestido rasgado, o semblante em prantos. Contou-me que havia sido estuprada por um dh’oine, um bandido de estrada. No mês seguinte, veio a confirmação do que eu mais temia: ele a havia engravidado. Pois reflita comigo, meu caro Iorveth. O dh’oine só precisou de uma única tentativa para conseguir o que eu não consegui por quase cem anos.

O elfo suspirou pesadamente.

-Metade do sangue de meu filho Berulon é élfico, mas metade dele é humano. O problema é que Berulon não será aceito pelos elfos, porque é demasiado baixo para os nossos padrões e não possui nosso queixo e nariz. Muito menos será aceito pelos humanos, por causa das orelhas pontudas. Um dia, Berulon irá crescer e desejará se casar. E pode ter certeza, Iorveth: dificilmente ele encontrará uma elfa de sua idade para se casar, enquanto poderá escolher entre os humanos dentre uma variedade de mulheres. É verdade o que dizem? Que você é um Aen Seidhe puro?

Iorveth assentiu. – Sim. Não há uma só gota de sangue que não seja élfica em mim.

-Pois eu te digo. Pode ser que não sejamos extintos agora, Iorveth, mas estamos decretados a desaparecer, de um modo ou de outro. Se não formos caçados um a um, seremos basicamente “diluídos” entre os humanos, com o passar dos séculos. Não dou cem anos para que Aen Seidhe puros como você simplesmente desapareçam, misturados entre meio-elfos e quadroons.

Iorveth parecia analisar as palavras de Eruvalon.

-Não sou tolo a ponto de me recusar a enxergar esta realidade, Eruvalon. Nossas taxas de natalidade são extremamente baixas. Boa parte dos elfos que ainda estão vivos não possuem mais idade para procriar. Situações como a de seu filho são uma tendência a acontecer. Sim, é verdade que nosso sangue élfico está quase fadado a se misturar ao dos dh’oine. Mas algo precisa ser considerado: nós ainda não morremos. Não podemos aceitara a opressão dos humanos porque eles são mais numerosos. Temos de buscar o nosso lugar na sociedade.

Eruvalon observava a Iorveth com interesse, do mesmo modo que Geralt.

-Você me parece menos... Radical do que eu esperava.

-Não sabe a provação pelo que passei nos últimos anos. – foi tudo o que o elfo disse. Tirando uma flecha de sua aljava, Iorveth disparou com o arco em direção a um dos alvos de palha criados por Eruvalon. O elfo parecia satisfeito.

-Como imaginava, não tenho dúvidas de que este é o melhor arco que já tive em minha vida. – disse, retirando de sua bolsa de couro um saco de moedas, que pelo olhar de Eruvalon, era mais generoso do que se esperava.

—Va Fail, Eruvalon. Va Fail, Gwynbleidd.

-Va Fail. – respondeu os dois, quase em uníssono, enquanto observavam Iorveth e Saskia montarem outra vez em seus cavalos e cavalgarem para longe dali. Com a dupla de rebeldes já distantes no horizonte, Geralt não pôde deixar de sentir que os dois estavam preparando alguma coisa...

-Vejo que está com uma besta danificada. Quer que eu a conserte, Mestre Bruxo? Seria uma cortesia pelo que me fez na estrada.

-Se não for algo complicado, sem problemas. – disse o bruxo, entregando a arma.

-Imagino que batalha difícil essa besta não tenha participado para acabar nesse estado...

-Vamos chamar isso de um “pequeno acidente doméstico”. – respondeu o bruxo, de modo limitado.

III

O sol ainda despontava no horizonte quando um cavalo a galopar interrompeu o sossego de Corvo Bianco. Os funcionários do vinhedo, outrora pacato, já haviam se acostumado ao agitado proprietário do lugar. Na verdade, as desconfianças a cerca dos bruxos, em boa parte motivadas pelos boatos quanto à sua perversidade e natureza luxuriosa, se dissiparam quando Geralt mostrou-se ser educado e atencioso quanto às necessidades do vinhedo. Mesmo as mulheres o bruxo tratava com respeito.

Cavalgando por sua propriedade, Geralt percebeu algo estranho, próximo ao riacho que cortava seu vinhedo. Seu inseparável medalhão começou a tremer, mas logo o bruxo se tranquilizou. Era Yennefer aprontando mais uma das suas.

—É impressão minha ou está nevando em Toussaint?

Não propriamente em Toussaint, pois o feitiço conjurado por Yennefer consistia em uma ilusão. Uma redoma de vidro com flocos de neve a cair sem parar. E, é claro, Yennefer dentro dela, usando um pesado casaco negro que muito contrastava com o sol forte que fazia ao seu redor.

—Senti falta de Dol Blathanna. Pois você sabe, a esta época do ano é inverno por lá.

—Eu disse a você no mês passado que daria tempo para alcançarmos Dol Blathanna antes do inverno, mas você não quis... – deu de ombros o bruxo.

Yennefer riu.

—Sim, é claro. Passar quase um mês montada em um cavalo até alcançarmos o Vale das Flores, quando um portal poderia nos deixar lá em questão de segundos...

—Eu detesto portais, Yen.

Yennefer rolou os olhos. – Uma grande bobagem sua, Geralt. Ainda acredita que metade de seu corpo pode não atravessar o portal, ou que você cairia no meio do oceano? Ofende-me que pense assim de meus portais, pois tais erros são causados por problemas de cálculo, dos quais uma feiticeira de minha estirpe jamais cometeria. Portais são seguros, eu já disse. Especialmente os portais abertos por mim.

Geralt riu. A cada palavra de Yennefer, mais próxima a feiticeira se aproximava dele.

—Está tentando me convencer de todas as formas, não é mesmo?

—E se estiver?

—Terá de ser mais... Persuasiva.

Ao tocar o ombro de Yennefer, Geralt sentiu a frieza da ilusão atacar o calor de suas mãos. A sensação o desagradou.

—Isto, é claro, depois que você desfazer essa ilusão.

Com um mero aceno das mãos, a ilusão se desfez, e mais uma vez Yennefer foi castigada pelo sol quente de Toussaint. A primeira providência da feiticeira foi descartar o pesado casaco, deixando-o cair sobre o chão. No mesmo instante, Geralt a tomou em seu colo. Sabendo que seu mordomo Barnabas-Basil havia ido à cidade para reabastecer a dispensa da casa, Geralt sabia que tinha a casa completamente à sua disposição para suas aventuras amorosas com Yennefer.

E é claro, ela queria que fosse no bendito unicórnio.

No entanto, no instante em que Geralt abriu a porta de seu quarto, o bruxo acabou surpreendido por algo altamente inusitado, a brilhar acima do unicórnio.

—Um portal? – estranhou Yen. Mal ditas suas palavras, o portal se abriu, e ninguém menos do que Vernon Roche foi arremessado dele, fazendo o temeriano praticamente montar sobre o unicórnio empalhado. Boquiaberta, não só pela situação estranha, mas também por ver seu “imaculado” unicórnio sendo profanado por aquele estranho amigo de Geralt, Yen pensou em protestar, mas as risadas do bruxo a contiveram a tempo.

—Puta merda, que embrulho no estômago... Acho que vou vomitar...

—No meu unicórnio não! – esbravejou Yen, arrancando ainda mais risadas de Geralt.

—Caralho, isso é um unicórnio de verdade? – estranhou Roche, ainda montado no animal, a verificar melhor sua cabeça. – Eu pensava que isso só existisse em contos de fadas...

—Tire suas mãos imundas do meu unicórnio! – protestou Yen, ao ver que o comandante temeriano estava prestes a tocar em seu chifre. Sabendo que feiticeiras não gostavam de se sentirem contrariadas, Roche a acatou, saindo do unicórnio com dificuldade. Tendo cessado suas risadas, Geralt finalmente pôs-se no meio da conversa.

—Vejo que mudou a sua farda.

Roche resmungou com o comentário de Geralt. Estava usando agora uma farda nas cores azul e preto. Apesar das cores, o modelo da farda era idêntico ao dos tempos dos Listras Azuis, com a diferença de que os detalhes brancos deram lugar à cor negra. Os lírios prateados permaneciam no emblema, mas metade deles deu lugar a um sol dourado. O Grande Sol de Nilfgaard.

—Isso é só uma roupa. Minhas verdadeiras cores não são estas.

—Entendi. Mas afinal, o que faz aqui, Roche?

—Precisava falar urgentemente com você, Geralt.

—Espero que não seja para pedir a minha ajuda para matar mais um Rei, porque eu não...

—Nada disso, sem mortes. – interrompeu Roche. – Pelo contrário, minha vinda aqui é para tratar justamente sobre a vida de mais um monarca. E não para tirá-la. Pelo contrário. É para preservá-la.

Geralt suspirou pesadamente.

—Não quero me envolver em política, Roche. Não sei se deu para perceber, mas estou aposentado.

Roche arregalou os olhos.

—Aposentado?

—Sim. Eu sei que é estranho imaginar um bruxo aposentado, mas é a mais pura verdade. Eu pendurei as espadas. Aliás, a julgar por sua idade, está na hora de fazer o mesmo.

—Não enquanto a situação da Teméria não melhorar. – disse, com firmeza.

—Não entendo, Roche. – disse Geralt, aparentemente cansado de discutir aquele tópico. – Você fez o que Nilfgaard queria. Em troca do fim de suas atividades de guerrilha e da cabeça do Rei Radovid, eles restaurariam a Teméria. Um estado vassalo, mas ela seria restaurada. Já não acha que conseguiu o que queria?

Roche parecia surpreso.

—Creio que não deve fazer a menor idéia do que está acontecendo na Teméria, não é? Aliás, onde estamos? Não faz tanto calor assim na Teméria...

Yen concordou. – Estamos em Touissant.

—Nossa. “A terra do vinho e da putaria, onde o sol nunca ameniza”. Escolheu bem. Quero dizer, não propriamente por estes termos... – disse Roche, ao lembrar-se de que Yennefer e Geralt tinham um romance.

“Geralt, faça esse seu amigo babaca desembuchar logo o que quer de você e ir embora, antes que eu o transforme em um bode”, foi o que Geralt pôde ouvir, no fundo de seus pensamentos. Certamente era Yen, conversando telepaticamente.

—Se não sabe onde eu estava, como fez para me localizar? – perguntou Geralt, curioso.

—Eu estava em Vízima. Não sei se sabe, mas hoje é o dia da coroação do novo “governante” da Teméria. Um nilfgaardiano filho da puta escolhido por Emhyr, para variar. Enfim, várias comitivas de outros reinos estão por lá para acompanhar a coroação, e Triss Merigold estava na que representava Kovir, como conselheira daquele reino. Foi ela quem abriu o portal. Só não entendo porque acabei por pousar nesse seu unicórnio...

—Agora está explicado... – murmurou Yen, furiosa. Por mais que achasse graça da situação, Geralt preferiu permanecer calado.

Você não entende, Roche. Mas nós entendemos.

—Portais são imprevisíveis. – mentiu Geralt, nervoso. – Aliás, o quê afinal você quer de mim? Parece-me insatisfeito com o governante escolhido por Emhyr, mas há de convir que você sabia dos riscos quando aceitou o acordo com Nilfgaard. Isso poderia acontecer.

Roche suspirou pesadamente.

—Sim. Eu calculei mal. O problema é que temo ter aberto a boca quando não deveria.

—Como assim?

—Provavelmente não sabe, mas estive em Nilfgaard, depois da morte de Radovid. Emhyr desejava uma reunião comigo e com Thaller.

—Você, em Nilfgaard? – abobou-se Geralt. – Como fez para sair vivo de uma audiência com “A Chama Branca Dançante Sobre A Tumba Dos Inimigos”?

Roche riu secamente.

—Do mesmo modo que você. Emhyr me quer vivo porque é o mais interessante a ele. Aliás, minhas fontes por lá dizem que a oposição ao Imperador está cada vez mais forte. Nilfgaard venceu a guerra, mas não do modo que todos desejavam. Venceu por meio de acordos, não por uma vitória esmagadora. Não tardará até que ele seja morto.

—Então, você tem espiões até em Nilfgaard.

Roche pareceu subitamente incomodado, notou Yen.

—Sim. Mas não vamos falar sobre isso.

Bisbilhoteira como só, Yennefer não se deteve em invadir os pensamentos do temeriano, que de tão perturbados, estavam completamente vulneráveis à sua invasão. Por mais que estivesse afastada da política há tempos, era sempre interessante á feiticeira, à guisa de curiosidade, saber o que estava se passando no Império mais poderoso do mundo.

No entanto, os pensamentos de Roche sobre esse tal “espião” não foram exatamente o que a feiticeira esperava descobrir.

Um jardim, repleto de flores. Risadas de crianças. Três, consegue distinguir Yennefer. Estão brincando de pique-esconde. Falam um idioma estranho. Yennefer consegue reconhecer algumas palavras. É uma variação da Linguagem Ancestral. O idioma nilfgaardiano. Apesar da estranheza das palavras, o pensamento lhe permite compreendê-las – decerto porque o dono desses pensamentos compreende o idioma.

Uma delas está de rosto virado para a parede, parecendo contar.

[Um, dois, três...]

-O nome dele é Tibor.

Yennefer sentiu desconforto. Não apenas isso. Raiv, muita raiva emanava daqueles pensamentos.

—Tibor. O Tibor mais famoso que conheço é Tibor Eggebracht, um dos vários militares nilfgaardianos mortos na Batalha de Brenna.

—Pois saiba que Tibor é um nome comum por aqui. – disse a mulher, de voz delicada. Agora Yennefer pôde vê-la. A espiã. Uma mulher de cabelos loiros, trançados à moda nilfgaardiana, utilizando um pesado vestido negro e sem adornos. Apesar de tudo em si ser de Nilfgaard, ela era temeriana.

—Ele sabe falar o nosso idioma?

—Não. Vrehemeim não permitiu. Tudo que ele fala é nilfgaardiano.

Um resmungo. Yennefer ainda é capaz de sentir sua raiva, mas percebe algo a mais. Frustração? Decepção?

—Esse Vremem...

—É Vrehemeim. – corrige a mulher. Ele bufa.

—Essa porra aí que você mencionou, ele te trata bem?

A mulher suspirou. – Roche, eu não sou tratada como uma escrava, se é o que está pensando. Como te disse, ainda durante o transporte eu consegui utilizar as aulas há muito esquecidas de Nilfgaardiano e assim convencer os soldados de que eu não era uma camponesa qualquer, mas uma nobre. Poderia estar na lavoura a uma hora dessas, mas...

—Mas foi parar no palácio de um Visconde, eu sei. – interrompeu. – Só não está claro para mim porque não abocanhou o casamento com esse nobre e preferiu se casar com um descascador de batatas.

—Oh, é claro. Desculpa se a minha situação atual não favoreceu os seus jogos políticos do modo que gostaria. E se quer saber, não deveria ser tão mordaz com Vrehemeim. Ele é um cozinheiro? Verdade. Muito longe de ter sido o homem que eu desejava me casar? Verdade. Mas no fim das contas, foi ele quem se dispôs a me ajudar. Ele fez o que pôde para que eu escondesse a gravidez, e quando eu não mais pude fazê-lo, ele assumiu a criança. Algo que não teria acontecido se...

—Chega, Brigida!

As palavras desta mulher, que Yennefer soube agora se chamar Brigida, mais pareciam uma agulha a espezinhá-lo mais e mais.

—A culpa de toda essa situação é sua, Roche.

—Caralho, Brigida, você acha que eu não sei que a culpa é minha? Não precisa repetir essa porra toda hora, que nem um papagaio de circo. Eu sei que sou o culpado. Se eu soubesse as consequências de minha partida para o Monte Carboun resultariam em... Em... Nisso... Eu...

—Você colheu o que plantou.

—Puta merda, Brigida... Acha que estou feliz por saber que o meu próprio filho é...

—Cale-se! – apertou Brigida o braço de Roche. Com tanta força que Yen pôde sentir as unhas cravadas. – Pelos deuses, cale-se!

—Não irá falar “pelo Grande Sol”?

—Vá se foder, Roche. Não é hora de ironias. Ninguém pode saber sobre você e Tibor. Entendeu? Não é justo com Vrehemeim ser envergonhado desta forma. Sendo cozinheiro ou nobre, ele me ajudou na hora mais difícil da minha vida, ou melhor, na hora em que você simplesmente não estava lá porque preferiu bancar o soldado fodão a proteger Anais e a mim. Aliás, e quanto a Anais?

—Está em um lugar seguro.

—Irá mostra-la agora, que a Teméria é um Estado Vassalo?

—Não dá mais. Emhyr escolheu um nilfgaardiano para ocupar o trono.

Brigida riu. – A nobreza da Teméria não irá aceitar isso.

—Terá de aceitar. Eles foderam com a Teméria, agora serão fodidos por Nilfgaard. Mas o tormento deles será por pouco tempo, ao menos até que Anais esteja pronta. A opção de Emhyr em manter a Teméria “a rédeas curtas e mãos de ferro”, como ele mesmo disse na cerimônia, no fim das contas será benéfico a Anais. Os nobres estarão tão fodidos que eles preferirão apoiar a bastarda do Rei Foltest a um nilfgaardiano.

—Creio, então, que este está longe de ser o fim.

—Está. Infelizmente.

—Está velho demais para isto, Roche. Quantos anos já têm? 50?

—Não sou tão velho assim. Fiz 49 no último verão.

Brigida rolou os olhos. – Grande diferença. Sou mais jovem do que você, mas estou cansada dessa merda toda. Não quero mais saber de política. Tudo que quero agora é criar Tibor e, quem sabe, dar mais irmãozinhos a ele.

—Quer uma ajuda?

—Vai se foder. Sozinho. – disse Brigida, levantando-se. – Irá permanecer aqui?

Roche cruzou os braços. – Melhor do que ficar no salão entre os nobres e ouvir comentários como “olha, os temerianos não comem com as mãos”... Além de quê, quero aproveitar cada segundo que puder para... Apreciar esse jardim. – disfarçou Roche.

—Não se atreva a...

—Não vou, Brigida. Pode relaxar porque eu não vou foder com tudo. Agora, acho melhor voltar aos seus afazeres. Certamente há alguém querendo água quente nos pés.

Com Brigida já longe, Roche passou a colocar suas atenções nas crianças a brincar. Um turbilhão de pensamentos parecia envolver Yennefer. A maioria deles se repetia em uma frase, num tom melancólico. “Meu filho é um bastardo como eu”.

De repente, um dos meninos encontrou todas as crianças, que inconsoláveis, começam a tentar argumentar outra brincadeira.

—[Vamos brincar de guerrear!]

—[Vamos, Tibor!]

—[Eu serei Nilfgaard e vocês podem ser a Teméria e a Redânia!]

—[Não é justo, Tibor! Você sempre escolhe ser Nilfgaard!]

—[É mesmo, Tibor! Está na hora de você perder um pouco! Seja a Teméria desta vez!]

—[Não! Eu não quero ser um perdedor!]



—Yen!

Yennefer de Vernemberg piscou seus olhos violeta. Havia se distraído mais do que devia. Agora, tanto Vernon Roche, o dono dos inusitados pensamentos, e Geralt a olhavam com suspeita.

—Será que ela teve uma visão? – questionou Roche.

Geralt sacudiu a cabeça. Yen sabia o que aquilo queria dizer. Ele sabia do que ela havia feito. Mais tarde, ela ouviria uma bronca daquelas dele. Uma bronca que sempre acabava na cama, é verdade, mas uma bronca.

—Ela possivelmente está pensando em lavar o unicórnio.

—Mas eu não sujei o unicórnio dela.

—Eu sei que não, só que Yennefer tem... Mania de limpeza. – disfarçou Geralt. – Como te disse, Roche, eu sinto muito, mas não vou me envolver nisso. Terá de achar outra pessoa. Yen, prepare um portal para Roche. E por favor, tente colocar as diferenças de lado com Triss e não devolva na mesma moeda.

—Puxa, mas eu estava pensando em várias possibilidades... – a feiticeira disse, com ar venenoso. Geralt apertou seus olhos, em aviso. A feiticeira, então, conjurou o portal.

—Agora entendo, Geralt, porque você diz que odeia portais. – disse Roche, após suspirar. – Essa porra embrulha o estômago. Acho que é por isso que vocês, feiticeiras, são tão magras. Devem ficar vomitando o tempo todo.

—Eu te entendo, Roche. – assentiu Geralt. – Eu sempre troco um portal por uma cavalgada de dias quando posso, mas há ocasiões em que é indispensável. E além disso, você precisa voltar logo ao seu banquete, antes que alguém dê por sua falta.

—Está bem, Lobo. Obrigado por tudo. – disse Roche, desaparecendo no portal.

Quando a Magia se dissipou, Geralt percebeu que Yennefer estava com um ar risonho.

—O que foi? Aposto que está rindo porque viu todas as sacanagens que Roche têm nos pensamentos, não é? – brincou Geralt.

—Antes fosse só isso, Geralt. Acabei descobrindo que ele tem...

—Nada de fofocas, Yen. – pediu Geralt, com um aceno. – Já disse que não gosto quando você invade os pensamentos das pessoas. Você prometeu que mudaria sobre isso.

Yen rolou os olhos. – Foi só para praticar. Sabia que Magia é igual músculo? Você precisa exercitar para não deixa-lo flácido... – disse Yen, cutucando o peito de Geralt.

—Há muitas formas de exercitar Magia sem ser invasiva deste jeito, Yen.

—Foi só uma travessura. Aliás, ele saiu daqui satisfeito. Depois da tua recusa, pensei que ele te mandaria para a puta que pariu, no mínimo. O que aconteceu?

—Fala do momento em que você esteve distraída demais lendo os pensamentos dele? Bem, eu disse educadamente a ele que não aceitaria reencontrar a menina Anais por causa da minha aposentadoria e também porque já estávamos quites. Roche pode ser estourado, mas entende perfeitamente o significado de um “não”. Ele terá de se arriscar e ir sozinho, ou encontrar outra pessoa para essa tarefa.

—Espero que não seja a Ciri. – retrucou Yen.

—Não há a menor possibilidade disto acontecer, Yennefer. Roche pensa que Ciri está morta, assim como todas as outras pessoas.

—E mesmo se ele descobrir toda a verdade e encontra-la, você não poderá fazer nada.

Geralt suspirou. – Eu sei. Ela foi bem clara quanto a isso, quando partiu sem se despedir de mim, em Carreras. Ainda me lembro das palavras vagas daquela carta que ela deixou.

—Não deveria ficar irritado com ela. Ciri já é adulta. Ela só queria dizer a você que queria seguir seu próprio Caminho, mas não sabia fazê-lo de um modo que não te decepcionasse.

—Pode ser, mas de um modo ou de outro, ela me decepcionou. Ela me conhece bem para saber que eu odeio despedidas por cartas. Se Ciri estava tão incomodada assim com minha presença ao redor dela, que me falasse. Eu respeitaria sua vontade, sem problemas. Mas ao menos, não estaríamos tão distantes agora. Mal tenho notícias dela, Yen, e sempre que elas chegam, são por intermédio de terceiros. Temo que ela vá se meter em apuros novamente.

Este é o último capítulo disponível... por enquanto! A história ainda não acabou.